Em “O último dia de um
condenado”, Victor Hugo revela-nos todo o seu humanismo, defensor de causas,
dos mais fracos e dos oprimidos, através da sua escrita pungente, neste
autêntico manifesto contra a pena de morte.
Podemos dizer que o título desta
obra é cru e objetivo, realmente não há aqui margem para qualquer simbolismo e
o autor descreve-nos o martírio que são os últimos momentos de um condenado à
morte numa prisão de Paris no princípio do século XIX. São momentos de grande
sofrimento, principalmente ao nível psicológico, em que a espera pela execução
da pena se torna um processo inimaginável, algo difícil de descrever. Vendo que
o seu fim está próximo, o condenado decide escrever um diário do seu dia-a-dia
a partir do momento em que foi condenado e com o objetivo (utópico) de fazer
com os juízes não condenem outros homens desta forma. Nesta época, a condenação à
morte significa uma palavra: guilhotina. Victor Hugo faz uma crítica ao sistema
judicial vigente, os diversos agentes da justiça passam estes processos de uns
para os outros tornando-os morosos o que aumentava o sofrimento para quem está
a ser julgado. Podemos dizer que existe aqui um paradoxo: por um lado, a
criação da guilhotina parece ter como objetivo a eliminação de qualquer dor
física na hora da execução. Mas, e até lá? Quem consegue aguentar tal martírio?
Em que pensa o condenado? O que vai ser da família da qual se vai separar para
sempre? Será que um recurso poderá ter sucesso? Poderá ser abençoado com um
perdão por parte do rei? E que suores são estes? E estas tonturas e dores de
cabeça? Que sonhos estranhos são estes que impedem o descanso…
Não nos é dado a conhecer o crime
que este condenado cometeu mas o autor dá-nos a entender que talvez tenha sido
homicídio. Mesmo nestes casos, qualquer que seja o crime, a pena de morte não
deveria existir.
Daquilo que o condenado observa
no seu dia-a-dia não podia deixar de mencionar um conjunto de homens com um
triste futuro à sua frente: os chamados forçados. É-lhe permitido ver o
“espetáculo”, o ritual em que estes são acorrentados e preparados para partirem
para o desterro. Estes homens foram condenados às galés, alguns deles para toda
a vida. Para os que regressam com a pena cumprida, o futuro não é brilhante e
são ostracizados pela sociedade. Por um lado, ninguém lhes dá trabalho, por
outro, são obrigados a andar com um passaporte onde têm um registo como
forçados e devem-se apresentar periodicamente perante as autoridades. Assim,
incapazes de conseguir um meio de subsistência, o único remédio é virarem-se de
novo para aquilo que melhor sabem fazer: o crime.
A poucos dias da execução da pena do nosso condenado,
é-lhe trazida a sua filha de três anos. Uma alegria imensa apodera-se dele, há dezoito
meses que não vê a filha. …”-Sabes quem sou?” …”-Não, senhor”… Que dura
realidade, a própria filha já não o conhece e trata-o por senhor. Manda levar a
filha, o condenado apercebe-se que já nada lhe resta neste mundo, está pronto
para aquilo que lhe querem fazer. Tem que se concentrar para o que lhe falta,
talvez ainda tenha uma hora. Lá fora, a multidão está ao rubro, aguarda
ansiosamente que o espetáculo tenha início.
Portugal foi um dos primeiros países a abolir a pena de morte. Isso deve deixar-nos orgulhosos.
1 comentários:
interessante a registar
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