Opinião:
Nesta magnífica obra, Cristina Torrão narra a vida de um grande rei que, desde logo, nos faz lembrar o seu neto, bem mais conhecido de todos nós, o rei D. Pedro, o justiceiro de Inês de Castro.
D. Dinis, como Pedro, foi um rei justo e corajoso. Mas a sua vida ficaria marcada também pela imensa luz que irradia dessa magnífica figura histórica que é Isabel, a Rainha Santa. Logo na infância, Dinis convive com Afonso X de Castela, seu avô. Trata-se de um rei que ficou na história pela sua cultura, influenciando profundamente D. Dinis que ficaria conhecido como o rei trovador, amante das letras e do conhecimento.
Tal como acontecia com quase todos os reis e nobres do seu tempo, Dinis apreciava a caça e o manejo das armas; mas a sua maior diversão era a poesia e as cantigas de amor, de amigo e de escárnio. Dotado de um enorme talento literário, Dinis compôs alguns dos mais brilhantes versos da literatura medieval portuguesa, o que se adequava às suas tendências algo devassas, nas inúmeras paixões que teve e que deram origem a vários filhos ilegítimos. No entanto, a grande paixão de D. Dinis foi a sua rainha, D. Isabel.
A tradição, principalmente baseada no famoso milagre das rosas, foi algo injusta para como grande Rei, fazendo dele o “mau da fita”, perante a santidade de Isabel. Cristina Torrão esforça-se por repor a verdadeira imagem de Dinis, um homem apaixonado mas que nunca conseguiu adequar o seu carácter à santidade da esposa. Para Dinis era apenas impossível adaptar-se a uma vida de santidade: ele era um homem que gostava dos prazeres mundanos. Mas isso não o impediu de nutrir, até à hora da morte uma enorme paixão pela sua rainha, que ele admirava acima de tudo.
A rainha D. Isabel é apresentada neste livro de forma encantadora: é enternecedor o amor que ela sentia pelo povo, desde o momento em que chegou a Portugal, com apenas 12 anos. Tratava-se de uma donzela perfeita, verdadeira encarnação de todas as virtudes, admiradora e seguidora de S. Francisco, no desapego aos bens materiais.
A interpretação do amor entre Dinis e Isabel é conseguida de forma brilhante por Cristina Torrão; o próprio milagre das rosas é descrito com grande sensibilidade e qualidade literária. Quanto a D. Dinis sobressai a sua enorme força de carácter, a grande habilidade política para lidar com os enormes problemas de política externa, com os reinos de Aragão e Castela. Além disso, sendo um rei com grande sentido de justiça, deixou o seu reinado marcado por uma luta constante para atenuar as injustiças sociais, combatendo o poder exagerado da nobreza e até da Igreja.
Também os aspectos políticos são narrados de forma emocionante: as guerras entre os vários reis ibéricos, unidos por casamentos mas separados por ambições territoriais constantes, Aragão e Castela exigiam de D. Dinis uma capacidade imensa para gerir rivalidades e amizades, evitando os conflitos mas sem abdicar da firmeza que a independência de Portugal exigia.
Na parte final do seu reinado, D. Dinis confronta-se com o limite precário entre a autoridade e a arrogância. Exagerando no seu papel de justiceiro, o Rei vê-se confrontado com a oposição do próprio herdeiro do trono, dando ao livro um final verdadeiramente emocionante.
Em conclusão, trata-se de um livro que faz justiça a um grande rei, além de constituir um romance histórico de excelente qualidade literária, a merecer maior divulgação.
Esta é uma leitura que aconselho ;)
(comentário também publicado no blogue ...viajarpelaleitura...)
5 comentários:
Peço desculpa pela invasão, mas existe algo no livro que me intriga bastante. O facto de ser afirmado que Afonso IV não teve filhos ilegítimos, já li outros livros acerca da Rainha Santa Isabel, e, neles é dito que Afonso tinha uma filha ilegítima chamada Maria.
Então, decidi pesquisar pela internet acerca deste facto, e, a verdade é que até mesmo na wikipedia essa filha é nomeada...Infelizmente não tenho acesso ao livro de Bernardo Vasconcelos e Sousa que fez a biografia deste monarca, para poder confirmar!
Boa noite
Rita
Rita, a sua confusão é legítima, porque nem mesmo os historiadores têm certezas, neste caso. As fontes medievais nem sempre são exactas e muitas perderam-se. Há realmente uma Maria (passe a expressão), que terá vivido por esta altura e que não se consegue identificar. A versão mais corrente é a de que D. Dinis terá tido duas filhas ilegítimas com esse mesmo nome (coisas dessas aconteciam, na altura). Outra versão é a de que tenha sido filha de D. Afonso IV. Há inclusive um túmulo em Odivelas, que não se sabe bem de quem é, diz-se que terá sido de uma filha de D. Dinis, de nome Maria, que lá terá sido freira. Porém, uma outra filha do Rei Lavrador, com esse nome, casou com um descendente dos de la Cerda. Será a mesma? Serão duas? Ou terá sido uma delas sua neta?
Perante tanta confusão, eu decidi (trata-se de uma obra de ficção) não a mencionar. No meu romance, D. Dinis só tem uma filha de nome Maria, casada com o castelhano de la Cerda. Bernardo Vasconcelos e Sousa não atribui filhos ilegítimos a D. Afonso IV.
Não tenho nada contra os textos publicados na Wikipedia, eu própria me sirvo muitas vezes deles. Mas há alguns que são um pouco imprecisos, principalmente, no que respeita à História. Apresentam dados, que talvez sejam "oficiais", mas sem chamar a atenção para o facto de que há quem discorde.
Cumprimentos :)
Eu estou a ler este livro e ainda não encontrei essa referência à não existência de filhos ilegítimos de Afonso IV. No entanto fui procurar na bibliografia que tenho em casa e, de facto, não há referência a bastardos na maior parte da bibliografia. Na net encontrei, de facto, uma Maria Isabel de Portugal, cuja mãe é desconhecida mas que é identificada como filha ilegítima de Afonso IV. Terá sido casada com um nobre castelhano de nome Fernando de Castilla. Mas isto, repito, não é de fonto segura. Portanto, na dúvida, temos de dar crédito à autora, até porque este pormenor apenas serve, na narrativa,para ilustrar uma verdade maior: o carácter moralista (a seu modo) e fiel ao casamento de Afonso IV.
Gostaria de agradecer pelas vossas respostas, deu para esclarecer mais esta minha "confusão"! :) Já tive a oportunidade de ler outros livros de Cristina Torrão e sei que a autora faz sempre uma minuciosa pesquisa acerca das suas personagens.E, isso é evidente nas suas obras, não só pela maneira como as caracteriza, mas também pelos acontecimentos históricos que tão bem sabe descrever...
De facto a wikipedia baralhou-me um pouquinho, porém a principal razão da minha minha curiosidade acerca deste pormenor vem de um livro que li de María Pilar Queralt del Hierro acerca da vida da Rainha Santa Isabel,e, aí é dito que D. Afonso teria uma filha chamada Maria...Mas, agora entendo o porquê dessa autora a ter utilizado, mesmo não havendo certezas acerca da sua existência... Mais uma vez, muito obrigada pela vossa atenção!
Boa escrita!
Boas leituras!
cumps.
Rita
Terminei em Junho a leitura desta obra e devo manifestar o meu agrado. D. Dinis era já um Rei por quem sentia muita simpatia mas depois de ler este livro fiquei-lhe com uma admiração enorme. A dimensão humana aludida na narrativa foi um toque de mestre por parte da autora e este romance histórico é uma belíssima obra.
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