22/11/2010

Centelhas - Hyatt Bass

The Embers, no seu título original (As Cinzas), primeiro romance de Hyatt Bass, aparece-nos nesta edição da Civilização Editora sob o título de Centelhas. Esta diferença pode apelar para diferentes interpretações do livro; na verdade, o drama da família Ascher pode ser visto, como tudo na vida, sob dois prismas diversos: o catastrofista, que parece emanar do título original e o optimista que pode ser lido a partir da interpretação do título português. Um drama tão profundo como o que se narra no livro não deixa de envolver centelhas de vida, brilhos momentâneos que emergem das cinzas de vidas desfeitas.
Trata-se de um livro interessantíssimo sobre coisas invulgares que acontecem em todas as famílias vulgares.
Os Ascher eram uma família feliz da classe média/alta norte-americana; Joe é dramaturgo, numa carreira com altos e baixos onde os picos não compensavam os vales mas que lhe permitiam uma vida desafogada; Laura é actriz e mãe de família dedicada; Emily é uma adolescente rebelde que vive de forma intensa os dramas familiares; mas o mundo dos Archers desaba quando Thomas morre com apenas dezassete anos.
No entanto, a morte do jovem não é o único drama. Tudo se desenrola como se este acontecimento trágico trouxesse à superfície outros dramas, entretanto calados, escondidos sob a capa vulgar de um quotidiano apressado e muitas vezes fútil.
Neste ambiente sobressai a apurada capacidade de Bass para pintar um quadro perfeito do perfil psicológico dos personagens. Na minha opinião de leitor destaca-se a figura der Joe, o chefe de família.
Joe é um homem amargurado, pelo remorso, pela culpa que o avassala no que respeita à morte de Thomas mas, ainda mais, pela sua personalidade egocêntrica e muitas vezes demasiado atenta à futilidade e ao materialismo. O drama de Joe é este: eu conheço os meus defeitos e limitações, no entanto não consigo ultrapassá-los e, pior ainda, gosto de ser assim. Dessa forma, a mente conturbada de Joe navega entre o que é, o que foi e o que gostava de ter sido.
Numa leitura mais apressada, este livro pode ser lido como um panfleto dos valores familiares tradicionais; mas é muito mais que isso: o livro problematiza e põe em causa toda a natureza das relações que estabelecemos com os outros e a dificuldade em coordenar a procura da felicidade com a necessidade de valorizar os que nos rodeiam.
O estilo é simples, directo, sem subterfúgios nem figuras de estilo desnecessárias, pelo que se lê com agrado e a bom ritmo. Enfim, uma boa surpresa da Editora Civilização.
.

Related Posts:

  • O Rapaz do Pijama às Riscas - John Boyne Nunca ninguém me há-de convencer que se fala demasiado do Holocausto Nazi. Relembrar estas situações, em que a maldade humana foi levada um extremo i… Read More
  • Livros e sons - nº 3Hoje viajo até ao Japão. Confesso que sempre tive um fascínio especial por este país. Não propriamente por causa das máquinas fotográficas, computador… Read More
  • livros e sons - nº 4A última mensagem de Saramago no seu blog, (http://caderno.josesaramago.org/)publicada em 18 de Junho, na véspera da sua morte:“Acho que na sociedade … Read More
  • Um livro para sua excelência - nº 4Tenho uma certa admiração por este senhor. Não só por ser minhoto como eu mas, principalmente pelo seu passado. Alberto Martins foi presidente da Asso… Read More
  • Guerra e Paz - Lev TolstoiKaraguin, Bolkonski, Bezukhov, Mikailovna, Rostov, são cinco famílias de onde Tolstoi parte para uma das maiores aventuras literárias alguma vez empre… Read More

0 comentários: