Está de parabéns a Bizâncio pela divulgação deste grande escritor francês, ainda não totalmente reconhecido pelos leitores portugueses.
Praga, “a Jerusalém dos novos tempos”, finais do século XVI. Na capital da cultura hebraica daquele tempo, David Gans é um discípulo entusiasmado e fiel do grão-rabi Loew, o MaHaRaL. Com ele aprenderá os segredos da Cabala, afinal de contas, a grande porta do saber segundo a tradição hebraica. A Cabala é o reino da Palavra; é o mistério que se esconde por detrás dos signos; é a arte de descobrir o significado da Palavra.
A narração é feita pelo próprio David Gans, em pleno século XX. A sua “fala” enquanto morto dá à obra um tom que reforça o enquadramento místico da narrativa.
Mas bem mais palpável que esse encanto místico que rodeia o pensamento hebraico é a terrível realidade: nem Praga escapa às perseguições aos judeus, após um período de paz devido à protecção pelo Imperador do Sacro Império. Os judeus eram considerados culpados da peste que matava aos milhares. Ironicamente eram os judeus que mais próximos estavam de compreender a doença e tratá-la, ou pelo menos preveni-la. Mas essa capacidade de escapar à maleita, em vez de ser encarada como uma fonte de informação era vista como fruto de artes de magia e, por isso, mais um motivo para o ódio.
Mas nem tudo é negro neste livro.
David Gans leva-nos ao encontro das maravilhas do Renascimento, em que os progressos científicos surgem como oásis no meio da ignorância e da superstição. É nesses oásis que Gans nos apresenta Tycho Brahe, o brilhante astrónomo, o grande matemático Kepler e o revolucionário mas silenciado Galileu.
Rodolfo, o Imperador do Sacro Império é uma espécie de mecenas que protege o oásis. No entanto, a sua ambição de poder cega-o e só protege os judeus enquanto tem a ganhar com isso. Depressa se transforma em mais um impávido espectador da brutalidade com que os judeus eram tratados pelos cristãos. E neste aspecto, ao contrário do que por vezes se pensa, os protestantes luteranos não eram menos cruéis e supersticiosos do que os católicos. Também eles encaravam os judeus como origem de todos os males.
Há algum tempo escrevi neste blogue, a propósito de O Último Cabalista de Lisboa, de Richard Zimler, que nós, portugueses temos razões para nos envergonharmos do nosso passado pelos crimes que cometemos contra o povo judeu. Mas parece-me que não fomos os únicos. Quase toda a Europa, esta Europa que se arvora de ser a pátria da civilização, viveu encandeada por este ódio, por esta onda criminosa que vitimou milhões de inocentes. O anti-semitismo é a vergonha desta “civilização”.
Na parte final deste magnífico livro deparamos com uma espécie de fábula cheia de significado: os judeus de Praga conseguem finalmente encontrar um meio de responder à letra” aos cristãos que os massacravam. No entanto, foi este “Golem” que acabou por provocar a discórdia entre eles, trazendo mais uma semente de violência. Triste lição para a alma humana…
No final, um verdadeiro e belo hino ao poder da Palavra! No fundo é esse o espírito da Cabala – a força da palavra, capaz de fazer nascer um novo Homem! Mesmo na maior das desgraças, há sempre uma semente de fé e esperança!
2 comentários:
Este também já está na pilha e deve ser lido dentro de pouco tempo.
:D
Abraço
Ao que parece mais cabalistas houve-se mais se descobriria sobre a opressão dos cristãos/protestantes luteranos sobre os judeus...
concordo:
"O anti-semitismo é a vergonha desta “civilização”".
Abraço
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