20/10/2010

A Queda dos Gigantes - Ken Follett

Há muito tempo não encontrava um livro que tentasse de forma tão declarada cruzar a realidade histórica com a ficção. O risco que Follett correu foi enorme. A História, ainda mais numa época tão polémica como a da Primeira Guerra Mundial dificilmente se compadece com esta miscelânea de factos e estórias.[Image]A ideia base faz lembrar o eterno Guerra e Paz. No entanto, nem a ficção se aproxima da criatividade e simbolismo de Tolstoi nem a análise histórica faz sombra à clarividência e profundidade do mestre russo.Ao longo de quase mil páginas, Follett parte para esta abordagem com um enquadramento de cinco famílias em locais estrategicamente significativos: - A família do jovem mineiro Billy, em Gales, que representa a grande massa anónima que faz as guerras, faz a História e alimenta o mundo; Billy, a irmã Ethel, “guerreira” pela causa sufragista e o pai sindicalista simbolizam a classe operária explorada e, no entanto, triunfadora na entrada da modernidade que o século XX viria anunciar.- A família de Fitz, inglês, representa a aristocracia tradicional, conservadora e arreigada ao preconceito, alimentando-se da injustiça social.- A família de Walther, alemão, alto funcionário governamental, envolve o mais tacanho tradicionalismo alemão, representado pelo pai, Otto, em contraste com as ideias modernas, democráticas de Walther.- A família Pechkov, na Rússia acompanha todo o processo conturbado de derrube do regime czarista e de instauração do bolchevismo soviético. Grigori é o revolucionário convicto, vítima das maiores atrocidades por parte do czarismo e Lev é o irmão oportunista que envereda pela trafulhice mais pérfida como forma de afirmação pessoal e vingança perante um passado de injustiça.- Nos Estados Unidos da América, Gus, assistente do presidente Wilson é a imagem da América como a terra prometida dos tempos modernos, o país cor de rosa em que todos os sonhos são possíveis.Por detrás da história de ficção, Follett apresenta-nos uma análise histórica que, em alguns aspectos, se revela muito interessante e inovadora:Os destinos do mundo, por vezes, dependem de conveniências pessoais; veja-se como alguns personagens são contra a guerra porque estão apaixonados; outros são a favor do conflito por egoísmo, vaidade ou por conveniência pessoal.Também a Guerra civil na Rússia, como outras guerras, é movida por interesses. Aliás, um dos méritos deste livro reside na atenção dada a um aspecto que a historiografia tem desprezado: o apoio (absurdo em termos ideológicos) da Alemanha ao bolchevismo e da Inglaterra às forças contra-revolucionárias.O autor opta por aproximar perigosamente os personagens ficcionais aos reais, causando situações pouco verosímeis, como a conversa do soldado Grigori com Kerenski ou de Lenine com os conservadores alemães. A tentativa de fidelidade histórica é por vezes obsessiva, o que retira interesse à narrativa ficcional. Follett procura, até à exaustão, ser rigoroso historicamente; isso leva-o a descrições demasiado pormenorizadas, principalmente da situação política na Rússia. Pelo contrário, despreza por completo os inúmeros combates que se deram nas colónias, principalmente em África. Nem sequer refere esse aspecto, o que constitui uma lacuna grave.O autor cai também em alguns exageros, como a importância da aviação na primeira guerra mundial (estava nos primórdios), a importância dos submarinos e o apoio financeiro (pouco verosímil) dos conservadores alemães a Lenine.No final da guerra fica a ideia de um certo idealismo em relação aos EUA – o país onde um politico pode casar com uma jornalista anarquista; o país da liberdade e da prosperidade. No entanto, esse é também o país onde Lev se torna o criminoso triunfante.Como curiosidade, gostava de realçar o desprezo total pela participação portuguesa na guerra. Portugal só é referido uma vez e em termos muito depreciativos: o delegado português à Conferência da Paz intervém uma vez para solicitar que o texto final inclua uma referência a Deus, sendo por isso alvo de chacota por parte dos outros delegados. Afinal de contas nada de estranho se considerarmos que Follett é inglês…No final da obra sobressai a grande ideia que se assume como uma espécie de lição de moral: o fim da Primeira Guerra Mundial lança o início da segunda; os vencedores da guerra procuraram cobrar à Alemanha todas as despesas e prejuízos, numa atitude de arrogância vingativa que acabou por alimentar o grande monstro chamado Nazismo. E o mundo pagaria caro por essa arrogância.A quem interessar esta temática aconselho o filme baseado na obra magnífica de Erich Maria Remarque, "A Oeste Nada de Novo".
Também publicado em http://aminhaestante.blogspot.com/

1 comentários:

Alice disse...

Ora aqui está uma análise interessantíssima do livro em causa!!
A verdade é que gostei do livro e a minha 1ª opinião publicada é muito favorável. Contudo, à data em que a escrevi ainda não tinha concluido a leitura (fiz esta primeira "análise" a pedido da editora) e agora que chegou a fase de fazer uma análise mais consistente deparei-me com alguns dos factos que descreve.

O facto da participação portuguesa na guerra não ser mencionado é, para mim, um erro crasso sobretudo se tivermos em consideração as implicações políticas que tal participação causou a nível da política interna. Outro dos aspectos que achei mais negativos foi também o completo desinteresse e a omissão dos conflictos nas colónias da época.

Pessoalmente achei os personagens bem conseguidos, consistentes, na medida em que conseguem transmitir e representar determinados tipos de pessoas ou classes sociais de forma algo realista. Achei-os envolventes e de fácil empatismo. Penso que este será, a par da intriga política, o ponto mais forte do livro.
Embora tenha gostado muito do livro não posso deixar de concordar com muito daquilo que escreveu.