09/02/2013

A SUL. O SOMBREIRO, de PEPETELA




É o primeiro livro que leio de Pepetela e agradou-me bastante pois o autor transporta-nos para uma época distante em que algumas potências colonizadoras europeias tentam expandir ao máximo os seus impérios e obter cada vez mais recursos das suas colónias. Portugal faz parte desse grupo de países embora a chamada “época gloriosa” da nossa história esteja à beira do declínio que tem início, como alguns historiadores defendem, com o domínio filipino. É precisamente nesse período que se desenrola a narrativa.   

O autor leva-nos aos primórdios da colonização de Angola que, na altura, era um mero povoado. A cidade de Luanda vai crescendo graças ao tráfico de escravos e exploração dos seus recursos naturais. A expansão do território não se afigura fácil e depende muito de alianças, quer com a metrópole que hesita em enviar mais recursos, quer com as tribos guerreiras locais. São tempos em que imperam a cobiça, a ambição desmedida, a traição, falta de escrúpulos, ninguém olha a meios para enriquecer nesta terra de imensos recursos e oportunidades. De entre os mais interessados nestes recursos estão os governadores nomeados que têm as suas ambições pessoais e o enriquecimento fácil sempre em mente. Não devemos esquecer que as pessoas que iam para as colónias naquela altura eram muitas vezes condenados, pessoas que tinham cometido crimes violentos, enfim, na sua maioria, eram indivíduos que já não tinham nada a perder e eram como que desterrados para este “fim de mundo”. O autor não deixa de referir que, indivíduos de origem duvidosa provenientes de Portugal, se tornavam figuras de relevo em Angola.

Personagem central deste romance e nomeado governador de Angola mais do que uma vez está o governador Manuel Cerveira Pereira. Com uma ambição desmedida e não olhando a meios para atingir os seus objetivos, o governador estará ligado à gênese do desenvolvimento de Angola. Através de uma política de alianças com as mais importantes tribos guerreiras por um lado, e com a ordem dos jesuítas, por outro, o governador procura consolidar o seu poder. Apesar de todos os seus defeitos não deixamos de ficar na dúvida se outro tipo de pessoa, naquela época, naquelas condições, teria feito mais e melhor. Muitos dos que lá chegavam morriam pouco tempo depois com as febres e outras doenças cuja cura era desconhecida. O clima, totalmente diferente, era outro fator desencorajante para quem queria vencer em Angola. Não deixa de ser interessante acompanharmos paralelamente, ao longo dos capítulos, a senda do governador à procura de mais riquezas e a emancipação de Carlos Rocha, um negro livre que tinha um escravo e que procura somente ser feliz, constituir uma família e viver naquela terra ainda selvagem e por explorar, num cantinho só seu, longe daquelas guerras egoístas. Carlos Rocha foge das tribos guerreiras, por um lado, e dos brancos que podem torna-lo escravo novamente, por outro. A sua astúcia e presença de espírito irão ser-lhe fundamentais para que ele se consiga mover entre estas duas ameaças.
É uma escrita mordaz onde não falta a ironia e o autor não deixa dar umas “bicadas” a certas instituições como por exemplo a Igreja representada pelos jesuítas que, não deixando de ter um papel importante no desenvolvimento e crescimento de Angola, não pode deixar de ser olhada de lado pela acumulação progressiva de património. Não podemos também ficar indiferentes ao chamado tráfico de peças (escravos) e a todo o sofrimento que causou. As famílias eram destruídas, as mães separadas dos filhos, as condições em que eram transportados eram deploráveis e Portugal lucrou imenso com este comércio triangular. Ainda hoje me custa ouvir certas pessoas dizerem “quando Angola era nossa”, como se quando nós lá chegamos não existissem já lá pessoas que, embora com costumes diferentes dos nossos, não deixavam de ser seres humanos.
 
A procura de um refúgio e de um futuro por parte de Carlos Rocha para si e para a sua família, dentro da sua própria terra, personifica, para mim, o início da procura pela liberdade das gentes de Angola que, pese embora numa fase embrionária, quererão saír debaixo do jugo da exploração.
 
P.S.: Obrigado ao Manuel pela sugestão.



  



1 comentários:

Unknown disse...

ainda bem que gostaste :)
Eu gosto cada vez mais da literatura africana :)
É uma escrita com perfume.