10/06/2011

O Lugar do Morto - José Eduardo Agualusa

Não é fácil emitir a minha opinião sobre este livro. Agualusa confundiu-me um pouco. Por um lado, a ideia é genial: colocar escritores falecidos a falar dos problemas do mundo actual. Por outro lado, isto foge completamente aquilo que Agualusa nos habituou a fazer: uma maravilhosa, fantástica e poética ficção. Por isso estranhei o livro. Fiquei com a sensação que o tema era tão abrangente que constituía um verdadeiro filão para que se conseguisse algo de mais interessante.
É preciso não esquecer que se trata de uma colectânea de textos publicados numa revista. Só o formato já é bastante limitativo: textos demasiado curtos que impedem uma explanação coerente das ideias.
Mas não deixa de haver momentos excelentes neste livro. Alguns exemplos:
Eça de Queirós acha que nós, os portugueses, até ao errar somos pequenos: erramos em ponto pequeno. No passado, pelo contrário, errávamos em grande; Cabral queria ir para a Índia, errou e descobriu o Brasil. Em África recorremos à escravatura; um erro que deu origem à gloriosa colonização do Brasil. Eu acrescentaria que só nos faltou um erro: se D. Afonso Henriques tivesse errado seriamos hoje um povo bem mais feliz. Mas adiante.
Na voz do grande filósofo que foi Bertrand Russell, Agualusa dá-nos uma leitura curiosa do ateísmo: “a haver um Deus – terá de ser ateu”. Ou seja: se Deus nunca se revelou inequivocamente é porque não quer. Quer ser discreto; quer ser anónimo. Então, ao manifestarmos abertamente a crença em Deus estamos a afrontar a vontade divina, logo, estamos a ofende-lo. Os ateus, pelo contrário, agradam a Deus porque respeitam a sua discrição. Confesso que este raciocínio me encantou.
Muito curiosa a leitura que Agualusa faz da obra do seu amigo Mia Couto pela voz de Sophia: ela encara o Jesusalém como a melhor obra do autor moçambicano. Dela extrai uma curiosa definição de amor. Não resisto a transcrevê-la: “o amor é inútil, muito inútil mesmo. Arde sem préstimo e sua luz não ilumina ninguém. O amor não nos protege, não dá sentido a coisa alguma: arde e o que sobra são cinzas, e depois é maior a escuridão.” Falou e disse!
Last but not least, o famigerado acordo ortográfico. Mais uma vez polémica, a opinião de Agualusa. E, atrevo-me a dize-lo, algo redutora. É na voz dos grandes Machado de Assis e Padre António Vieira que Agualusa aborda o assunto, defendendo uma ideia um tanto obtusa: Lula da Silva está mais próximo do linguajar de Cabral do que Cavaco Silva. Custa-me entender este argumento que coloca o Brasil como centro gravítico da língua portuguesa. Numa coisa é preciso concordar com Agualusa: o ideal maior é a universalidade da nossa língua; é aquela bela ideia que ele já defendeu noutras obras, principalmente Milagrário Pessoal, segundo a quyal a nossa pátria é, parafraseando Pessoa, a Língua Portuguesa. Simplesmente, a pergunta que fica no ar é: será preciso inventar acordos e regras obtusas para construir esta pátria? Por mim, adorava ouvir a resposta de Agualusa. E estranho muito a defesa intransigente de uma tão forçada unificação da língua, precisamente por parte de um escritor que tão bem usufrui da liberdade linguística. Liberdade essa que faz da escrita uma arte…

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