22/02/2012

Comentários à 10ª Leitura conjunta do blogue "O Estrangeiro" de Albert Camus



Comentário de Manuel Cardoso
Li este livro pela primeira vez há uns sete anos. E agora que acabo de o reler chego à conclusão que a ideia que trazia era verdadeira: trata-se de uma obra prima! Um livro genial.
A vida de Meursault é um espelho do que todos nós somos: pessoas normais, banais, serres vivos, seres naturais antes de sermos racionais. Procuramos sobreviver, masi do que viver. Meursault procura passar desapercebido na vida. Mas há aquela coisa terrível a que Sartre chamou “o Inferno”: os outros!
Quando a mãe de Meursault morreu, ele não chorou; coisa diabólica, impossível num ser humano sensível: eis a condenação do Inferno. Assim Meursaul será julgado; assim Meursault será condenado: pelo Inferno dos outros, pela vida, pelo mundo. O mundo não se compadece com a leveza de quem apenas quer existir; o mundo exige comprometimento, exige aceitação das hierarquias, exige essa subtil aceitação da inferioridade, para que os outros, o Inferno, se possam afirmar na sua superioridade.
É fácil acusar Meursault. Todos o podemos fazer. Por exemplo, podemos acusá-lo de não ter afectos. É um homem frio. Se houver um assassinato por aí, Meursault será suspeito. Porquê? Porque nós o decidimos. Afinal, nós também somos o Inferno; nós também somos o Inferno de Meursault. Somos o seu pior pesadelo; somos os seus “outros”.
Meursault é como o cão de Salamano: nasceu para ser insultado, não para insultar. No entanto, Salamano ficou triste quando morreu o cão, mas ninguém ficará triste quando Meursault morrer. Porque ele era um homem normal.
Era um homem que nunca encontrou inimigos; ou melhor, nunca encontrou a quem odiar verdadeiramente. Por isso os outros o puderam castigar com tanta facilidade; Meursault entregou-se ao castigo recusando o ódio. Um dia ele matou um árabe; mas fê-lo com indiferença, como se estivesse escrito que assim teria de ser; ou como se a morte tivesse vida própria; afinal de contas, talvez seja a morte a comandar a vida.
Meursault, o estrangeiro, descobrirá de forma dolorosa que o poder é de quem joga, não de quem vive. A justiça castigá-lo-á por não fingir. O fingimento, afinal, fazia parte do jogo. Meursault, afinal, devia ter chorado! Devia ter mostrado arrependimento! Devia ter fingido. Tinha sido esse o seu crime. Mas ele era um estrangeiro; um homem normal.
Uma das maiores obras da grande literatura existencialista francesa, O Estrangeiro é um livro sobre a hipocrisia do ser humano que utiliza os sentimentos como forma de manipulação e de conquista do poder. É um grito de revolta contra uma sociedade que oprime aqueles que defendem a verdade até ao fim; de grande conteúdo filosófico, trata-se de um marco na literatura do século XX, sem deixar de ser uma história simples e acessível a qualquer leitor. Sem dúvida, uma obra-prima da literatura universal.

Comentário de Luís Miguel
Considerado um dos clássicos da literatura, este livro não dos mais fáceis de se ler, obriga o leitor a pensar, a interpretar, a procurar exactamente qual a mensagem que o autor quis fazer passar mas, como outro livro qualquer, cada um de nós pode tirar as suas próprias ilações ou tentar interpretá-lo à sua maneira.
O Estrangeiro fala-nos do Sr. Meursault, personagem narrador, e que personagem esta! Complexa ou realista diriam uns, fútil ou insensível diriam outros, eu diria que é uma tarefa difícil tentar qualificá-la pois é através das suas características que o autor irá fazer passar a sua mensagem.
A história começa quando este recebe a notícia da morte da sua mãe, que estava num lar. O funeral realizar-se-á no dia seguinte e ele lá cumpre a obrigação de ir ao velório. Não chora a morte da mãe, realmente, há muito tempo que não tinham nada a dizer um ao outro. A insensibilidade deste em relação à mãe (e que para a maioria de nós é chocante) é reforçada por dois pormenores: quando lhe perguntam a idade dela, ele não sabe ao certo; se quer ver a mãe (pois o caixão estava fechado): não quer. As suas necessidades fisiológicas sobrepõem-se aos sentimentos. O calor, pois estamos em Argel, é para ele insuportável. Como se isto não bastasse, Meursault, no dia seguinte ao funeral da mãe decide ir tomar banhos de mar, namoriscar com Maria, com a qual inicia uma relação e, nessa mesma noite vão ao cinema ver um filme de Fernandel. Meursault não é uma pessoa de muitas falas, só gosta de dizer o essencial.
Numa tarde de verão à beira mar, ele e um amigo envolvem-se numa rixa com uns árabes. Mais tarde depara-se com um deles e, devido ao calor abrasador e sufocante que o assola, mata-o disparando um tiro, e depois mais quatro. Segue-se então a descrição do desenrolar do seu julgamento. A acusação centrar-se-á mais no facto de ele não ter prestado a devida homenagem à mãe na hora da sua morte do que por ter matado um homem. Para ele as audiências são um suplício, não consegue discernir algumas partes, toda a gente olha para ele, todos falam dele, mas é como se ele não estivesse lá. (Será que se sentia como um estrangeiro num país estranho?). Para ele, o melhor era ficar na sua cela, onde começa a reflectir sobre a sua situação, sobre o seu passado e sobre o seu futuro. A questão da pena chegou a dar-lhe alguma esperança pois acreditou que ela poderia ser alterada. Depressa chega à conclusão da inevitabilidade de ser punido pelo seu crime através da pena de morte. A ansiedade enquanto espera pelo dia da execução torna-se sufocante. É na prisão que lhe surgem algumas memórias da mãe e do pai, pessoa que nunca conheceu. É num dado momento de descanso/reflexão que é mais uma vez interpelado por um padre que tenta (em vão) voltá-lo para Deus antes da execução. Perdendo a paciência, discute com o padre e dá-se como que uma epifania, uma revelação que faz com que, para ele, tudo tenha agora sentido. Para ele, são inconsequentes e insignificantes as decisões que tomamos, somos todos condenados, a morte é o fim último. Sente que viveu de uma maneira, poderia ter vivido de outra, é indiferente. É no fim que tem esta revelação em que acredita que está pronto a reviver outra vez tal como a mãe, no lar, quando lá iniciou uma relação. Da sua indiferença em relação ao mundo, toma consciência da indiferença do mundo em relação a si, o seu último desejo: que a praça estivesse cheia de pessoas prontas a odiá-lo pelo seu crime. 

Cometário de Ângelo Marques
 
Meursault, homem vulgar tem uma vida com o mesmíssimo significado, vive em Argel capital da Argélia colonia Francesa (terra onde o autor, Albert Camus, passou grande parte da sua vida) é aqui em Argel que toda a ação se centra; o sol desta cidade e terá um papel fundamental no decorrer de toda a narrativa, o sol o contrassenso da própria vida.
Meursault recebe a notícia da morte de sua mãe sem grande alarido, parte para o seu último encontro com uma certa indiferença, indiferença subtil onde Camus prepara o leitor para uma estória repleta de pequenas peças dispersas num puzzle que o leitor poderá construir a seu gosto. Neste último encontro demonstra uma certa insensibilidade para o trágico acontecimento.
No dia seguinte, ainda com as últimas cerimónias fúnebres da mãe bem presentes, encontra Marie numa estância balnear e nesse mesmo dia inicia um romance com ela, mas mais uma vez com um sentimento de grande indiferença, um romance sem amor.
Arrastado, indiferentemente, para um conflito entre um "amigo" com um árabe num momento sem aparente motivo ou explicação onde o sol lhe parece um deus da loucura comete um crime sob esse pretexto um crime brutal com uma continuidade exagerada.
A sua contínua indiferença perante os acontecimentos levam a um desfecho já sentenciado desde o início.
Gostei desta estória, diz-se por ai que é um clássico, e talvez o seja pela sua longevidade e simplicidade, uma estória que perdurará, serena, no decorrer de muitos bons e outros maus anos, assim nesse sentido poderei classifica-lo como sendo definitivamente um clássico, um grande clássico.
A indiferença pela vida alheia percorre cada página deste livro, pode-se ler de uma forma aprazível sem necessidade de muita massa cinzenta, e mesmo assim gostar do livro. Se aprofundarmos todos os passos de Meursault, mergulhando na sua insignificância, descobrimos o absurdo de algumas ações que tomamos. Num ponto concordo profundamente na atitude do nosso narrador, revejo-me nela com grande afinco, a sua obstinada coerência nos seus pressupostos
A condição humana explorada por Camus é surreal, a profundidade das ações em subtis palavras conduz o leitor a uma complexa rede de emoções difusas pelas páginas percorridas. A simplicidade na vivência de Meursault contrasta com a complexidade, vista mas não sentida por ele, em outros membros da sociedade, este, outros, não entendem a simplicidade de Meursault. Pequenos detalhes da vida quando retratados por outros, quando retalhados em pequenos fragmentos ficam desconexos da realidade mas nem mesmo assim tem o condão de fazer explodir Meursault.
Uma linguagem desprovida de floreados, fria e muito seca onde se percebe que a personagem principal parece ver a sua vida como de uma outra personagem, a ausência de emoções é latente e pode até incomodar quem esperava outra coisa deste livrinho.
Finalizando é um livro que recomendo vivamente a lerem mas sempre com um espírito muito aberto e sem preconceções de "clássico" literário
Comentário de Paula T
Meursault, o nosso personagem principal é sobretudo um espectador da vida e de todas as situações pelas quais passa. Age como se fosse ele próprio um estranho, um estrangeiro que tudo observa fria e distantemente. Acontece com a morte da mãe, com a sua relação com Maria, com a amizade de Raimundo e quando comete um crime.
Esta é uma obra pequena, mas fortíssima a nível de conteúdo, em todas as palavras e frases há significados implícitos.
Desde o início da narrativa Meursault sente-se julgado, acontece com os amigos da mãe que assistem ao enterro, no qual ele é incapaz de chorar, de sentir tristeza, porém quando abandona o cemitério olha a paisagem com o intuito de compreender a sua mãe. (sinal que a amava) Assim também acontece no fim, depois de julgado e condenado olha as estrelas e sente-se capaz de reviver.
É um personagem que se estranha ao longo da história, principalmente na primeira parte, questionamos inúmeras vezes as suas atitudes e decisões, no entanto também se ganha alguma afeição e apego (nomeadamente na segunda parte).
Na primeira parte, há o demonstrar de comportamentos punidos pela sociedade e na segunda, o nosso personagem é julgado não pelo seu crime, mas por ter ido contra as regras da sociedade (não ter chorado no enterro da mãe e de se ter divertido no dia seguinte). Assim, “O Estrangeiro” de Albert Camus é uma crítica mordaz aos julgamentos da sociedade, julgamentos estes que persistem ao longo dos tempos até aos dias de hoje.
 

6 comentários:

Ângelo Marques disse...

Manuel, Luís e Paula,
"A vida de Meursault é um espelho do que todos nós somos" "Complexa ou realista diriam uns, fútil ou insensível diriam outros" "Assim, “O Estrangeiro” de Albert Camus é uma crítica mordaz aos julgamentos da sociedade"
...os três deram mais uma crítica, e mais um livro sem história todos têm uma opinião similar... um grande livro.

Mas, e se ele fosse escrito nos dias de hoje por um qualquer escritor, o que seria?

Cristina Torrão disse...

Nunca li este livro e fiquei muito curiosa. Parece-me ser um grande livro. E grandes comentários, parabéns!

Paula disse...

Ângelo Marques,
Seria um grande livro na mesma daqui a uns anos (penso eu). Se caísse nas editoras novas (em que os autores pagam as edições) certamente estaria à venda durante uns meses/semanas e cairia no esquecimento... enfim...

Camus conseguiu tocar na "ferida" da sociedade com aquele julgamento do seu personagem, pois ele acaba por não ser julgado pelo seu crime, mas pelo crime de não ter chorado pela morte de sua mãe. E segundo a sociedade: Que tipo de homem é esse que não chora no enterro da mãe?? Merece a prisão certamente! :D
As sociedades são terríveis quando querem ;) e quase sempre querem!

Paula disse...

Cristina Torrão,
Ia gostar de certeza desta leitura :)

Luís Miguel disse...

Boa tarde a todos,
Grande Clássico sem dúvida.
É engraçado que o autor se tenha recusado classificá-lo como obra existencialista, antes o define como fazendo parte da sua teoria do absurdo.
Desde que o homem exista sempre existirão ideias pré-concebidas, preconceitos melhor dizendo, pelo que este será sempre um Clássico Universal.

NLivros disse...

Boas,
nunca li este livro, mas fiquei encantado com a opinião do Manuel.
Mais um a procurar.