24/01/2012

Uma Viagem à Índia de Gonçalo M. Tavares

Bloom, herói deste livro, foge de Lisboa numa tentativa de encontrar a sabedoria e espiritualidade, foge para a Índia leva a esperança do esquecimento, nessa fuga viaja por Londres, Paris, Viena e Alemanha (curioso não ser referido uma cidade alemã mas sim o pais, ao invés de todos os outros locais por onde Bloom passou), a sua péssima recepção em Londres contrasta com a boa receptividade em Paris onde Jean M o ajuda na sua viagem com destino à Índia.

Viagem que se quer épica, aqui ficam umas estrofes do livro (muito escolhidas ao acaso):

Tal como aforismos, os objectos pessoais concentram
múltiplos dias num pequeno espaço. (cada objecto
envolvido em tirual ou em hábito é, em tempo: muito,
mesmo que tenha pouco centimetros.) Bloom prossegue,
pois, a mostrar a sua mala e nela os aforismos domésticos
e colocáveis em prateleiras que trouxe de Lisboa.
Shankra, sábio indiano, vê; e por vezes pergunta - em
[pergunta
breve de sobrancelha; as palavras são de Shankra raras.

O que é o passado? Isto: tempo que cada vez ocupa
menos espaço, e tal facto é visível na mala de Bloom.
O presente - agora, este momento -, pelo contrário,
ocupa todo o espaço que nos rodeia. Porém, deste latifúndio que é o tempo neste minuto, amanhã pouco
restará: talvez, quem sabe, asenhora da limpeza tenha as
[cinzas
para varrer. Séculos inteiros guardam-se agora em
gavetas medíocres.

Núpcias da História com a imaginação provocaram mais filhos e cópulas divertidas
do que núpcias de verdade com
a boa memória. Uiva como os lobos, eis
a História do mundo; tem apetite, sente-se
isolada; a História é um fluido que
passa ao lado dos homens, fluido espesso

Mas, apesar disso, o homem considera-se
Importante - a espécie com o ofício de jardineiro.
Contudo, o planeta não e o jardim do homem criativo,
Nem do cientista fundamental, nem do general corajoso;
A espécie humana, sim, e um dos jardins do planeta,
O canteiro mais civilizado, e certo. Mas pouco mais.


Inegável é não "colar" este livro aos Lusíadas de Luís de Camões mas "somente" na estrutura do livro que é composto por X cantos com e as suas estrofes no mesmo número dos Lusíadas (1102 salvo erro matemático), esta estrutura e a transformação (ou melhor; tentativa de transformação) desta viagem em algo épico são as semelhanças que encontramos neste livro tudo o resto será pura coincidência. Este livro "Uma Viagem à Índia" fica-se por um misto de poesia vs. prosa (muito mais prosa, mas isto é mera opinião pessoal), um livro que tem de ser lido com tempo com concentração redobrada muito devido aos inúmeros aforismos que o livro contém.

Tavares vai balanceando entre o fio condutor da sua estória aquela que leva Bloom à índia e devaneios "pessoais", somos arrastados para este devaneios que em muitas vezes embatem num murro de difícil transposição. Um exagero no número de tautologias torna o livro, em certas passagens, maçador.

Uma evidência é o confronto entre mundos e civilizações diferentes, mesmo dentro da Europa isso é explorado e atingi a apoteose entre os dois continentes. A desmistificação, na cabeça de Bloom, de uma civilização de sabedoria superior onde também esta é constituída por homens e por consequência homens com boas e más atitudes. Um livro para se ir reflectindo no decorrer da sua leitura.

Um bom livro de G. M. Tavares mas ainda não consigo compreender com é que este eclipsou toda a edição literária portuguesa de 2010 arrebatando quase todos os prémios literários em 2011, é sem dúvida um excelente livro, mas e para não retirar o mérito ao autor penso que os restantes autores nacionais não mereciam tamanha sombra. Mesmo assim um livro tão colado ao mestre Camões, e sair-se bem, não é para todos e de entre os eleitos muito poucos o podem fazer.

Serei o único a achar este livro bom, muito bom até mas não o extraordinário que é apelidado por quase todos?

9 comentários:

Cristina Torrão disse...

Talvez essa "colagem" ao mestre Camões seja precisamente a razão para o acumular de prémios. Portugal tem dificuldade em se libertar dos seus fantasmas e Camões é um deles. Um fantasma bom, mas, ainda assim, um fantasma...

De GMT ainda só li "Aprender a rezar na Era da Técnica" e também o achei maçador, num certo momento. Talvez também pelo "exagero no número de tautologias", mas, acima de tudo, pela linguagem densa, teórica, difícil de assimilar. A qualidade literária é indiscutível, muito perto da perfeição. Mas, como eu perguntava na opinião que publiquei: "quanta perfeição aguentamos"?

Ângelo Marques disse...

Olá Cristina,
A colagem ao mestre Camões tem a sua bifurcação no nome do autor... se fosse "eu" ainda era acusado de plágio ;)
mesmo quando estava a publicar este post era-lhe atribuído outro prémio (Fundação Inês de Castro) haja paciência...

M. disse...

Para mim é um livro formidável. Compreendo bem a atribuição de tantos prémios. É um livro que não acaba. Que quando se fecha de vez em quando no trânsito ainda nos puxa pela manga e nos faz pensar

Ângelo Marques disse...

Olá Marlene,
Também o considero um bom livro, e como alguém o disse daqui a 100 anos ainda se deve falar dele... considero é que existem outros autores com outros tantos livros, publicados no mesmo ano, com uma qualidade similar que ficaram na sombra de GMT, e não por culpa dele claro.

Anónimo disse...

E que autores são esses? Eu gostava que houvessem rivais à altura do GMT, palavra que gostava, mas não os tenho encontrado em português...

Ângelo Marques disse...

Olá Anónimo,
Um prémio por norma reflecte o que editou nesse ano e assim de memória penso que João Tordo e Dulce Maria Cardoso publicaram livros excelentes.
Autores portugueses para alem de João Tordo, Dulce Maria Cardoso temos valter hugo mãe, José Eduardo Agualusa, Mário de Carvalho são alguns exemplos que se podem equivaler a GMT.

Anónimo disse...

Perdi o primeiro comentário. Nova tentativa.

Agualusa e M. Carvalho deveriam ficar de fora, por não serem propriamente autores da "nova geração".

Sem querer discutir gostos, comparando com todos os nomes que apontou e que já li, posso dizer objectivamente que aquele onde a densidade de ideias por centímetro quadrado é maior, é o GMT.

Mas se o leitor apenas procurar que lhe contem uma história, sim, servem esses e muitos outros.

Mas, para uma obra ser intemporal, é preciso algo mais.

Ângelo Marques disse...

Concordo e sou um grande admirador de G.M.T. e também sou da opinião que ele por norma, em algumas obras, está num nível literário superior aos demais autores da sua "geração".

Acho somente um exagero um livro arrebatar todos os prémios literários desse ano, pois o livro (o tempo o dirá) não é uma obra prima, opinião pessoal eu sei..., segundo será que os júris literários em portugal têm todos os mesmos gostos? ou são sempre os mesmos júris?

Quanto às histórias que os autores contam, também GMT serve; não entendi (ou melhor, não quero compreender) o fundamento dessa afirmação.

um abraço

Anónimo disse...

De facto, há um certo "efeito dominó" nos prémios (não só em relação ao GMT), até porque o nosso meio cultural é pequeno, toda a gente se conhece. É só começar...

Mas para não achar que sou só elogios: por exemplo, o "Livro da Dança", aquilo, para mim, será prosa ou ensaio "poético", mas não é poesia (não tem o ritmo nem a fluidez da poesia)... Não é rival à altura de um Herberto Helder, por exemplo.

Cada macaco no seu galho.