11/06/2011

O Último Voo do Flamingo - Mia Couto

(Imagem do filme moçambicano, de 2010, que não sei se já estreou em Portugal)

Publicado em 2000, este é um dos primeiros grandes êxitos de Mia Couto, que iniciara a sua carreira literária com Terra Sonâmbula (1992).
Na minha opinião este livro ainda não exprime todo o génio que Mia Couto revelou naquela que eu considero uma verdadeira obra de génio: Jesusalém.
Mesmo assim, estão aqui todos os ingredientes deste que é, a meu ver, um dos mais brilhantes escritores contemporâneos de língua portuguesa: uma finíssima ironia, uma escrita que faz sorrir e sonhar e uma forma originalíssima de brincar com a língua portuguesa criando pérolas como esta: perante o aparecimento misterioso de um pénis nos ramos de uma árvore, resultado da misteriosa explosão de um soldado dos capacetes azuis da ONU, mandaram chamar Ana, a prostituta mais famosa da terra, para que ela tentasse reconhecer o órgão: “essa Ana era uma mulher às mil imperfeições, artista de invariedades, mulher bastante descapotável. Quem, senão ela, poderia dar um parecer abalizado sobre a identidade do órgão? Ou não era ela perita em medicina ilegal?”
Este tom mantêm-se por todo o livro: jogos de palavras, trocadilhos, como quem brinca com a escrita.
O que é certo é que, em comparação com outros livros de Mia Couto, há neste um certo tom nostálgico e mesmo negro, um certo pessimismo perante por destinos seguidos por esse país tão martirizado que é Moçambique.
Os capacetes azuis da Onu explodem misteriosamente; é a vingança da terra perante as armas dos homens. Eles não trazem a paz; eles testemunham a guerra, impassíveis, pouco interessados na terra e sem a compreender; é que o povo e a terra são um e único corpo. Mas isso ninguém compreende. Todos os estrangeiros (os de fora e os de dentro) querem extrair da terra o dinheiro que lhes saciará os vícios. Assim, todo o livro é um testemunho da vingança da terra perante o colonialismo. Nessa altura, em teoria geo-política, Moçambique era um país independente. Mas não o era na realidade: os colonialistas continuavam a sugar a terra em seu proveito: colonialistas externos representados por todos os estrangeiros que a exploravam e os “colonialistas internos”, ou seja, os moçambicanos oportunistas, poderosos, que desprezam a terra por que só a encaram como fonte de lucro e poder.
Com todo este oportunismo, este desprezo pela terra dos antepassados que a fizeram, a esperança vai morrendo: o flamingo, mensageiro das boas-novas, voa cada vez menos. E um dia voará pela última vez...
Embora algo negro, o final é belíssimo: a “terra” engole a terra… só lendo mesmo é que se compreende. Portanto, não tenho dúvidas em afirmar que se há livros de leitura obrigatória para compreender a literatura africana de língua portuguesa, este é um deles.

2 comentários:

Ângelo Marques disse...

Fiquei curioso...
E já não sei quem escreve melhor o Mia Couto ou o Manuel Cardoso, bem ser ler o livro será certamente pela escrita do Manuel.

Abraços

Paula disse...

Ângelo Marques,
Concordo contigo :)