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17/10/2011

O Cabalista de Praga - Marek Halter

Está de parabéns a Bizâncio pela divulgação deste grande escritor francês, ainda não totalmente reconhecido pelos leitores portugueses.
Praga, “a Jerusalém dos novos tempos”, finais do século XVI. Na capital da cultura hebraica daquele tempo, David Gans é um discípulo entusiasmado e fiel do grão-rabi Loew, o MaHaRaL. Com ele aprenderá os segredos da Cabala, afinal de contas, a grande porta do saber segundo a tradição hebraica. A Cabala é o reino da Palavra; é o mistério que se esconde por detrás dos signos; é a arte de descobrir o significado da Palavra.
A narração é feita pelo próprio David Gans, em pleno século XX. A sua “fala” enquanto morto dá à obra um tom que reforça o enquadramento místico da narrativa.
Mas bem mais palpável que esse encanto místico que rodeia o pensamento hebraico é a terrível realidade: nem Praga escapa às perseguições aos judeus, após um período de paz devido à protecção pelo Imperador do Sacro Império. Os judeus eram considerados culpados da peste que matava aos milhares. Ironicamente eram os judeus que mais próximos estavam de compreender a doença e tratá-la, ou pelo menos preveni-la. Mas essa capacidade de escapar à maleita, em vez de ser encarada como uma fonte de informação era vista como fruto de artes de magia e, por isso, mais um motivo para o ódio.
Mas nem tudo é negro neste livro.
David Gans leva-nos ao encontro das maravilhas do Renascimento, em que os progressos científicos  surgem como oásis no meio da ignorância e da superstição. É nesses oásis que Gans nos apresenta Tycho Brahe, o brilhante astrónomo, o grande matemático Kepler e o revolucionário mas silenciado Galileu.
Rodolfo, o Imperador do Sacro Império é uma espécie de mecenas que protege o oásis. No entanto, a sua ambição de poder cega-o e só protege os judeus enquanto tem a ganhar com isso. Depressa se transforma em mais um impávido espectador da brutalidade com que os judeus eram tratados pelos cristãos. E neste aspecto, ao contrário do que por vezes se pensa, os protestantes luteranos não eram menos cruéis e supersticiosos do que os católicos. Também eles encaravam os judeus como origem de todos os males.
Há algum tempo escrevi neste blogue, a propósito de O Último Cabalista de Lisboa, de Richard Zimler, que nós, portugueses temos razões para nos envergonharmos do nosso passado pelos crimes que cometemos contra o povo judeu. Mas parece-me que não fomos os únicos. Quase toda a Europa, esta Europa que se arvora de ser a pátria da civilização, viveu encandeada por este ódio, por esta onda criminosa que vitimou milhões de inocentes. O anti-semitismo é a vergonha desta “civilização”.
Na parte final deste magnífico livro deparamos com uma espécie de fábula cheia de significado: os judeus de Praga conseguem finalmente encontrar um meio de responder à letra” aos cristãos que os massacravam. No entanto, foi este “Golem” que acabou por provocar a discórdia entre eles, trazendo mais uma semente de violência. Triste lição para a alma humana…
No final, um verdadeiro e belo hino ao poder da Palavra! No fundo é esse o espírito da Cabala – a força da palavra, capaz de fazer nascer um novo Homem! Mesmo na maior das desgraças, há sempre uma semente de fé e esperança!

09/09/2011

Os Mistérios de Jerusalém - Marek Halter

Os números têm, muitas vezes, significados profundos que vão muito além da aritmética. A numerologia nos textos bíblicos é apenas um dos muitos aspectos fascinantes que este livro envolve. Mas começo este comentário com esta referência porque, terminada a leitura, é um número, um simples algarismo, que me surge na mente para sintetizar o significado da obra. É o número 3. Porquê?
Em primeiro lugar, porque este livro envolve três dimensões, claramente distintas: é uma estória policial, um romance de aventuras e um autêntico manual de história por detrás da ficção. Uma estória nos bastidores da história!
Por outro lado, são três os tempos narrativos que nos fornecem uma interessante visão diacrónica da história de Israel: 1) o tempo bíblico do Antigo Testamento, com todos os mistérios, conflitos e maravilhas do mundo antigo; de Abraão à segunda destruição do Templo, pelos romanos, Halter encaminha-nos por uma viagem maravilhosa através das páginas do Antigo Testamento. 2) as cruzadas, na Idade Média, que a coberto de uma guerra sagrada foram ao mesmo tempo, oportunidades de rapina e pilhagem de tesouros mais ou menos míticos. E 3) o final do século XX, num cenário de conflitos e problemas geo-estratégicos que envolvem, mais uma vez, três elementos: a) os escombros da ex-União Soviética com os negócios escuros e oportunistas da máfia russa; b) os países árabes como o Iraque, aliados dos russos no ódio ancestral a Israel e c) os serviços secretos israelitas, guardiões dos tesouros sagrados mas, acima de tudo, guerreiros dos tempos modernos dispostos a lutar com todos os meios pela defesa da pátria israelita tão arduamente conquistada.
No meio de todos estes conflitos está Jerusalém, pátria sangrenta e mártir das 3 grandes religiões monoteístas: cristianismo, judaísmo e islamismo. Uma encruzilhada de 3 sonhos.
Conseguir sintetizar todos estes elementos num emocionante romance de 400 páginas foi o resultado brilhante deste trabalho de Marek Halter, contado na primeira pessoa.
Sem dúvida, um livro brilhante! Emocionante, profundo, problemático, polémico. Um romance de aventuras que não cai na trivialidade do género, tão em voga, de estórias de espiões; um livro policial que não se refugia em maniqueísmos em culto de heróis; um livro de história onde a informação, a reflexão e a profundidade de análise não resulta em intelectualismo formal e maçador.
Na parte final do livro, quando a emoção se adensa, surge a mais bela e pungente mensagem: israelitas e palestinianos, judeus e islamitas, poderão lutar em conjunto na defesa da sua memória. Não vou desenvolver este aspecto porque me levaria a desvendar aquilo que deve ser o leitor a descobrir. Mas tenho de enfatizar o golpe de génio com que Marek termina a aventura: por uma vez os sonhos uniram-se em Jerusalém na defesa de uma memória que, afinal de contas, une aqueles que a história separou. Jerusalém, a árvore de onde brotaram tantos ramos encerra um sonho único, fundado sobre memórias intemporais.
Brilhante!
Está de parabéns a editorial Bizâncio pela reedição deste livro e, já agora, pela capa simples e magnífica!
Também publicado em: http://aminhaestante.blogspot.com/