04/04/2011

D. Dinis - Cristina Torrão

Depois da opinião da Paula, aqui fica também a minha leitura deste magnífico D. Dinis:
Se antes tinha poucas dúvidas, agora não me resta nenhuma: D. Dinis foi um dos homens mais brilhantes da História de Portugal. Antes de mais nada dizer sobre este livro, fiquemos com esta certeza: Cristina Torrão confirma-nos esta verdade com uma obra literária magnífica!

Com grande cuidado na fidelidade à verdade histórica, a autora presenteia-nos com um romance histórico de rara qualidade.
No início do livro, grande parte das atitudes que viriam a nortear o comportamento do rei são ilustradas e até explicadas por alguns aspectos da sua infância. O contacto com a corte castelhana, nomeadamente com o rei Afonso X de Castela, o Sábio, despertaram em Dinis o gosto pelo conhecimento, pelas letras e pela ciência. Estávamos numa época de charneira no plano cultural: o advento da arte gótica na Península, a escola de tradutores de Toledo que divulgava a cultura clássica, a promoção das línguas nacionais, a afirmação das Universidades, etc, construíram um ambiente cultural que, num contexto de laicização crescente da cultura, anunciavam uma espécie de pré-renascimento. É nesse contexto que se há-de enquadrar o reinado de Dinis: o rei que instituiu o português como a língua a usar nos documentos oficiais, fundou a primeira universidade portuguesa e foi, ele próprio um vulto enorme da literatura portuguesa. Ele foi um dos maiores poetas da nossa língua e daí nasceu um dos seus epítetos, o de rei trovador.
Dotado de um enorme sentido de justiça, Dinis foi também um rei precursor dos grandes caminhos da história de Portugal que prepararam os Descobrimentos. Sem o crescimento e as modificações sociais e mentais do seu reinado, bem como de seu pai Afonso III, dificilmente teria sido possível iniciar, algumas décadas depois, a gesta dos descobrimentos.
A sua política foi, de facto, brilhante por ter sido “revolucionária” em três planos: político, económico e social.
Com grande clarividência política, o Rei entendeu que só modificações na estrutura social do país podiam modernizar o Estado português, tornando-o mais justo e rico. Assim, procurou centralizar o poder retirando privilégios ao clero e nobreza, através de inquirições e confirmações, leis da desamortização, fim das tenências, lei das apelações, diminuição das doações, etc. Assim, reforçaria o poder real, caminhando para o futuro estado absolutista e, ao mesmo tempo, promoveria a actividade comercial, favorecendo a burguesia e dessa forma aumentaria a cobrança de impostos.
Esta modernidade antecipada daria a Portugal um grande desafogo económico mas também geraria intensos confrontos com a fidalguia, com o clero e o próprio papa. No entanto, Dinis conseguiu sempre gerir este equilíbrio precário com grande sagacidade e coragem. Mas a parte final do seu reinado acabou por ser problemática: não conseguindo nunca conciliar o seu autoritarismo com o espírito benevolente da rainha, confrontado com as ambições dos vários filhos bastardos e o descontentamento do próprio filho herdeiro, futuro Afonso IV, Dinis teria grandes desafios a enfrentar na parte final do seu reinado, que Cristina Torrão narra com grande envolvência dramática, conferindo a este livro uma riqueza literária impressionante.
O encanto da Rainha Santa, a coragem de Dinis e a tremenda teia de interesses que se gerava nos reinos ibéricos são aspectos que Cristina Torrão desenvolve com mestria, tornando este livro indispensável a quem aprecia a literatura de qualidade. Uma surpresa muito agradável mas também um verdadeiro manual de história em forma de romance.
O contraste com o carácter rígido mas também mundano de Dinis dá à descrição da Raínha Santa um encanto especialíssmo. Chega a ser comovedora a forma como Cristina Torrão nos apresenta esta grande Raínha.

Anteriormente publicado em http://aminhaestante.blogspot.com/

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