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08/02/2014

"A OBRA" de EMILE ZOLA





Não foi fácil ler este livro pois vem a seguir a “Germinal”, precisamente considerada a obra-prima de Émile Zola, mas como o livro contém estes dois capítulos, não podia deixar de o ler.

A ação passa-se nos finais do século XIX, em Paris, onde um grupo de amigos ligados às artes, desde a pintura, a escultura, a literatura, a arquitetura, decidem que uma nova corrente deve nascer pois acham eles que deve haver uma regeneração nas artes e que se deve romper com o passado. São jovens, idealistas e sonhadores mas todos imbuídos desse espírito de mudança, de rutura, o que, naturalmente, representa o motor da evolução, transformação e renovação nas artes. Este grupo fraternal de amigos reúne-se bastas vezes nos locais habituais de Paris onde discutem até altas horas sobre a Escola presente e decadente que é preciso transformar de imediato. Assim, criticam muitos dos seus conhecidos que seguem os “standards” da época e consideram-nos indignos de fazer parte das artes.
Pegando na personagem principal, o Cláudio, pintor, o autor consegue descrever-nos, quanto a mim, de maneira primorosa, o sofrimento por que passa o artista, o criador de novas peças de arte. O Cláudio é capaz de deambular o dia inteiro, em pleno inverno, por Paris, à procura da paisagem perfeita, em busca de um quadro que poderá ser a sua obra prima. Quando se encontra a pintar, no seu estúdio de parcas condições, fá-lo horas a fio, sem comer nem beber, tão concentrado que qualquer interrupção o irrita terrivelmente. Só se vai deitar, exausto, quando já não tem a luz natural pois pintar com a ajuda da luz de velas torna-se impraticável. A exigência que põe no seu trabalho pode levá-lo da alegria ao desespero num ápice, a pintura pode estar a correr bem e chegar ao fim do dia e raspar a tela inteira por considerar não ter atingido um nível de qualidade minimamente aceitável. Cláudio representa o artista eternamente insatisfeito, sempre em busca da perfeição. A sua idade permite-lhe aguentar essa vida dura pois, sem grandes posses, para além de pagar a renda do seu estúdio, ainda tem que pagar pelas modelos que vai precisando. Assim, para sobreviver, vai pintando pequenos quadros que se vão acumulando no seu estúdio, em total desordem, com quadros por acabar, outros acabados, esboços por todo o lado. A venda dessas pequenas obras, que o vão mantendo, são feitas a um negociante que, dando-se conta da sua perícia e qualidade, se aproveita dele, pagando-lhe muito abaixo do valor que as obras mereciam.
O esforço incessante de Cláudio tem um objetivo comum a todos os pintores: ter um quadro aceite na exposição anual de Paris. É aqui que o autor nos descreve o status quo da época no que concerne às artes, as mudanças nunca são fáceis, além da resistência existem grandes interesses instalados. Assim, todos os anos, a grande exposição atrai todos os jovens (e não só) e onde cada artista tenta que uma obra sua seja aceite. O número elevadíssimo de obras apresentadas obriga o júri a fazer uma seleção em que as obras mais votadas vão para o salão principal (o objetivo máximo) e as outras vão para o salão dos “rejeitados”, numa posição secundária. Mas as escolhas do júri nem sempre são rigorosas, muitas vezes escolhiam obras sem qualquer valor, somente para pagar certos favores a amigos ou amigos de amigos. É neste cenário que Cláudio vê, ano após ano, as suas obras serem sistematicamente recusadas. Numa dessas ocasiões, um grupo do júri estava a analisar uma obra do Cláudio e a maioria rejeitou-a liminarmente, sem grande perca de tempo mas, um dos presentes, um pintor conceituado diz: …”mas nenhum dos que aqui estão presentes é capaz de fazer algo parecido com esta obra”…
Ironia das ironias, um dos colegas de Cláudio, com os anos, vai obtendo conhecimentos importantes e com isso vai conseguir uma certa notoriedade na pintura. São jogos de interesses onde não existem escrúpulos (muito atual aliás). Os seus quadros vendem-se bem, o seu futuro é risonho mas, cúmulo dos cúmulos, os seus quadros baseiam-se, ainda que disfarçadamente, no estilo de Cláudio. Este logo se apercebe disso mas não fica zangado nem inveja o amigo pois Cláudio está agora de volta de um quadro de grandes dimensões, aquele que será a sua obra-prima, aquele com o qual almeja o sucesso e reconhecimento. Esta paisagem de Paris passa a ser o seu trabalho diário, a sua obsessão, a mesma exigência, a mesma insatisfação, esta obra pode tornar-se na sua perdição.
É com pena que vemos o grupo dispersar-se, a maior parte engolido pela velha Escola, sem conseguir atingir o sucesso, aqueles que o conseguem é graças a conhecimentos e casamentos de interesse. Mas há um que não se desvia do seu trilho: esse é Cláudio.
Este livro é uma excelente descrição do “inquietante” processo criativo, de tudo o que envolve. Essa descrição exaustiva torna por vezes a leitura um pouco difícil, tive por vezes uma certa dificuldade em avançar apesar de querer saber o final. Eu, com dificuldade em avançar na leitura e o pintor lutando com todas as forças para avançar na sua obra, nesse fim inalcançável.

13/02/2013

“D’ Artagnan e os Três Mosqueteiros”, de Alexandre Dumas





Apesar de conhecer a sua obra quase exclusivamente através do cinema, foi sem dúvida uma boa experiência ler uma das suas obras mais afamadas. Os seus romances históricos bem se podem denominar também de aventuras e de ação pois, todos juntos, estes ingredientes, na pena de Dumas, trazem-nos momentos inesquecíveis. Com “D’ Artagnan e os Três Mosqueteiros”, mal começa a narrativa, começa a ação e a aventura. O romance inicia desde logo com a partida de D’Artagnan para Paris, numa viagem atribulada, nesse destino onde ele sonha poder vir a tornar-se mosqueteiro ao serviço do rei. O início é deveras empolgante e, mal chegado a Paris, já D’Artagnan se vê envolvido numa série de quezílias e com três duelos marcados separados apenas por horas. Isto revela-nos os traços de personalidade de D’Artagnan, como sejam a sua força de carácter, o espírito voluntarioso, e, porque não, a imaturidade fruto da sua juventude. Um das características que tornam esta aventura interessante é que Dumas envolve as suas tramas, os seus enredos, as aventuras das suas personagens com acontecimentos verídicos, que realmente aconteceram. A utilização quer de personagens verídicas, quer de personagens fictícias torna o livro mais interessante. Podemos procurar saber mais sobre determinado acontecimento ou personagem e compararmos com a visão do autor. Ele não descura as suas personagens e nada o impede de escrever parágrafos inteiros para no-las dar a conhecer melhor. Ao longo da narrativa continua a traçar o perfil psicológico das suas personagens o que vai tornando-nos cada vez mais próximos delas. Não deixa de ser engraçado o facto de nos descrever as casas de D’ Artagnan e de cada um dos seus três amigos: Athos, Portos e Aramis, bem como de cada um dos seus criados. Aquela que sentimos mais intensamente caracterizada ao longo do romance é Milady, a personificação do mal em pessoa, sendo que o autor consegue chegar ao âmago da sua personalidade. O cardial Richelieu pareceu-me uma personagem mais refinada, não tão intensamente abordada mas que, através de algumas “pinceladas” e referências ao longo do romance, não podemos deixar de verificar tratar-se de uma personagem complexa, de uma inteligência superior, um estratega nato de um poder imenso, maior até do que o do próprio monarca francês. Os pormenores deixados aqui e ali vão-nos mantendo interessados ao longo da aventura. Outro aspeto da sua escrita é a interação que mantem com o leitor, orientando-nos para o mais importante naquele momento e informando-nos sobre algo de que falará mais à frente. Como podem verificar, não me detenho muito na história em si, sobejamente conhecida por todos mas com bastantes mais pormenores no livro, como é natural.

Na sua narrativa empolgante facilmente verificamos que a mensagem que o autor quer deixar passar ao longo desta aventura é a importância da amizade, da vitória do bem sobre o mal. A amizade, essa relação fraterna e altruísta entre os homens, que, quando elevada ao seu mais alto patamar significa que um ser humano está disposto a dar a sua própria vida para salvar a do seu amigo.
(Sugestão: coloquem a palavra amizade na wikipédia e vejam a imagem que aparece logo no início).


09/02/2013

A SUL. O SOMBREIRO, de PEPETELA




É o primeiro livro que leio de Pepetela e agradou-me bastante pois o autor transporta-nos para uma época distante em que algumas potências colonizadoras europeias tentam expandir ao máximo os seus impérios e obter cada vez mais recursos das suas colónias. Portugal faz parte desse grupo de países embora a chamada “época gloriosa” da nossa história esteja à beira do declínio que tem início, como alguns historiadores defendem, com o domínio filipino. É precisamente nesse período que se desenrola a narrativa.   

O autor leva-nos aos primórdios da colonização de Angola que, na altura, era um mero povoado. A cidade de Luanda vai crescendo graças ao tráfico de escravos e exploração dos seus recursos naturais. A expansão do território não se afigura fácil e depende muito de alianças, quer com a metrópole que hesita em enviar mais recursos, quer com as tribos guerreiras locais. São tempos em que imperam a cobiça, a ambição desmedida, a traição, falta de escrúpulos, ninguém olha a meios para enriquecer nesta terra de imensos recursos e oportunidades. De entre os mais interessados nestes recursos estão os governadores nomeados que têm as suas ambições pessoais e o enriquecimento fácil sempre em mente. Não devemos esquecer que as pessoas que iam para as colónias naquela altura eram muitas vezes condenados, pessoas que tinham cometido crimes violentos, enfim, na sua maioria, eram indivíduos que já não tinham nada a perder e eram como que desterrados para este “fim de mundo”. O autor não deixa de referir que, indivíduos de origem duvidosa provenientes de Portugal, se tornavam figuras de relevo em Angola.

Personagem central deste romance e nomeado governador de Angola mais do que uma vez está o governador Manuel Cerveira Pereira. Com uma ambição desmedida e não olhando a meios para atingir os seus objetivos, o governador estará ligado à gênese do desenvolvimento de Angola. Através de uma política de alianças com as mais importantes tribos guerreiras por um lado, e com a ordem dos jesuítas, por outro, o governador procura consolidar o seu poder. Apesar de todos os seus defeitos não deixamos de ficar na dúvida se outro tipo de pessoa, naquela época, naquelas condições, teria feito mais e melhor. Muitos dos que lá chegavam morriam pouco tempo depois com as febres e outras doenças cuja cura era desconhecida. O clima, totalmente diferente, era outro fator desencorajante para quem queria vencer em Angola. Não deixa de ser interessante acompanharmos paralelamente, ao longo dos capítulos, a senda do governador à procura de mais riquezas e a emancipação de Carlos Rocha, um negro livre que tinha um escravo e que procura somente ser feliz, constituir uma família e viver naquela terra ainda selvagem e por explorar, num cantinho só seu, longe daquelas guerras egoístas. Carlos Rocha foge das tribos guerreiras, por um lado, e dos brancos que podem torna-lo escravo novamente, por outro. A sua astúcia e presença de espírito irão ser-lhe fundamentais para que ele se consiga mover entre estas duas ameaças.
É uma escrita mordaz onde não falta a ironia e o autor não deixa dar umas “bicadas” a certas instituições como por exemplo a Igreja representada pelos jesuítas que, não deixando de ter um papel importante no desenvolvimento e crescimento de Angola, não pode deixar de ser olhada de lado pela acumulação progressiva de património. Não podemos também ficar indiferentes ao chamado tráfico de peças (escravos) e a todo o sofrimento que causou. As famílias eram destruídas, as mães separadas dos filhos, as condições em que eram transportados eram deploráveis e Portugal lucrou imenso com este comércio triangular. Ainda hoje me custa ouvir certas pessoas dizerem “quando Angola era nossa”, como se quando nós lá chegamos não existissem já lá pessoas que, embora com costumes diferentes dos nossos, não deixavam de ser seres humanos.
 
A procura de um refúgio e de um futuro por parte de Carlos Rocha para si e para a sua família, dentro da sua própria terra, personifica, para mim, o início da procura pela liberdade das gentes de Angola que, pese embora numa fase embrionária, quererão saír debaixo do jugo da exploração.
 
P.S.: Obrigado ao Manuel pela sugestão.



  



22/09/2012

A Coroa, de Nancy Bilyeau


Opinião:
"A Coroa" é um romance histórico cuja ação se desenrola em Inglaterra, no período dos Tudor, mais precisamente nos primeiros anos do reinado de Henrique VIII. É um período da História que podemos considerar marcante, pois, a ambição e o egocentrismo de um monarca vai levar a uma cisão entre o reino de Inglaterra e a poderosa Igreja Católica, o que por seu turno levará ao surgimento de uma nova religião. Esta "separação" será o motivo de inúmeras guerras envolvendo a Inglaterra, por um lado, e a França e Castela, por outro. Esta tomada de posição por parte de Henrique VIII tem como principal justificação a recusa do Papa em conceder-lhe o divórcio da sua primeira mulher - Catarina de Aragão, uma rainha muito devota e muito querida pelo povo. O rei vivia obcecado em conseguir um filho varão que lhe suceda no trono. Henrique VIII reclama para si o governo da Igreja de Inglaterra que antes pertencia à esfera do Papa e precisa de cimentar a sua posição, resistir às pressões externas e aniquilar a oposição interna. Para isso precisa de fundos. Uma das primeiras medidas tomadas para conseguir esses fundos é a dissolução dos mosteiros do reino e a consequente apreensão de todas as suas riquezas. Muitos mosteiros são governados há centenas de anos por ordens religiosas apoiadas pela Igreja e são possuidores de inúmeros bens e propriedades.
É neste contexto que este romance se enquadra e a autora consegue fazer chegar até nós uma descrição bem conseguida do ambiente que se vivia naquela época de mudanças, de incertezas, num mosteiro onde a ordem religiosa feminina sabia que o fim se aproximava brevemente. Temos como personagem principal Joanna Stafford, noviça no priorado de Dartford, uma pessoa forte, determinada, de convicções e devota dos costumes antigos. Joanna tem como objetivo levar até ao fim o seu noviciado no priorado de Dartford. No entanto, a condenação à fogueira da sua prima vai mudar para sempre a sua vida. Toma a decisão de assistir à sua condenação para se despedir dela e temendo que ninguém próximo esteja com ela no fim da sua vida. A partir desse momento os acontecimentos sucedem-se a um ritmo frenético. Joanna vê-se presa na Torre de Londres e depressa se convence que o seu fim será como o da prima pois, em boa verdade, poucos são os prisioneiros da Torre que de lá saem com vida. Mas Joanna consegue, mas tudo tem um preço. A pessoa que lhe concede a liberdade incumbe-lhe uma missão de cujo cumprimento depende a vida do pai. Autorizada a regressar ao priorado, lança-se na busca de uma coroa que outrora pertencera a um rei de Inglaterra e que se julga ter poderes sobrenaturais. Poderá mudar o rumo dos acontecimentos a pessoa que se apoderar dela? Será a dissolução um acontecimento irrevogável? O certo é que a essa busca será um longo caminho, cheio de mistérios, espionagem, traições e mortes. Obrigados a estudarem a sua própria história, os personagens vão-nos desvendando acontecimentos passados, desde logo um sonho antigo de vários monarcas: a unificação da Grã-Bretanha sob um só rei.
O que posso dizer é que este romance tem por trás uma pesquisa histórica irrepreensível. A autora consegue captar o ambiente particular e um pouco misterioso que se vivia nos mosteiros onde os costumes antigos são seguidos desde há centenas de anos. Cheio de ação e reviravoltas, o leitor fica preso não só ao enredo mas também tem o ensejo de querer saber mais sobre esta época que mexe com o imaginário tanto de autores como dos seus leitores.

26/08/2012

A Coroa – No conturbado reinado de Henrique VIII a justiça pode ser implacável




Nancy Bilyeau
Título Original: The Crown
Tradução: Fátima Andrade
Páginas: 480
Coleção: Grandes Narrativas Nº 531
PREÇO SEM IVA: 17,83€ / PREÇO COM IVA: 18,90€
ISBN: 978-972-23-4862-1
Código de Barras: 9789722348621
 


ROMANCE HISTÓRICO

NA ÉPOCA DE HENRIQUE VIII

Segredos letais farão sangrar o trono da nação

ñ  Direitos vendidos para Reino Unido, Brasil, Alemanha, Itália, Holanda e Polónia

ñ  11 000 exemplares vendidos até ao momento nos Estados Unidos

ñ  4,5 estrelas Amazon

 

Londres, 1537. Henrique VIII entrou em rotura com a Igreja de Roma e ordenou a dissolução dos mosteiros do reino. Joanna Stafford é noviça no priorado de Dartford quando descobre que a sua prima e melhor amiga foi condenada à fogueira por crime de alta traição. Incapaz de a deixar sozinha no momento da execução, Joanna decide quebrar o voto de clausura para ir despedir-se da prima. Mas a sua decisão terá consequências desastrosas. Espionagem, traição e uma lenda que poderá mudar o curso da História são os ingredientes que tornam este romance de estreia numa leitura revigorante e imperdível.

 
Nancy Bilyeau é escritora e jornalista e já trabalhou para as revistas Rolling Stone, Entertainment Weekly, Good Housekeeping, InStyle e Parade. Este é o seu primeiro romance. A autora vive em Nova Iorque com a família.

 
 

GÉNERO: Romance Histórico/Thriller
 

PÚBLICO-ALVO: leitores de ambos os sexos, a partir dos 18 anos.

 

CITAÇÕES IMPRENSA ESTRANGEIRA:

 
«Uma obra que irá agradar aos fãs de Dan Brown e de Philippa Gregory.»

Library Journal

 
 
«Uma rigorosa pesquisa histórica está subjacente a este romance cheio de suspense, mas o que mais nos atrai nele é a suculenta mistura de conspiração, luxúria, assassínio e traição.»

O, The Oprah Magazine

 

«Quando a sua prima é condenada à morte pelo Rei Henrique VIII, a corajosa jovem freira Joanna arrisca tudo para estar ao seu lado.»

People Magazine

 

«A excelente caracterização das personagens, a minuciosa reconstituição histórica, a atmosfera impregnada de tensão e o enredo marcado por um ritmo acelerado tornam esta leitura absolutamente viciante.»

Booklist

22/07/2012

POR FAVOR NÃO MATEM A COTOVIA, de Harper Lee









Esta história desenrola-se num estado sulista, na América dos anos 30-40, onde a segregação era uma realidade natural. Embora tendo lido primeiro “As serviçais”, cujo tema é o mesmo mas cuja ação se passa nos anos 60, podemos verificar que nada mudou neste hiato temporal. A narradora é Scout, uma das personagens deste livro que nos descreve a sua infância, o seu dia-a-dia com o seu irmão mais velho, Jem, numa cidade Maycomb onde o calor sufocante grassava praticamente o ano inteiro. Pela voz de Scout depressa chegamos à conclusão que este livro tem o seu “centro” em Atticus, o pai de ambos. Atticus é viúvo, advogado, um homem íntegro, com um caráter a toda a prova, uma pessoa calma e serena. É um homem que luta pelas suas convicções, naquilo em que acredita serem causas justas embora tenha a consciência que a justiça do seu tempo ainda tem muito que evoluir. Atticus, sendo viúvo, luta por ser um bom pai, tem consciência das suas limitações nesse campo pois não é fácil conciliar a profissão com a educação dos filhos. Para isso tem a ajuda de Calpurnia, a sua empregada de cor, em quem deposita total confiança, tanto na lida da casa como na educação dos filhos. Scout e Jem obedecem a Calpurnia mas, acima de tudo, respeitam-na. Mais tarde chama a sua irmã para ajudar na educação dos filhos mas dispensar Calpurnia está absolutamente fora de causa. A família de Atticus é das poucas que não vê qualquer diferença entre brancos e negros e Atticus chega a dizer: “… qualquer pessoa que se aproveite da ignorância desta gente (negros), não passa de um miserável…”. Scout e Jem vão-se apercebendo da realidade que os rodeia e o pai tenta elucida-los, na medida do possível. Um acontecimento irá abalar a rotina da família assim como o “status quo” reinante na cidade. Atticus é nomeado para defender um negro acusado de estupro. A partir daí, Atticus será chamado de “defensor de negros” pelos habitantes da cidade, os filhos farão das tripas coração para evitar entrar em lutas para defender o pai, Scout nem sempre o consegue. Aqui é de realçar o carácter de Atticus que, não guardando qualquer rancor àqueles que o acusam, tenta mesmo justificar perante os filhos os preconceitos daquela gente que nunca soube viver de outra maneira. A realidade é que não é fácil viver daquela maneira, serem alvos de reparos e mesmo de ameaças. O simples facto de Atticus ter sido nomeado para aquele caso pelo juiz da cidade parece não ter sido decisão inocente, ele que é considerado o melhor advogado da cidade. Assim chegamos ao ponto alto do livro, o julgamento, a que os filhos de Atticus assistem (embora proibidos!) na tribuna dos negros, ao lado do reverendo que eles já conheciam. Atticus consegue desmontar toda a acusação e demonstrar que os factos trazidos a julgamento não passam de armadilhas e artimanhas sem quaisquer fundamentos que se destinam tão só a condenar uma pessoa inocente para salvaguardar a reputação de uma família branca. O facto de o júri ter deliberado durante horas só por si parece uma vitória. Será que a mentalidade reinante está a mudar? 

Matar uma cotovia tem a ver com uma injustiça pois a cotovia é um pássaro pacífico que passa a vida a cantar, não prejudica ninguém, é uma dádiva da natureza. Matá-la seria uma injustiça. Condenar um inocente seria uma injustiça ainda maior.

Neste livro vemos como a autora nos descreve com mestria, o dia-a-dia daquela cidade que representa fielmente todos os estados sulistas assim como a mentalidade preconceituosa das suas gentes. Mas nem todos são assim e isso pode ter consequências. Assim, vemos que certos acontecimentos podem mudar dramaticamente a vida das pessoas e, neste caso, assistimos ao amadurecimento precoce de duas crianças cujas únicas preocupações deveriam ser brincar, ir à escola, crescer.  
Para concluir não posso deixar de mencionar o surpreendente final (que não estamos à espera) em que o círculo se completa ao chegar ao seu 360º grau.

05/07/2012

Comentários leitura conjunta "Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos" de Alves Redol




Rita
Constantino Cara-linda ou Cuco, é um rapaz de doze anos que vive em Freixial. Constantino que guarda vacas como todos os outros rapazes de Freixial, sonha. Sonha como todos os outros, mas o seu sonho não é nada de extravagante. Ele sonha em ser serralheiro de barcos e um dia, poder construir o seu próprio barco e ir rumo a Lisboa com ele. Constantino junta o real ao desejo sem abdicar de nenhum deles e guarda-os sempre consigo.
Esta história faz-nos perceber como os sonhos são muito importantes, podem até tornar-se reais com o poder da imaginação. Muitas pessoas diriam: “No meu tempo era assim…”. É verdade, mas no meu tempo, o de hoje, mesmo que não guarde vacas nem seja do campo ou tenha crescido num, tenho sonhos, todos temos. Sonhar é intemporal. Todos guardamos sonhos e poder viver uma vida no “mundo real” e outra nos nossos sonhos, num mundo que é só nosso, é um privilégio. Privilégio esse que temos conservado por milénios e que iremos conservar por muitos mais ainda.

Boas leituras! J

Paula T.
Constantino, uma criança de doze anos, vive numa terra pequena e humilde, onde todos se conhecem e inevitavelmente opinam mesmo quando não lhes é solicitado.
O seu nome é único na aldeia para orgulho dos pais e desgosto da Tia-Elvira que sonhava dar ao seu primeiro neto o nome do pai dela. Desejo este que a nora não lhe concedeu. O choque entre gerações havia sempre de se afirmar. Até as vindimas já eram escassas, pois os terrenos haviam sido comprados por gente rica com o objectivo de mostrar ostentosas casas (o mundo, sem dúvida, estava perdido, na opinião da Tia-Elvira).
Constantino, uma criança como tantas outras preferia brincar a ir à escola ou mesmo ajudar a guardar o rebanho. Os pássaros eram a sua distracção e alegria, porque também ele sonhava em voar e viajar até outras paragens, quem sabe até Lisboa.
E como o sonho comanda a vida e com Constantino, não havia de ser diferente, este constrói um bote feito de canas que o levará rumo aos seus sonhos, ou melhor, a Lisboa. Enquanto lá não chega, guarda o seu barco no estaleiro do seu coração.

Alves Redol mostra-nos uma aldeia pobre, onde as gentes são simpáticas e humildes, mas iguais a tantas outras nos seus usos e costumes. Usos e costumes que ainda permanecem por estas aldeias e cidades nos dias de hoje.
O sonho é uma constante ao longo de toda a narrativa. O sonho de uma criança, o sonho de tantos homens que outrora foram crianças e que também sonharam e conquistaram, mais não fosse nas noites de luar. Afinal a vida não vale de muito sem os nossos sonhos!
Gostei!

Luís Miguel Rodrigues
Este livro de Alves Redol parece reunir uma série de contos, sendo as personagens as mesmas em todos eles e em que o autor nos apresenta um retrato de uma pequena aldeia rural, do seu dia-a-dia, dos seus momentos mais importantes ao longo das estações do ano, tudo isto centrado num pequeno, o Constantino, o guardador de sonhos e de vacas. Esse retrato, nos olhos de uma criança assume outra dimensão pois a infância é muitas vezes sinónimo de pureza, verdade e simplicidade. Constantino é um menino pequeno, com pouco corpo para a idade mas comparado a um homem dada a sua maturidade precoce, querido por todos na aldeia. Como é natural nestas aldeias rurais, as crianças começam logo de tenra idade a ajudar a família nas tarefas domésticas. A vida agrícola não é fácil, o trabalho árduo nos campos e a criação de gado pouco mais dá do que para sustentar parcamente uma família. Constantino consegue, porém, conciliar as suas tarefas com as brincadeiras típicas das crianças da sua idade. Tem uma série de ninhos para cuidar, ele que se gaba de ter perto de cinquenta só dele. Também joga ao pião, fazendo torneios com os amigos, vai pescar ou tomar banho em pelota no rio, o Trancão, tão importante para a aldeia. No que diz respeito à escola, Constantino não gosta muito, considera um desperdício ter de decorar tanta ladainha, já para não falar nas reguadas da professora, com quem mantém uma relação tensa.

Embora vivendo com dificuldades, o Constantino não deixa de ser feliz, não deixa de sonhar. Vive em contacto com a natureza, com a sua família, com os seus amigos. O tempo que passa com o gado faz com que possa pensar em novos projetos, novas aventuras, os seus sonhos vão tomando forma. O Constantino gostava de ser serralheiro, não um serralheiro qualquer, um serralheiro de barcos. Um dia decide construir um barco com canas, um barco que lhe permita chegar a Lisboa. Constantino tem tudo programado, ele e o seu amigo Manel decidem que precisam de mais um braçado de canas para tornar o barco mais seguro. Na noite que precede a partida, Constantino tem um sonho fantástico, ele e o amigo já estão de viagem num barco mágico, a grande velocidade, o barco torna-se cada vez maior, a vela também cresce e esconde-os um do outro. Mal conseguem descortinar por onde passam ou onde estão, devem ter passado Lisboa há muito, ”eles devem estar, mais ou menos, ao pé do fim do mundo”.

O sonho derradeiro de Constantino personifica, quanto a mim, a luta inglória das gentes da terra em conseguir melhores condições de vida e que se vêm obrigadas a partir, a deixar tudo para trás pois é nas cidades que se consegue viver melhor. Os pobres e as pessoas que vivem com mais dificuldades não deixam de ser felizes, isso o autor deixa bem claro, porém, a realidade é dura e a fuga para as cidades é o único caminho para quem quer melhorar a sua vida. Este livro, cuja ação se passa nos anos setenta, não deixa de ser atual e as diferenças entre o litoral e o interior, o campo e a cidade são cada vez maiores.

Odete
Já li este livro há mais de 30 anos, pois onde morava na altura existia uma biblioteca ambulante que passava todas as semanas na aldeia, e que eu tanto ansiava o dia da sua chegada para entregar e levantar mais livros.Mas vejo agora que não soube apreciar a sua leitura como o fiz presentemente, teve outro impacto em mim sem dúvida alguma, o personagem principal fez-me recordar histórias que o meu próprio pai contava que tinha vivido em criança, as sua aventuras e peripécias de andar aos ninhos. Mas também trás-me recordações das minhas próprias brincadeiras.
O menino ingénuo, puro, sonhador que Constantino tão bem transparece cativou-me, sendo uma criança como as outras, na escola tem as suas dificuldades na aprendizagem, porque gostava mais de brincar a contar ninhos do que aprender o nome dos rios e dos reis. É num único rio que ele manifesta o seu interesse, pois sabe que o poderá levar ao "mar" em Lisboa.

Vamos acompanhando as suas aventuras, além de brincar ele tem responsabilidades é guardador de vacas, mas também vive com o sonho de ver o mar que gostaria de realizar, e é esse sonho que lhe transmite a sua vivacidade e o interesse pelas coisas e quem sabe um dia o consiga concretizar.

Recorda-nos também tempos de pobreza, gente simples, que pouco tinham no dia a dia para viver,  os "ditos" dos mais antigos que cheguei a ouvir da boca da minha avó tantas vezes como por exemplo: "Esta a chover e a fazer sol: Estão as bruxas a fazer pão mole" e tantos outros que ouvia, também as vizinhas "cuscas" que ralhavam por tudo e por nada e contavam logo às mães quando se portavam mal.
Mas mesmo neste meio de miséria a lição que tiro daqui é que no fundo eram crianças felizes.
Em suma um livrinho que todos devíamos ler, gostei sem dúvida de recordar esta leitura.

Ângelo
Constantino um rapaz do campo tem um sonho mas por enquanto não deixa de ser um guardador de vacas que sonha em concretizar esse sonho, sonho que lhe comanda a vida.
Um livrinho muito simples que nos coloca numa infância perdida nestes tempo de modernidade, numa infância de "liberdade", embora pense que hoje em dia os nossos jovens tenham mais liberdade (para isso hão lutado os nossos ascendentes) "física" também é verdade que conseguimos encurrala-los nos nossos medos "psíquicos" (alguns com razão), já Constantino o nosso guardador de vacas tal como alguns de nós, tinham uma enorme pressão sobre si, recaia em si uma responsabilidade que hoje é amputada aos jovens, mas aqueles momentos de liberdade, de despreocupação, longe de tudo sozinho com o mundo, esses momentos valem ouro nos dias de hoje.
É este fascínio pela liberdade, pela amizade, pela fantasia que torna este livrinho num marco de referência nacional, está aqui a vivência da puberdade dos nossos ascendentes a vida como ela era, na sua forma mais bonita, mais prazenteira, mas ninguém pense que era este constante mar de rosas que se vivia pela altura, falta neste conto o lado negro desses tempos para tornar este livro num grande romance.

Com uma linguagem simples, bela, erudita, Alves Redol cativa-nos num conto roubado às nossas memórias.

Manuel
Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos é um livrinho ingénuo, puro, transparente, apaixonado. Alves Redol, um dos maiores vultos da literatura portuguesa do século XX apresenta-nos aqui um dos exemplares mais puros do neo-realismo português, no seu estado mais puro e naif.
Constantino é um menino como qualquer outro. Frequenta a escola primária, é inteligente mas prefere contar ninhos em vez de saber de cor os afluentes do Mondego ou do Guadiana. O único afluente que lhe interessa é o Trancão, que no seu sonho o levará ao Tejo e ao grande Mar. Constantino guarda vacas como quem guarda sonhos, transportando-os numa alma risonha que encara o futuro com aquela nuvem de sonhos que só a infância nos pode oferecer.
Para quem, como eu, cresceu no campo, ler este livrinho é uma bela viagem à infância; ou melhor, ao que de mais belo tem a infância no campo: os ninhos que se contam e cujo segredo se guarda como tesouro, o trepar às árvores como quem do alto vê o futuro, as aventuras no rio onde se aprende a nadar à custa de sustos e goladas de água, as travessuras nos quintais e, acima de tudo, aquele viver irmanado com a natureza, com os pássaros, as plantas, os animais domésticos, etc.
Nem a impiedosa palmatória, nem as más condições da vida no campo, impediam Constantino de ser feliz. Porquê? Porque ele tinha um sonho. Não interessa se o realizou; não interessa sequer se era realizável; o importante é que o guardou. Assim, por detrás de uma narrativa aparentemente ingénua, Alves Redol transmite-nos uma mensagem que devemos reter e recordar sempre: o sonho é que nos guia; o sonho é que nos faz viver.
Em resumo, um livrinho imperdível, de leitura muito agradável, numa linguagem simples do povo que somos nós; um testemunho cristalino das raízes mais profundas de onde todos nascemos: da terra-mãe.

25/05/2012

O último dia de um condenado

Opinião:

Em “O último dia de um condenado”, Victor Hugo revela-nos todo o seu humanismo, defensor de causas, dos mais fracos e dos oprimidos, através da sua escrita pungente, neste autêntico manifesto contra a pena de morte.

Podemos dizer que o título desta obra é cru e objetivo, realmente não há aqui margem para qualquer simbolismo e o autor descreve-nos o martírio que são os últimos momentos de um condenado à morte numa prisão de Paris no princípio do século XIX. São momentos de grande sofrimento, principalmente ao nível psicológico, em que a espera pela execução da pena se torna um processo inimaginável, algo difícil de descrever. Vendo que o seu fim está próximo, o condenado decide escrever um diário do seu dia-a-dia a partir do momento em que foi condenado e com o objetivo (utópico) de fazer com os juízes não condenem outros homens desta forma. Nesta época, a condenação à morte significa uma palavra: guilhotina. Victor Hugo faz uma crítica ao sistema judicial vigente, os diversos agentes da justiça passam estes processos de uns para os outros tornando-os morosos o que aumentava o sofrimento para quem está a ser julgado. Podemos dizer que existe aqui um paradoxo: por um lado, a criação da guilhotina parece ter como objetivo a eliminação de qualquer dor física na hora da execução. Mas, e até lá? Quem consegue aguentar tal martírio? Em que pensa o condenado? O que vai ser da família da qual se vai separar para sempre? Será que um recurso poderá ter sucesso? Poderá ser abençoado com um perdão por parte do rei? E que suores são estes? E estas tonturas e dores de cabeça? Que sonhos estranhos são estes que impedem o descanso…

Não nos é dado a conhecer o crime que este condenado cometeu mas o autor dá-nos a entender que talvez tenha sido homicídio. Mesmo nestes casos, qualquer que seja o crime, a pena de morte não deveria existir. 

Daquilo que o condenado observa no seu dia-a-dia não podia deixar de mencionar um conjunto de homens com um triste futuro à sua frente: os chamados forçados. É-lhe permitido ver o “espetáculo”, o ritual em que estes são acorrentados e preparados para partirem para o desterro. Estes homens foram condenados às galés, alguns deles para toda a vida. Para os que regressam com a pena cumprida, o futuro não é brilhante e são ostracizados pela sociedade. Por um lado, ninguém lhes dá trabalho, por outro, são obrigados a andar com um passaporte onde têm um registo como forçados e devem-se apresentar periodicamente perante as autoridades. Assim, incapazes de conseguir um meio de subsistência, o único remédio é virarem-se de novo para aquilo que melhor sabem fazer: o crime.
A poucos dias da execução da pena do nosso condenado, é-lhe trazida a sua filha de três anos. Uma alegria imensa apodera-se dele, há dezoito meses que não vê a filha. …”-Sabes quem sou?” …”-Não, senhor”… Que dura realidade, a própria filha já não o conhece e trata-o por senhor. Manda levar a filha, o condenado apercebe-se que já nada lhe resta neste mundo, está pronto para aquilo que lhe querem fazer. Tem que se concentrar para o que lhe falta, talvez ainda tenha uma hora. Lá fora, a multidão está ao rubro, aguarda ansiosamente que o espetáculo tenha início.

Portugal foi um dos primeiros países a abolir a pena de morte. Isso deve deixar-nos orgulhosos.

20/05/2012

O MONSTRO DE FLORENÇA, UMA HISTÓRIA VERDADEIRA

Opinião:
Quando Douglas Preston chegou a Florença para começar a trabalhar no seu novo romance, nunca pensou que os seus planos se alterassem tão repentinamente. Tinha pensado escrever um policial sobre o desaparecimento de um quadro famoso e muito antigo tendo como pano de fundo a bela cidade de Florença, o berço do renascimento. Para iniciar o seu trabalho de pesquisa, precisava de saber como funcionavam as forças policiais italianas. Assim, foi aconselhado a contactar Mário Spezi, repórter criminal do jornal La Nazione com uma vasta experiência sobre o assunto. No meio de uma das suas conversas, Douglas Preston ficou a saber que o local onde ficara a residir era famoso por diversas razões, uma das quais por ter sido lá perpetrado um crime. Curioso, quis saber mais acerca desse crime e Mário Spezi explicou-lhe que se tratava de um dos duplos homicídios do chamado “monstro de Florença”, baptizado assim pelo próprio Mário Spezi que tem seguido o caso desde o princípio, há já mais de duas décadas. O monstro de Florença é um assassino em série que nunca foi encontrado e o caso constitui o mais longo e dispendioso processo da justiça italiana. À medida que fica a conhecer a história em pormenor, Douglas Preston fica tão fascinado pelo caso que propõe a Spezi escreverem um livro sobre o monstro de Florença. Esse livro é a procura de ambos pela verdade num caso que atingiu proporções inimagináveis: Douglas Preston foi acusado de diversos crimes, desde perjúrio a obstrução da justiça e Mário Spezi foi acusado de ser o próprio monstro de Florença, tendo mesmo sido preso.

O que posso dizer deste livro é que é viciante, é um policial que não se consegue para de ler e ainda por cima baseado em factos verídicos e em que os autores são arrastados para a própria história. A primeira parte é um relato cronológico e uma descrição detalhada dos crimes. Mário Spezi foi o primeiro jornalista a tomar conhecimento do caso e chegou mesmo a estar em alguns locais do crime sem que lhe fosse barrado o acesso. De referir que estamos longe da era CSI, não havia exames de ADN e os locais do crime não eram devidamente isolados. As próprias forças policiais italianas, a polícia e os carabinieri competem entre si para ver quem fica com os louros o que faz com que a própria investigação saia prejudicada. A um nível mais elevado temos os juízes e procuradores à procura da ascensão na carreira ao invés de procurarem a verdade em si.

Entre 1974 e 1985 foram levados a cabo uma série de sete duplos homicídios. O modus operandi era sempre o mesmo: o assassino atacava de noite e os seus alvos eram casais em carros estacionados nas colinas em redor de Florença à procura de privacidade. No momento em que estes se encontravam mais vulneráveis eram abatidos a tiro, primeiro o homem, depois a mulher. Seguidamente, o assassino arrastava a mulher para fora do carro e mutilava-a.

A crescente pressão dos média e da população em geral fez com que a polícia tentasse apresentar resultados a todo o custo. A brutalidade dos crimes levou a população a um estado de histeria tal que foram investigados mais de cem mil indivíduos. Vidas e carreiras são destruídas devido a denúnicias, na sua maioria infundadas. Suspeitos são presos mas libertados passado pouco tempo em virtude de o monstro ter voltado a atacar. Um crime anterior, cometido em 1968 parece estar ligado aos do monstro de Florença, foi provado que a arma do crime é a mesma. Porém este crime está resolvido e o autor confesso foi preso e condenado. Como foi possível então que fosse utilizada a mesma arma? Spezi estava convencido que, se a arma fosse descoberta, o monstro seria apanhado…

A investigação muda de rumo consoante as mudanças de procuradores e investigadores e chega a seguir um caminho de todo impensável: o monstro de Florença tem vários cúmplices que praticam os crimes por encomenda e a mando de pessoas importantes da sociedade florentina que participam em rituais satânicos!

O ponto alto do livro é, sem dúvida, a entrevista com a pessoa que os autores acham que é o monstro de Florença. Quando estão prestes a acabar o livro e quando a sua publicação está para breve, surgem os problemas. Como a linha de investigação deles vai contra a da polícia, e como no seu livro desmontam a linha de investigação oficial, podemos dizer que compraram uma luta contra uma força poderosa. Douglas é acusado de vários crimes e vê-se obrigado a sair de Itália. A casa de Spezi é vasculhada e todos os seus documentos sobre o caso são levados pela polícia. É preso e fica na solitária durante cinco dias sem ter acesso ao seu advogado, medida excecional aplicada para crimes mais ligados à máfia italiana. Douglas, na América nem quer acreditar no que está a acontecer, o caso tornou-se ele próprio num monstro.

Este é um policial a não perder, baseado em factos verídicos. Diz-se que Thomas Harris baseou a personagem de Hannibal Lecter no Monstro de Florença.

Como diz Douglas Preston uma das características intrínsecas do mal é a sua incompreensibilidade.  

07/05/2012

O Monstro de Florença – Uma História Verdadeira


O Monstro de Florença – Uma História Verdadeira

Douglas Preston com Mario Spezi

Data de Publicação: 8 Maio 2012




UM RETRATO VERDADEIRO

SOBRE A MAIS SOMBRIA MENTE HUMANA

Em 2000, Douglas Preston mudou-se para uma pequena villa nas colinas a sul de Florença. Um amigo apresentou-o a Mario Spezi, um repórter criminal lendário que conhecia a fundo a polícia, e foi a partir desse encontro que Preston soube dos crimes do Monstro de Florença. Profundamente intrigado com esta série de duplos homicídios que se desenrolaram entre os anos 70 e 80 e tiveram como vítimas casais enamorados abatidos em momentos românticos, Preston inicia com Spezi uma investigação por conta própria que os levará aos meandros mais bizarros da mente criminosa e da incompetência policial. O Monstro de Florença é um relato verdadeiro e absolutamente fascinante.
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Douglas Preston é um jornalista e autor de romances policiais norte-americano. Trabalhou para o Museu Americano de História Natural como escritor e coordenador editorial e ensinou escrita criativa na Universidade de Princeton. Escreveu artigos para diversas publicações – The New Yorker, Natural History, Travel & Leisure e  National Geographic, entre outras.

Mario Spezi é um conceituado jornalista italiano especializado na área criminal. Foi responsável pela cobertura jornalística dos casos mais importantes do crime italiano, incluindo aqueles que envolveram ações terrorista e a Máfia. Investiga o caso do Monstro de Florença, que ele próprio batizou com este epíteto, desde o início. É autor de diversas obras de ficção e de não-ficção.

CITAÇÕES IMPRENSA ESTRANGEIRA
 
«Esta  história baseada num caso real ocorrido em Florença cria  uma tensão implacável que prende o leitor aos desafios do enredo.»
Publishers Weekly

«Para os apreciadores de histórias de crime reais, O Monstro de Florença é uma história de leitura obrigatória.»
www.reviewingtheevidence.com
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«Esta fascinante colaboração, entre um autor de bestsellers americano e um repórter italiano, produziu um thriller extremamente invulgar em que os próprios autores se tornam suspeitos 
CBS News

10/04/2012

ENTREVISTA A EDUARDO SPOHR

DIA 12 DE ABRIL, PELAS 15H
EM www.facebook.com/presenca






Quem quer participar na entrevista em direto a Eduardo Spohr, autor do fenómeno da literatura fantástica “A Batalha do Apocalipse”? Sete perguntas serão escolhidas e respondidas em direto pelo autor, no dia 12 de abril às 15h, na página de Facebook da Editorial Presença (www.facebook.com/presenca).
Enviem as vossas perguntas até terça-feira, 10 de abril, para marketing@presenca.pt
e façam parte desta entrevista conjunta! Mais informações sobre a obra em http://
www.presenca.pt/livro/ficcao-e-literatura/romance-fantastico/a-batalha-do-apocalipse.

17/03/2012

O ROMANCISTA INGÉNUO E O SENTIMENTAL, de ORHAN PAMUK



Neste livro, Orhan Pamuk faz uma compilação de seis conferências que deu na prestigiada Universidade de Harvard. Nestas conferências, o autor debruça-se sobre o romance, o género literário que registou uma grande evolução ao ponto de suplantar todos os demais, a começar pela poesia. Pamuk descreve-nos os sentimentos e as reacções que as pessoas têm ao ler romances através da sua experiência de quarenta anos como ávido leitor deste género literário. O que se passa na mente das pessoas quando estão a ler um romance? O autor defende que, quando estamos a ler um bom romance, parte da nossa mente está imersa em realidade. Pelo lado contrário, pelo do escritor, mostra-nos também como os seus trinta e cinco anos como romancista o ajudaram a conseguir interpretar os romances de outros escritores. Toda esta experiência acumulada ao longo da vida o ajudou a evoluir como romancista.
A sua abordagem em que faz uma comparação do romance com outras artes é deveras interessante, o romance como que “inveja” a pintura por ser uma arte em que é mais fácil às pessoas a visualização de imagens. Esse processo, nos romances, é mais difícil de conseguir mas deveras gratificante quando alcançado.
O ponto de partida para as suas conferências é o ensaio de Schiller “Sobre a poesia ingénua e a sentimental”, considerado por Thomas Mann “o mais belo ensaio escrito na língua alemã”. Por analogia, Pamuk começa por dividir os escritores de romances entre ingénuos e sentimentais. Todos estes termos e outros utilizados ao longo do livro são-nos explicados com recurso a escritores e romances que marcaram o autor ao longo da sua vida. Aqui ficamos a conhecer o maior romance de todos, “Ana Karenina” de Tolstoi, aqui ouvimos falar de “À procura do tempo perdido”, de Proust, D. Quixote, de Cervantes, “Os demónios” e “Os irmãos Karamazov”, de Dostoievski, de Thomas Mann, James Joyce, Stendhal ou Faulkner, entre outros.
Não querendo desvendar demasiados pormenores focados pelo autor, não posso deixar de mencionar um termo que é analisado extensivamente ao longo do livro pois pode considerar-se o ponto fulcral do romance – o seu “centro”. O centro do romance é, para Pamuk, a mensagem que o autor pretende passar aos seus leitores, é a visão do mundo que o autor tenta fazer passar através das suas personagens. É como uma pintura que nos permite visualizar cada árvore até chegarmos à visão do conjunto, que constitui a floresta. O centro de um romance é a procura, por parte do leitor, página a página, pormenor a pormenor, da mensagem que o autor como que oculta. Este processo assemelha-se a um jogo de xadrez entre leitor e escritor pois, enquanto prazer que o leitor conquista gradualmente ao longo das páginas, o romancista, por seu lado, não quer que o mesmo seja demasiado óbvio mas também não quer tornar essa procura num processo demasiadamente complexo.
Não sendo um livro muito extenso lê-se com prazer, pessoalmente houve capítulos que li duas vezes, pois, enquanto leitor, é fácil identificarmo-nos com certos pormenores aqui descritos. Poder-se-á considerar este livro um ensaio sobre o romance, onde se aborda a sua evolução como género literário dominante, onde o autor compara a cultura ocidental e a oriental e nos descreve essa ligação apaixonante leitor/escritor em que o autor tenta mostrar-nos a sua visão do mundo fruto das suas vivências e experiências pessoais e o leitor com a sua tendência natural de considerar o autor como um espelho das suas personagens.
Para Pamuk, tanto o acto de ler como o de escrever devem estar em equilíbrio entre os dois conceitos centrais mencionados anteriormente, o “ingénuo” e o “sentimental”, qualidades estas que se complementam e fazem deste género literário o veículo utilizado por excelência por todos os predestinados que nos quiseram mostrar o mundo através das suas obras imortais e intemporais. 


ORHAN PAMUK nasceu na Turquia, em 1952. Começou por estudar Arquitectura, mas acabou por se licenciar em jornalismo pela Universidade de Istambul, profissão que nunca exerceu. Grande estudioso e leitor insaciável, escreve desde os 23 anos, uma actividade que o tornou conhecido em mais de 50 países e que lhe valeu inúmeros prémios e distinções. Em 2006 foi agraciado com o Nobel da Literatura. A sua obra é seguida com o maior interesse tanto no mundo ocidental como na própria Turquia, onde os seus livros são sempre bestsellers, apesar das suas posições críticas em relação à política do seu país. As suas obras encontram-se traduzidas em 60 línguas.

28/02/2012

O Romancista Ingénuo e o Sentimental


O Romancista Ingénuo e o Sentimental

Orhan Pamuk

 Data de Publicação: 6 Março 2012




ENSAIO SOBRE PROCESSO DE CRIAÇÃO

LITERÁRIA E ARTÍSTICA

DO PRÉMIO NOBEL LITERATURA 2006

Que tipo de processos ocorrem nas nossas mentes quando lemos um romance? Qual é a relação entre os personagens de um romance e as pessoas reais? Como é que a arte do romance está ligada à poesia, à pintura e à política? Como é que a voz de um autor, a sua marca identitária e o seu universo particular são criados? Onde é que um romancista fala sobre ele/ela e onde é que ele/ela falam sobre os outros? Como identificar o foco invisível que torna o romance real e como pode ser encontrado? Pamuk responde a todas estas questões com as quais se tem debatido ao longo da sua vida, com exemplos da literatura mundial.



SINOPSE:

Orhan Pamuk inspirou-se no ensaio de Schiller Sobre a Poesia Ingénua e a Sentimental  como tema para abordar múltiplas questões ligadas ao romance. Em O Romancista Ingénuo e o Sentimental, obra subtil e pessoal, Orhan Pamuk fascina-nos com a liberdade com que se move entre a cultura oriental e a ocidental ao falar-nos da sua própria experiência como autor e leitor dos romancistas que o apaixonaram e influenciaram, expondo as misteriosas ligações entre autor e leitor.

Orham Pamuk nasceu na Turquia, em 1952. Começou por estudar Arquitetura, mas acabou por se licenciar em jornalismo pela Universidade de Istambul, profissão que nunca exerceu. Grande estudioso e leitor insaciável, escreve desde os 23 anos, uma atividade que o tornou conhecido em mais de 50 países e que lhe valeu inúmeros prémios e distinções. Em 2006 foi agraciado com o Nobel da Literatura. A sua obra é seguida com o maior interesse tanto no mundo ocidental como na própria Turquia, onde os seus livros são sempre bestsellers, apesar das suas posições críticas em relação à política do seu país.

GÉNERO: Não Ficção e Ensaio/ Arte e Cultura.

PÚBLICO-ALVO: Público em geral, em particular os seguidores atentos da obra de Pamuk.

22/02/2012

Comentários à 10ª Leitura conjunta do blogue "O Estrangeiro" de Albert Camus



Comentário de Manuel Cardoso
Li este livro pela primeira vez há uns sete anos. E agora que acabo de o reler chego à conclusão que a ideia que trazia era verdadeira: trata-se de uma obra prima! Um livro genial.
A vida de Meursault é um espelho do que todos nós somos: pessoas normais, banais, serres vivos, seres naturais antes de sermos racionais. Procuramos sobreviver, masi do que viver. Meursault procura passar desapercebido na vida. Mas há aquela coisa terrível a que Sartre chamou “o Inferno”: os outros!
Quando a mãe de Meursault morreu, ele não chorou; coisa diabólica, impossível num ser humano sensível: eis a condenação do Inferno. Assim Meursaul será julgado; assim Meursault será condenado: pelo Inferno dos outros, pela vida, pelo mundo. O mundo não se compadece com a leveza de quem apenas quer existir; o mundo exige comprometimento, exige aceitação das hierarquias, exige essa subtil aceitação da inferioridade, para que os outros, o Inferno, se possam afirmar na sua superioridade.
É fácil acusar Meursault. Todos o podemos fazer. Por exemplo, podemos acusá-lo de não ter afectos. É um homem frio. Se houver um assassinato por aí, Meursault será suspeito. Porquê? Porque nós o decidimos. Afinal, nós também somos o Inferno; nós também somos o Inferno de Meursault. Somos o seu pior pesadelo; somos os seus “outros”.
Meursault é como o cão de Salamano: nasceu para ser insultado, não para insultar. No entanto, Salamano ficou triste quando morreu o cão, mas ninguém ficará triste quando Meursault morrer. Porque ele era um homem normal.
Era um homem que nunca encontrou inimigos; ou melhor, nunca encontrou a quem odiar verdadeiramente. Por isso os outros o puderam castigar com tanta facilidade; Meursault entregou-se ao castigo recusando o ódio. Um dia ele matou um árabe; mas fê-lo com indiferença, como se estivesse escrito que assim teria de ser; ou como se a morte tivesse vida própria; afinal de contas, talvez seja a morte a comandar a vida.
Meursault, o estrangeiro, descobrirá de forma dolorosa que o poder é de quem joga, não de quem vive. A justiça castigá-lo-á por não fingir. O fingimento, afinal, fazia parte do jogo. Meursault, afinal, devia ter chorado! Devia ter mostrado arrependimento! Devia ter fingido. Tinha sido esse o seu crime. Mas ele era um estrangeiro; um homem normal.
Uma das maiores obras da grande literatura existencialista francesa, O Estrangeiro é um livro sobre a hipocrisia do ser humano que utiliza os sentimentos como forma de manipulação e de conquista do poder. É um grito de revolta contra uma sociedade que oprime aqueles que defendem a verdade até ao fim; de grande conteúdo filosófico, trata-se de um marco na literatura do século XX, sem deixar de ser uma história simples e acessível a qualquer leitor. Sem dúvida, uma obra-prima da literatura universal.

Comentário de Luís Miguel
Considerado um dos clássicos da literatura, este livro não dos mais fáceis de se ler, obriga o leitor a pensar, a interpretar, a procurar exactamente qual a mensagem que o autor quis fazer passar mas, como outro livro qualquer, cada um de nós pode tirar as suas próprias ilações ou tentar interpretá-lo à sua maneira.
O Estrangeiro fala-nos do Sr. Meursault, personagem narrador, e que personagem esta! Complexa ou realista diriam uns, fútil ou insensível diriam outros, eu diria que é uma tarefa difícil tentar qualificá-la pois é através das suas características que o autor irá fazer passar a sua mensagem.
A história começa quando este recebe a notícia da morte da sua mãe, que estava num lar. O funeral realizar-se-á no dia seguinte e ele lá cumpre a obrigação de ir ao velório. Não chora a morte da mãe, realmente, há muito tempo que não tinham nada a dizer um ao outro. A insensibilidade deste em relação à mãe (e que para a maioria de nós é chocante) é reforçada por dois pormenores: quando lhe perguntam a idade dela, ele não sabe ao certo; se quer ver a mãe (pois o caixão estava fechado): não quer. As suas necessidades fisiológicas sobrepõem-se aos sentimentos. O calor, pois estamos em Argel, é para ele insuportável. Como se isto não bastasse, Meursault, no dia seguinte ao funeral da mãe decide ir tomar banhos de mar, namoriscar com Maria, com a qual inicia uma relação e, nessa mesma noite vão ao cinema ver um filme de Fernandel. Meursault não é uma pessoa de muitas falas, só gosta de dizer o essencial.
Numa tarde de verão à beira mar, ele e um amigo envolvem-se numa rixa com uns árabes. Mais tarde depara-se com um deles e, devido ao calor abrasador e sufocante que o assola, mata-o disparando um tiro, e depois mais quatro. Segue-se então a descrição do desenrolar do seu julgamento. A acusação centrar-se-á mais no facto de ele não ter prestado a devida homenagem à mãe na hora da sua morte do que por ter matado um homem. Para ele as audiências são um suplício, não consegue discernir algumas partes, toda a gente olha para ele, todos falam dele, mas é como se ele não estivesse lá. (Será que se sentia como um estrangeiro num país estranho?). Para ele, o melhor era ficar na sua cela, onde começa a reflectir sobre a sua situação, sobre o seu passado e sobre o seu futuro. A questão da pena chegou a dar-lhe alguma esperança pois acreditou que ela poderia ser alterada. Depressa chega à conclusão da inevitabilidade de ser punido pelo seu crime através da pena de morte. A ansiedade enquanto espera pelo dia da execução torna-se sufocante. É na prisão que lhe surgem algumas memórias da mãe e do pai, pessoa que nunca conheceu. É num dado momento de descanso/reflexão que é mais uma vez interpelado por um padre que tenta (em vão) voltá-lo para Deus antes da execução. Perdendo a paciência, discute com o padre e dá-se como que uma epifania, uma revelação que faz com que, para ele, tudo tenha agora sentido. Para ele, são inconsequentes e insignificantes as decisões que tomamos, somos todos condenados, a morte é o fim último. Sente que viveu de uma maneira, poderia ter vivido de outra, é indiferente. É no fim que tem esta revelação em que acredita que está pronto a reviver outra vez tal como a mãe, no lar, quando lá iniciou uma relação. Da sua indiferença em relação ao mundo, toma consciência da indiferença do mundo em relação a si, o seu último desejo: que a praça estivesse cheia de pessoas prontas a odiá-lo pelo seu crime. 

Cometário de Ângelo Marques
 
Meursault, homem vulgar tem uma vida com o mesmíssimo significado, vive em Argel capital da Argélia colonia Francesa (terra onde o autor, Albert Camus, passou grande parte da sua vida) é aqui em Argel que toda a ação se centra; o sol desta cidade e terá um papel fundamental no decorrer de toda a narrativa, o sol o contrassenso da própria vida.
Meursault recebe a notícia da morte de sua mãe sem grande alarido, parte para o seu último encontro com uma certa indiferença, indiferença subtil onde Camus prepara o leitor para uma estória repleta de pequenas peças dispersas num puzzle que o leitor poderá construir a seu gosto. Neste último encontro demonstra uma certa insensibilidade para o trágico acontecimento.
No dia seguinte, ainda com as últimas cerimónias fúnebres da mãe bem presentes, encontra Marie numa estância balnear e nesse mesmo dia inicia um romance com ela, mas mais uma vez com um sentimento de grande indiferença, um romance sem amor.
Arrastado, indiferentemente, para um conflito entre um "amigo" com um árabe num momento sem aparente motivo ou explicação onde o sol lhe parece um deus da loucura comete um crime sob esse pretexto um crime brutal com uma continuidade exagerada.
A sua contínua indiferença perante os acontecimentos levam a um desfecho já sentenciado desde o início.
Gostei desta estória, diz-se por ai que é um clássico, e talvez o seja pela sua longevidade e simplicidade, uma estória que perdurará, serena, no decorrer de muitos bons e outros maus anos, assim nesse sentido poderei classifica-lo como sendo definitivamente um clássico, um grande clássico.
A indiferença pela vida alheia percorre cada página deste livro, pode-se ler de uma forma aprazível sem necessidade de muita massa cinzenta, e mesmo assim gostar do livro. Se aprofundarmos todos os passos de Meursault, mergulhando na sua insignificância, descobrimos o absurdo de algumas ações que tomamos. Num ponto concordo profundamente na atitude do nosso narrador, revejo-me nela com grande afinco, a sua obstinada coerência nos seus pressupostos
A condição humana explorada por Camus é surreal, a profundidade das ações em subtis palavras conduz o leitor a uma complexa rede de emoções difusas pelas páginas percorridas. A simplicidade na vivência de Meursault contrasta com a complexidade, vista mas não sentida por ele, em outros membros da sociedade, este, outros, não entendem a simplicidade de Meursault. Pequenos detalhes da vida quando retratados por outros, quando retalhados em pequenos fragmentos ficam desconexos da realidade mas nem mesmo assim tem o condão de fazer explodir Meursault.
Uma linguagem desprovida de floreados, fria e muito seca onde se percebe que a personagem principal parece ver a sua vida como de uma outra personagem, a ausência de emoções é latente e pode até incomodar quem esperava outra coisa deste livrinho.
Finalizando é um livro que recomendo vivamente a lerem mas sempre com um espírito muito aberto e sem preconceções de "clássico" literário
Comentário de Paula T
Meursault, o nosso personagem principal é sobretudo um espectador da vida e de todas as situações pelas quais passa. Age como se fosse ele próprio um estranho, um estrangeiro que tudo observa fria e distantemente. Acontece com a morte da mãe, com a sua relação com Maria, com a amizade de Raimundo e quando comete um crime.
Esta é uma obra pequena, mas fortíssima a nível de conteúdo, em todas as palavras e frases há significados implícitos.
Desde o início da narrativa Meursault sente-se julgado, acontece com os amigos da mãe que assistem ao enterro, no qual ele é incapaz de chorar, de sentir tristeza, porém quando abandona o cemitério olha a paisagem com o intuito de compreender a sua mãe. (sinal que a amava) Assim também acontece no fim, depois de julgado e condenado olha as estrelas e sente-se capaz de reviver.
É um personagem que se estranha ao longo da história, principalmente na primeira parte, questionamos inúmeras vezes as suas atitudes e decisões, no entanto também se ganha alguma afeição e apego (nomeadamente na segunda parte).
Na primeira parte, há o demonstrar de comportamentos punidos pela sociedade e na segunda, o nosso personagem é julgado não pelo seu crime, mas por ter ido contra as regras da sociedade (não ter chorado no enterro da mãe e de se ter divertido no dia seguinte). Assim, “O Estrangeiro” de Albert Camus é uma crítica mordaz aos julgamentos da sociedade, julgamentos estes que persistem ao longo dos tempos até aos dias de hoje.