07/09/2010

A Viagem do Elefante - José Saramago

Em horas tardias e já no seu leito dom João III, rei de Portugal, confidencia a dona Catarina de Áustria, sua esposa, que gostaria de oferecer a seu primo, Maximiliano arquiduque da Áustria e regente de Espanha, vivendo nesse momento em Valladolid, um presente de casamento de acordo com a seu status, pois o que ofertara havia quatro anos atrás não lhe parecia satisfatório, nessa tagarelice dona Catarina exclama e Salomão, Salomão, diz dom João, meio pasmado meio paspalho, sim e se oferecêssemos Salomão o elefante, e assim ficou decidido.
Salomão o elefante vindo das índias iria agora para Viena.
O confronto e choque entre culturas e estratos sociais, Saramago utiliza as personagens para ironizar, criticar conceitos e atitudes.
Após Maximiliano ter recebido o seu presente este muda os nomes as personagens centrais Salomão para a ser solimão e Subhro é agora Fritz, mais uma alusão ao poder do senhorio feudal sobre os seus subordinados, hoje em dia impensável que isto acontece-se.A utilização do cornaca Subhro, de origem indiana, um quase cristão ou um quase hindu, trava com o comandante português disputas religiosas verbais bem ao gosto do autor. Numa passagem do livro os maus ouvidos das populações (estes ouvem a história que Subhro contava sobre o hinduísmo e ganeixa o deus elefante) distorcem a história e exaltam o padre e este tentar exorcizar o elefante, o medo do novo do desconhecido.
A viagem percorre paisagens áridas, mares tumultuosos, caminhos inóspitos, rios suaves, calor, chuva, lama, neve em descrições bem conseguidas com muita mistura de anacronismos utilizando os estrangeirismos como critica.
Na passagem por Pádua é pedido (mais ordenado) a Subhro, ou melhor nesta altura já seria o nosso Fritz, que Solimão faça um milagre e se ajoelhe em frente à basílica com toda a população como testemunha, para reforçar o espírito religioso que estava por esses tempos muito cinzento. Mais uma vez o poder da igreja em fabricar milagres para reforçar a sua posição.
O desfiladeiro de Isarco em nada se compara com o Brenner, este é dez vezes mais perigoso diziam uns outros afirmavam ser vinte vezes mais dificil. Travessias feitas com neve e com um intervalo de duas semanas de descanso e felicidade em Bressanone onde como Saramago referencia nada existe para contar pois já o dizia Tolstoi "famílias felizes não tem histórias".
É um conto como o autor lhe chamou, um conto, de leitura divertida, rápida e com muita sabedoria nas entrelinhas, nas linhas e nas palavras, e aqui sim Saramago explora e eleva a nossa língua a nível muito alto.
Um livro muito bom com referências fantásticas, cheio de pormenores deliciosos, a ser lido acompanhado Hexagon 2003 um vinho tinto de aroma complexo e final de boca longo mas fresco.

3 comentários:

Paula disse...

Este foi o único livro que consegui ler de Saramago (até agora, porque vou dar mais oportunidades ao escritor)
Adorei "A viagem do elefante" toda a sua escrita e principalmente a crítica à igreja e à nobreza, mas a certa altura dei comigo a pensar: "este elefante nunca mais chega ao destino" :p

É uma leitura que também aconselho, no entanto tomaria um delicioso coktail daqueles que vêm acompanhados de chapeuzinhos no copo :P
Um abraço Ângelo :)

Unknown disse...

Vocês convenceram-me.
Já está na minha lista de espera (que qualquer dia é maior que a dos hospitais públicos) :)
Abraço

susemad disse...

Uma viagem muito morosa e humorada esta, mas nunca esquecendo o sentido crítico! Uma boa história!