30/04/2012

Comentários à 11ª Leitura conjunta do blogue "O Heróico Major Fangueira Fagundes" de Luís Novais




Comentário de Paula T 



A narrativa tem o seu início fazendo uma alusão ao Portugal de Camões "Ocidental Praia", mais tarde percebemos que está é uma alusão irónica. 

O português usado nesta obra é algumas vezes o português antigo e confesso que me custou a embrenhar na leitura, no entanto com o decorrer da história acostumei-me, assim como aos inúmeros personagens que vão entrando em cena em todolos os seus anexos. 

Toda esta obra transpira ironia e crítica social, política e cultural. No fundo, uma crítica do que fomos e do que somos. Porque o que fomos outrora não difere do que somos agora! 

É de facto uma obra muito bem escrita, nota-se a paixão e o empenho do autor na sua realização. 

O Luís Novais, é um dos casos que começam a ser raros na literatura – escreve porque gosta e não com o objectivo primeiro de vender. Sente-se isso! De outra forma não arriscaria um livro que penso não será para todo o público e com um título que até pode afastar alguns leitores! 


Gostei. 


Comentário de Ana Nunes

Tenho a sensação que grande parte das pessoas que começam a ler este livro ficam mais ou menos como eu fiquei: confusa. Não pela história em si, mas pela escrita que enche as primeiras páginas. Uma pista: o subtítulo do livro.
Parte do livro está escrito num português arcaico, que apesar de facilmente reconhecível e compreensível, não deixa de causar estranheza, especialmente nos primeiros capítulos. E o mais estranho é que quando começamos a habituar-nos ao estilo, ele muda para um português corrente, isto porque o livro está dividido em dois estilos: Crónicas e Testemunhos. As crónicas, como sendo relativas à vida do Major que dá título ao livro, são as que estão escritas no português mais arcaico, enquanto que os testemunhos, vindo da parte de diferentes personagens, acabam ainda assim por ser bastante mais corriqueiras. 

Mas como disse, é uma questão de hábito e até gostei desta 'dualidade'. 

Em termos de trama, temos a dita central, sobre o Major Fangueira Fagundes, que na verdade nada mais é que o despoletar de tudo o que se passa em volta. As restantes histórias são auto-suficientes. Relatos de pessoas comuns cuja vida foi de certa forma afectada pelo Major, no dia em que ele decidiu repor a justiça. 

Todos os testemunhos são interessantes e julgo que todos os leitores encontrarão algures nestas páginas uma personagem com quem se identifiquem, tal é a sua diversidade. Pessoalmente identifiquei-me mais com o Empresário e com o próprio Major, mas as restantes personagens também me deram que pensar. 

O que me aconteceu ao ler este livro foi que dei por mim a pensar: Esta gente é mesmo portuguesa.
Depreciativo? Não! Mas a verdade é que todo o livro faz pensar isso, seja pelos actos, pelo estado das coisas, ou simplesmente pelas pessoas. 

É um livro que me deixou a pensar, ou melhor, ponderar. Quem olha o mundo com visão crítica, certamente conseguirá ver neste livro muito assunto de conversa. 

A prosa do autor é fácil de ler, apesar de estar dividida nos dois estilos que mencionei, nenhum é particularmente difícil de compreender. Gostava no entanto de perceber o porquê de as crónicas estarem escritas da forma que estavam. Quem as escreveu? E porque usou tal linguagem quando claramente vive no 'presente'? Outra coisa que gostaria de ter visto na prosa, seria uma maior intimidade com certos testemunhos, como no caso do Jaquité. A linguagem estava demasiado ... lusitana para alguém que nasceu e viveu em Guiné-Bissau. Pelo menos até ao último capítulo, em que tudo mudou um pouco. 

A única coisa que não gostei particularmente foi a repetição de certas ideias. Várias vezes, ao longo das Crónicas e dos Testemunhos, o texto se tornava repetitivo. Eu compreendo que isto seja propositado, mas em determinados momentos tornava-se aborrecido. 

Para terminar, esta foi uma leitura muito agradável, que deu que pensar e que contém em si várias histórias interessantes. Gostei dos sub-textos intrínsecos à narrativa e das experiências do autor (aquele Auto estava muito bom). 

Um autor a revisitar futuramente. 


Comentário de Manuel Cardoso

Depois de Quando o Sol se põe em Machu Pichu e de Os Parricidas, Luís Novais parece ter alcançado a maturidade literária com este “O Heróico Major Fangueira Fagundes com todolos seus anexos”; um grande título para um excelente livro. 

A primeira coisa que me parece bem conseguida neste livro é a sua estrutura: há um narrador à maneira de cronista, que não dispensa uma belíssima linguagem em português antigo e múltiplos narradores/personagens que surgem como autores de anexos. 

Também os nomes dos personagens são escolhidos criteriosamente e com um sentido de humor notável: desde logo Epifânio Fangueira Fagundes: é óbvia a aliteração “Fangueira Fagundes” mas o realce vai para o nome, que aliás é omisso no título da obra: Epifânio. Ele, o nosso herói, é na verdade, pelos actos “heróicos” que realizou, a personificação de uma epifania. Ele nasceu redentor, abençoado pelo Anjo, procurador do Céu “em um auto” vicentino. Por isso ele é Epifânio. 

Um dos aspectos que mais impressiona neste livro é o contraste entre páginas de delicioso humor satírico e outras onde imperam o drama e a revolta interior, numa abordagem crítica e mesmo cáustica ao sistema político e socioeconómico em que vivemos. Um sistema que é um caldeirão de injustiças; um caldeirão que ferve em ebulição permanente, onde o político corrupto, empresário desonesto e o banqueiro ladrão sugam o suor e o sangue do povo. E a escrita de Novais, límpida e directa, surge como a voz de um trovão no silêncio das raivas contidas. Na minha opinião, é esta perspectiva crítica, por vezes descarada, sentida e brutal, que dá uma força extraordinária ao livro. 

Mas esta voz brutal é também a voz (ou o clamor) da Liberdade. Não a liberdade mas a Liberdade! Porque só pode ser Livre quem for Criador. Qualquer conceito de liberdade não passará de uma ilusão se não envolver o acto de criar. Numa perspectiva marcadamente nietzschiana, Novais faz aqui uma clara distinção entre os diversos sentidos que o termo pode envolver: em termos políticos, a liberdade pode ser uma arma, um discurso ou uma ilusão. Assim, na Ocidental Praia, metáfora de Portugal, um país desgraçado, vive um povo nas mãos de políticos pacóvios ou ladrões e revolucionários bêbados. Um país onde a crítica e a capacidade de rir de nós mesmo parece andar perdida desde Oliveira Martins e que Novais (tão heroicamente como Fagundes) parece querer fazer renascer, pela pena de um cronista que poderia chamar-se Luís Fernão Novais Lopes, ou de um Eça revisitado na cáustica dissecação das tropelias do Traques, o político de Cidade Grande. 

Mas para lá da sátira e das alegorias, do livro brotam também sinais de uma angústia latente. A angústia de um passado perdido, que não é pré-sebastianista, mas antes pré-capitalista. E essa angústia está plasmada num belíssimo texto que é o anexo quinto: um hino à natureza e ao homem do Minho profundo. E não é sebastianismo que aqui leio em Luís Novais; é a urgência da renovação; é o apelo à Revolução, não dos capitães nem de majores mas do Homem no seu todo. É de um novo Homem que precisamos; um Homem novo que restaure a Liberdade do ancião de Vilar dos Fornos. 

Este caminho da libertação é o caminho da Utopia, não o da ilusão da Cidade Grande, onde novas escravaturas se emaranham num todo que é o progresso, ou o capitalismo selvagem, ou a tirania do Estado dito democrático. 

E em cada anexo lemos um novo alienado, um tuga comum, homem sem presente que se multiplica por um passado pouco heróico e nada pátrio mas sempre escravizado: pobres anónimos e funcionários amestrados mas também empreiteiros, banqueiros e políticos escravizados às manhas e artifícios com que escravizam os outros: motoristas, bibliotecários, jornalistas, prostitutas, vendedores de seguros ou a licenciada que serve cafés… todos eles dentro da roda dentada onde se moem de tanto girar; nós de um emaranhado de fios de fantoche sem ponta visível. E todos eles cantados em forma de crónica, auto, cantiga de escárnio e maldizer. Todos aprisionados excepto talvez o super-homem, talvez apenas escravo da Liberdade. 

Para lá de tudo isto fica a revolução: a utopia. A esperança. A ilusão de que é feita a vida do comum dos mortais. Mas é essa ilusão, essa esperança, que não morrerá enquanto houver utopias. 

Enfim, estamos perante um livro que nos surpreende e encanta; uma obra que poderá marcar a epifania de um nome que um dia poderemos colocar ao lado dos maiores da actual literatura portuguesa, como José Luís Peixoto, Valter Hugo Mãe ou João Tordo. Assim os deuses da literatura portuguesa (críticos literários e mestres de marketing) o permitam. 


Cometário de Ângelo Marques

"Em um lugar de ocidental praia, decujo nome não consigo recordar-me, não há muito tempo, nasceu aquele que viria a ser um militar valente, ledo e que a plejas nunca se escusava afora as não fundadas em boa ordenação. havia nome de Epifânio fangueira fagundes e haveria honra de major confrome aqui contaremos."

Um heróico major Fangueira Fagundes, único e irreverente, irá levar a cabo uma majestosa revolução no seu pais, num lugar de ocidental praia. Fangueira Fagundes apodera-se dos paços do município da cidade grande, num estado menos sóbrio, o major lidera esta revolta com uma mão cheia de subalternos. A base para esta revolta consiste num repor de justiça muito própria, muito sua, esta revolta torna contornos "bíblicos" e com a ajuda daqueles que sempre vivem na sombra daqueles que se mexem transformam a revolta numa revolução de escala nacional, elevando o major de revoltoso a heróico agente desta pátria de um lugar de ocidental praia. 

Este será o mote inicial para um romance de características únicas lê-se muito fluidamente, isto depois de se implementar no nosso cérebro este estilo de escrita mais arcaica que contrasta com um estilo mais actual, é de um gosto enorme ler este arcaísmo que vai ressoando sempre a um Cervantes. 

Um livro muito pensado e com uma profundidade avassaladora, carregado de mensagens muitas vezes ficam "escondidas" e que o leitor só dará conta passados minutos/horas/dias, personagens com características únicas. Um alerta de Luís Novais para nossa sociedade um grito de alerta para a nossa portuguesidade, o Major Fangueira Fagundes colado ao salvador s. Sebastião que tanto agurados pela sua volta, mas sem o sabermos, todos nós temos um s. Sebastião dentro de nós. 

O livro está dividido entre os capítulos e os anexos, desconexos entre si inicialmente mas que no final um não poderia sobreviver sem o outro. Os capítulos contêm o estilo mais arcaico, mais como uma fonte histórica do pais e da família do nosso herói. Os anexos centram-se nas personagens que completam este enredo literário é um rol de personagens que se perfilam aos nossos olhos num desfile bastante bonito. 

Pode-se falar do jornalista da licenciada da puta do bibliotecário, Alípio S. Marques (o famoso traques), o empreiteiro e até mesmo de Jaquité mas, para mim, ninguém supera o super-homem. 

No livro II encontramos três pós-fechos, que digamos, serão três soluções para este enigma. 

Sinto um amargo nas minhas leituras por não ver o nome de Luís Novais referido entre outros autores portugueses, sinto que merecia estar num patamar de notoriedade mais elevado... ao ler este autor, Luís Novais p.f. fixem deste nome, memórias muito minhas acordaram dum sono profundo fazendo-me viajar, sem um livro não serve para isto para que raio escrever. 

Um livro e um autor que recomendo vivamente.

2 comentários:

Cristina Torrão disse...

Lerei em breve a "Crónica d'Orelhudos", cheia de expetativa ;)

Ângelo Marques disse...

Olá Cristina,
depois avisa onde deixas a tua opinião...
vais gostar, tem selo de garantia :)