Destante- Sente-se um contador de histórias?
João Tordo - Claro. Qualquer romancista se deveria sentir assim ou, pelo menos, aspirar a isso. Julgo que é a arte mais difícil de todas.
D- Sendo o João também tradutor, sente essas traduções como parte de um livro seu?
JT- Não, as traduções são um material à parte, que exige muita dedicação, muito tempo e sobretudo muito respeito pelo autor da obra. Quando traduzo tento que a voz que coloco na página seja o mais aproximada ao original.
D- Achava ser difícil superar as expectativas, passar incólume à critica depois do sucesso do livro “As três vidas”, com o qual foi vencedor do prémio José Saramago?
JT- A crítica não me causa mossa: não ando cá para responder aos críticos mas sim para escrever livros. Com algumas excepções, tem sido benéfica. As expectativas são mais difíceis de superar, e não se pode agradar a toda a gente a todo o tempo. Decidi há algum tempo que o meu próximo romance será sempre aquele que me apetecer (e fizer sentido) escrever, independentemente do prémio que tenha ganho ou do que esperam ou não esperam de mim.
D- Como foi a sua estadia na casa ledig? Podemos falar um pouco dessa experiência?
JT- Foi uma estadia prolongada e muito proveitosa. Formou-se um grupo de pessoas caricato mas divertido, ensombrado pelo vulcão islandês que estava a lançar o caos nos voos Europeus e Americanos, e cedo não esquecerei o ritmo de escrita que aquele lugar remoto e belíssimo proporciona. Também andei muito de bicicleta, todas as manhãs, por volta das sete, quando acordava.
D- Quando inicia um livro leva-o até ou seu termino ou tem um “arquivo” onde guarda os livros inacabados?
JT- Levo-o sempre até ao fim, mesmo que não seja para publicar (já aconteceu algumas vezes).
D- A crítica em Portugal não é um pouco elitista? Como se relaciona com a crítica literária?
JT- Não tenho qualquer relação com a crítica ou com os críticos. Uma vez mais, ando cá para escrever e não para responder à crítica.
D- Sofre muito quando escreve? (tendo personagens tão complexas, tem que lhes dar um pouco de si) com isso sofre, rejubila?
JT- Não sofro nada quando escrevo; pelo contrário, é um alívio poder colocar nas páginas os pensamentos, ideias e emoções que carrego comigo durante os meses ou anos que antecedem a escrita de um romance. Sou o narrador da minha própria vida e a minha vida são as minhas histórias, muito mais do que esta vida quotidiana que, tantas vezes, não significa nada. Sofro muito mais quando não estou a escrever.
D- Devido a isso já perdeu o controlo de alguma personagem?
JT- Não.
D- Qual considera ser a sua maior qualidade e vulnerabilidade como escritor?
JT- A minha melhor qualidade é a persistência e a maior vulnerabilidade é a insegurança.
D- Não receia que o colem a um Charles Bukowski, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald ou Edgar Allan Poe, devido à sua vida de escritor “boémio”?
JT- Quem lhe disse que tenho uma vida de escritor boémio? E, mesmo que tivesse, que importância teria? A minha vida não grande importância, a do meu alter-ego literário (o narrador dos meus livros), sim. E, se me compararem a algum desses nomes acima, fico muito feliz.
D- O que fará quando tudo estiver a arder?
JT- Vou buscar um extintor.
D- Para terminarmos, faça referência a um livro e a um país/cidade e fale-nos um pouco de ambos.
JT - Let the Great World Spin, Colum McCann, irlandês. Um livro de fino recorte literário escrito por um irlandês sobre Nova Iorque, onde o autor vive – um livro cuja génese é muito semelhante a um romance que escrevi, As Três Vidas. McCann nasceu nos arredores de Dublin, uma cidade que me diz muito por diversas razões – sentimentais, geográficas – e, de certa maneira, quando leio McCann tenho a sensação que estou a ler um livro que eu poderia ter escrito caso tivesse nascido irlandês e emigrasse para os Estados Unidos.
D- João, o nosso muito obrigado e fazemos votos de muito sucesso.
2 comentários:
Gostei do tom descontraído das respostas... é sempre bom ver um escritor assumir-se como contador de histórias.
Olá António,
Umas respostas "demasiado" descontraídas, mera opinião pessoal, mas sim um grande contador de histórias que falta nos fazem estes contadores...
um abraço
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