08/02/2014

"A OBRA" de EMILE ZOLA





Não foi fácil ler este livro pois vem a seguir a “Germinal”, precisamente considerada a obra-prima de Émile Zola, mas como o livro contém estes dois capítulos, não podia deixar de o ler.

A ação passa-se nos finais do século XIX, em Paris, onde um grupo de amigos ligados às artes, desde a pintura, a escultura, a literatura, a arquitetura, decidem que uma nova corrente deve nascer pois acham eles que deve haver uma regeneração nas artes e que se deve romper com o passado. São jovens, idealistas e sonhadores mas todos imbuídos desse espírito de mudança, de rutura, o que, naturalmente, representa o motor da evolução, transformação e renovação nas artes. Este grupo fraternal de amigos reúne-se bastas vezes nos locais habituais de Paris onde discutem até altas horas sobre a Escola presente e decadente que é preciso transformar de imediato. Assim, criticam muitos dos seus conhecidos que seguem os “standards” da época e consideram-nos indignos de fazer parte das artes.
Pegando na personagem principal, o Cláudio, pintor, o autor consegue descrever-nos, quanto a mim, de maneira primorosa, o sofrimento por que passa o artista, o criador de novas peças de arte. O Cláudio é capaz de deambular o dia inteiro, em pleno inverno, por Paris, à procura da paisagem perfeita, em busca de um quadro que poderá ser a sua obra prima. Quando se encontra a pintar, no seu estúdio de parcas condições, fá-lo horas a fio, sem comer nem beber, tão concentrado que qualquer interrupção o irrita terrivelmente. Só se vai deitar, exausto, quando já não tem a luz natural pois pintar com a ajuda da luz de velas torna-se impraticável. A exigência que põe no seu trabalho pode levá-lo da alegria ao desespero num ápice, a pintura pode estar a correr bem e chegar ao fim do dia e raspar a tela inteira por considerar não ter atingido um nível de qualidade minimamente aceitável. Cláudio representa o artista eternamente insatisfeito, sempre em busca da perfeição. A sua idade permite-lhe aguentar essa vida dura pois, sem grandes posses, para além de pagar a renda do seu estúdio, ainda tem que pagar pelas modelos que vai precisando. Assim, para sobreviver, vai pintando pequenos quadros que se vão acumulando no seu estúdio, em total desordem, com quadros por acabar, outros acabados, esboços por todo o lado. A venda dessas pequenas obras, que o vão mantendo, são feitas a um negociante que, dando-se conta da sua perícia e qualidade, se aproveita dele, pagando-lhe muito abaixo do valor que as obras mereciam.
O esforço incessante de Cláudio tem um objetivo comum a todos os pintores: ter um quadro aceite na exposição anual de Paris. É aqui que o autor nos descreve o status quo da época no que concerne às artes, as mudanças nunca são fáceis, além da resistência existem grandes interesses instalados. Assim, todos os anos, a grande exposição atrai todos os jovens (e não só) e onde cada artista tenta que uma obra sua seja aceite. O número elevadíssimo de obras apresentadas obriga o júri a fazer uma seleção em que as obras mais votadas vão para o salão principal (o objetivo máximo) e as outras vão para o salão dos “rejeitados”, numa posição secundária. Mas as escolhas do júri nem sempre são rigorosas, muitas vezes escolhiam obras sem qualquer valor, somente para pagar certos favores a amigos ou amigos de amigos. É neste cenário que Cláudio vê, ano após ano, as suas obras serem sistematicamente recusadas. Numa dessas ocasiões, um grupo do júri estava a analisar uma obra do Cláudio e a maioria rejeitou-a liminarmente, sem grande perca de tempo mas, um dos presentes, um pintor conceituado diz: …”mas nenhum dos que aqui estão presentes é capaz de fazer algo parecido com esta obra”…
Ironia das ironias, um dos colegas de Cláudio, com os anos, vai obtendo conhecimentos importantes e com isso vai conseguir uma certa notoriedade na pintura. São jogos de interesses onde não existem escrúpulos (muito atual aliás). Os seus quadros vendem-se bem, o seu futuro é risonho mas, cúmulo dos cúmulos, os seus quadros baseiam-se, ainda que disfarçadamente, no estilo de Cláudio. Este logo se apercebe disso mas não fica zangado nem inveja o amigo pois Cláudio está agora de volta de um quadro de grandes dimensões, aquele que será a sua obra-prima, aquele com o qual almeja o sucesso e reconhecimento. Esta paisagem de Paris passa a ser o seu trabalho diário, a sua obsessão, a mesma exigência, a mesma insatisfação, esta obra pode tornar-se na sua perdição.
É com pena que vemos o grupo dispersar-se, a maior parte engolido pela velha Escola, sem conseguir atingir o sucesso, aqueles que o conseguem é graças a conhecimentos e casamentos de interesse. Mas há um que não se desvia do seu trilho: esse é Cláudio.
Este livro é uma excelente descrição do “inquietante” processo criativo, de tudo o que envolve. Essa descrição exaustiva torna por vezes a leitura um pouco difícil, tive por vezes uma certa dificuldade em avançar apesar de querer saber o final. Eu, com dificuldade em avançar na leitura e o pintor lutando com todas as forças para avançar na sua obra, nesse fim inalcançável.

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