01/10/2010

Morreste-me - José Luís Peixoto

Escrito como quem reza, sentido como uma oração, lido e sofrido com uma lágrima hesitante, Morreste-me é uma pequena e bela obra de arte. Bela e triste. Isto leva-me a pensar numa velha questão de filosófica: “pode a beleza ser triste”? Pode, digo eu. Talvez a beleza não esteja na coisa em si, neste caso na escrita, mas no admirável espelho da nossa alma. Um sentimento, uma dor de alma, um sofrimento atroz, são coisas belas quando, admirados, sentimos o nosso próprio espírito abalado. Talvez a arte seja tudo aquilo que mexe connosco. É nesse sentido que Morreste-me é uma belíssima obra de arte.
As palavras de J. L. Peixoto não são feitas de letras. São desenhadas com os átomos da tristeza. São partículas de dor que se juntam para formar dores de alma que irrompem destas páginas e nos invadem o espírito sem piedade.
Peixoto é um génio. Porque escreve bem? Não. Muitos escrevem bem. Mas poucos conseguem escrever a alma. E muito poucos conseguem escrever na alma do leitor. Peixoto invade-a; toma-a de assalto; escraviza-a e tortura-a. Ao ler esta tristeza, o leitor maravilha-se com a própria dor. Como será isto possível? Que estranho prazer é este de sofrer? Ou será apenas a beleza em tons de negro? Expor a dor, partilhá-la com o leitor, mergulhar na escuridão para depois a transportar até quem lê, será essa a beleza destas palavras?
Seja como for, ler Peixoto não é apenas um exercício estético. É descobrir a beleza da escuridão, da dor mais atroz; mas é também vivê-la e revivê-la porque este livro não pode ler-se apenas uma vez.

Related Posts:

  • Livros e Sons Nº 15Uma canção de como quem chora, cantada como quem reza, ouvida como quem voa... E um livro lido como quem espera a morte, como quem vive, como que… Read More
  • (Intervalo)Faço hoje um intervalo nos livros para vos falar de um assunto completamente absurdo mas que vai (infelizmente) correr rios de tinta: o casamento do p… Read More
  • Centelhas - Hyatt BassThe Embers, no seu título original (As Cinzas), primeiro romance de Hyatt Bass, aparece-nos nesta edição da Civilização Editora sob o título de Centel… Read More
  • Um Livro Para Sua Excelência - nº 8O nosso mais distinto funcionário público vai ganhar menos. Bem, é o destino de quem tem por patrão um “teso” como o nosso Estado. Bem, convenhamos qu… Read More
  • Loucura Azul - Paulo Alexandre e CastroLoucura Azul é um livro surpreendente, uma espécie de aparição, num tempo em que as editoras apostam em literatura fantástica ou de cordel. Sem deixar… Read More

0 comentários: