02/09/2010

Kikia Matcho - Filinto de Barros

Kikia Matcho pode ser traduzido do crioulo como “Mocho Macho”, um animal símbolo da desventura, da desgraça.
Este livro surpreendente, de um escritor guineense pouco conhecido entre nós, fala-nos, numa liguagem simples, do povo simples da Guiné, de um recém-licenciado na Europa, Benaf, que regressa à Guiné aquando da morte de um tio, ex-combatente. Fala-nos também de Papai, outro ex-combatente; ele é a voz da saudade e do lamento; da tradição e do desengano.
A narrativa lentamente se transforma numa profunda reflexão sobre as consequências da guerra colonial e as desilusões que se seguiram. No fundo trata-se simplesmente de dar conta da miséria de um povo escravizado por antigos e novos colonizadores; os “tugas” mas também os novos senhores, porta-vozes de um sistema político que depressa esqueceu o povo. Um povo que foi vítima da História, ou dos homens que a fizeram.
A luta contra o “tuga”, o português colonizador tinha unido os povos africanos. Guineenses e cabo-verdianos juntos no PAIGC de Amílcar Cabral, tinham no inimigo comum um traço de união. No entanto, a independência trouxe a desunião; começara o assalto ao poder!
Neste livro é bem patente o lamento perante a nova realidade da Guiné: o poder político desprezou os combatentes e a nova geração esqueceu a Luta e os seus heróis.
Por outro lado, a desilusão perante Portugal: os novos democratas de Lisboa convidam os africanos a emigrar para depois os instalarem em bairros de lata, sem condições de trabalho, condenados à miséria e à criminalidade.
Na Guiné, entretanto, o povo vai tentando esquecer estas desgraças do “progresso”; o saber tradicional, a cultura do povo guineense é misturada com novas influências e despersonalizada; as tradições são consideradas pelos novos como superstição; é o caso do jovem licenciado Benaf, que não compreende a alma africana porque se ausentou dela e se aculturou perante o “branco”.
Em suma, trata-se de uma leitura agradável e muito importante para compreender o fenómeno da descolonização e dos problemas por que passam os países lusófonos de África. É a visão do africano perante as desgraças que a colonização e a descolonização precipitada provocaram. Para nós, portugueses, esta crua realidade que Filinto de Barros descreve é e será ainda uma ferida aberta na consciência portuguesa e europeia.

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