22/07/2011

Escritores na Primeira Pessoa - João Tordo


Destante- Sente-se um contador de histórias?

João Tordo - Claro. Qualquer romancista se deveria sentir assim ou, pelo menos, aspirar a isso. Julgo que é a arte mais difícil de todas.

D- Sendo o João também tradutor, sente essas traduções como parte de um livro seu?

JT-  Não, as traduções são um material à parte, que exige muita dedicação, muito tempo e sobretudo muito respeito pelo autor da obra. Quando traduzo tento que a voz que coloco na página seja o mais aproximada ao original.

D- Achava ser difícil superar as expectativas, passar incólume à critica depois do sucesso do livro “As três vidas”, com o qual foi vencedor do prémio José Saramago?

JT- A crítica não me causa mossa: não ando cá para responder aos críticos mas sim para escrever livros. Com algumas excepções, tem sido benéfica. As expectativas são mais difíceis de superar, e não se pode agradar a toda a gente a todo o tempo. Decidi há algum tempo que o meu próximo romance será sempre aquele que me apetecer (e fizer sentido) escrever, independentemente do prémio que tenha ganho ou do que esperam ou não esperam de mim.

D- Como foi a sua estadia na casa ledig? Podemos falar um pouco dessa experiência?

JT- Foi uma estadia prolongada e muito proveitosa. Formou-se um grupo de pessoas caricato mas divertido, ensombrado pelo vulcão islandês que estava a lançar o caos nos voos Europeus e Americanos, e cedo não esquecerei o ritmo de escrita que aquele lugar remoto e belíssimo proporciona. Também andei muito de bicicleta, todas as manhãs, por volta das sete, quando acordava.

D- Quando inicia um livro leva-o até ou seu termino ou tem um “arquivo” onde guarda os livros inacabados?

JT- Levo-o sempre até ao fim, mesmo que não seja para publicar (já aconteceu algumas vezes).

D- A crítica em Portugal não é um pouco elitista? Como se relaciona com a crítica literária?

JT- Não tenho qualquer relação com a crítica ou com os críticos. Uma vez mais, ando cá para escrever e não para responder à crítica.

D- Sofre muito quando escreve? (tendo personagens tão complexas, tem que lhes dar um pouco de si) com isso sofre, rejubila?

JT- Não sofro nada quando escrevo; pelo contrário, é um alívio poder colocar nas páginas os pensamentos, ideias e emoções que carrego comigo durante os meses ou anos que antecedem a escrita de um romance. Sou o narrador da minha própria vida e a minha vida são as minhas histórias, muito mais do que esta vida quotidiana que, tantas vezes, não significa nada. Sofro muito mais quando não estou a escrever.

D- Devido a isso já perdeu o controlo de alguma personagem?

JT- Não.

D- Qual considera ser a sua maior qualidade e vulnerabilidade como escritor?

JT- A minha melhor qualidade é a persistência e a maior vulnerabilidade é a insegurança.

D- Não receia que o colem a um Charles Bukowski, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald ou Edgar Allan Poe, devido à sua vida de escritor “boémio”?

JT- Quem lhe disse que tenho uma vida de escritor boémio? E, mesmo que tivesse, que importância teria? A minha vida não grande importância, a do meu alter-ego literário (o narrador dos meus livros), sim. E, se me compararem a algum desses nomes acima, fico muito feliz.

D- O que fará quando tudo estiver a arder?

JT- Vou buscar um extintor.

D- Para terminarmos, faça referência a um livro e a um país/cidade e fale-nos um pouco de ambos.

JT -  Let the Great World Spin, Colum McCann, irlandês. Um livro de fino recorte literário escrito por um irlandês sobre Nova Iorque, onde o autor vive – um livro cuja génese é muito semelhante a um romance que escrevi, As Três Vidas. McCann nasceu nos arredores de Dublin, uma cidade que me diz muito por diversas razões – sentimentais, geográficas – e, de certa maneira, quando leio McCann tenho a sensação que estou a ler um livro que eu poderia ter escrito caso tivesse nascido irlandês e emigrasse para os Estados Unidos.

D- João, o nosso muito obrigado e fazemos votos de muito sucesso.

2 comentários:

antonio ganhão disse...

Gostei do tom descontraído das respostas... é sempre bom ver um escritor assumir-se como contador de histórias.

Ângelo Marques disse...

Olá António,
Umas respostas "demasiado" descontraídas, mera opinião pessoal, mas sim um grande contador de histórias que falta nos fazem estes contadores...

um abraço