15/06/2012

Comentários da leitura conjunta "Os Malaquias" de Andréa Del Fuego

Os Malaquias de Andréa Del Fuego


Ana Nunes

Este, posso dizer, é um livro que começa de forma extraordinária, fecha de forma muito simbólica, mas que peca por o seu recheio ser demasiado insubstancial.

Ou melhor, passo a explicar: "Os Malaquias" conta uma história muito curiosa. Uma história com a qual nos podemos identificar, feita de encontros, desencontros, vitórias e falhas. Isto adicionado a uma certa fantasia que me parece muito sul-americano (espécie de superstições), seria sem dúvida a receita para o sucesso. E na verdade é isso que mantém o livro interessante. 
Contudo a história é contada de uma tal forma que se torna antagónica, quase superficial. Tudo nos é contado, mas nada nos toca. E de tão condensada, de tão raquítica está, que quase se torna aberrante.

Felizmente a escrita é bela o suficiente para manter o leitor agarrado ao livro. Poética em certos momentos e pensada ao pormenor em todas as linhas, há verdadeiras passagens de raro simbolismo nesta obra. Aliás, todo o livro vive de simbolismos e o leitor pode (e deve) perder-se neles.
O que achei curioso foi que esta leitura me relembrou o "Ciranda de Pedra" pois apesar de as histórias serem bastante diferentes, algo na rusticidade dos acontecimentos ligou os dois livros.

Em termos de personagens e por culpa do já anteriormente exposto, este livro pouco fez para tornar as personagens verdadeiramente marcantes. pessoalmente não estabeleci ligação com nenhuma. Vi potencial em várias, especialmente no António mas nem este foi capaz de gerar em mim grande afinidade. Pois assim como a história estava demasiado lapidada, também as personagens sofreram do mesmo flagelo. Já para não falar que senti que o enredo podia ser divido em duas facções: os ricos e espertos, e os pobres e burros. Acho mesmo que não há nenhuma personagem que escape a isto e isso é lamentável. Ou melhor, lá para o final aparecem duas personagens que ficam ricas mas não por esperteza. No entanto os restantes caem todos neste - permitam-me dizê-lo - estereótipo.

No geral este é um livro que tem grade potencial e que me manteve agarrada à leitura, mas que acabou por ser demasiado superficial, demasiado literal e pouco expressivo. Renegando demasiado ao simbolismo e pouco à caracterização.
Ainda assim não se assustem com todos estes senão que aponto, pois no geral foi uma leitura positiva. O início, principalmente, assim como o fim e algumas cenas marcantes pelo meio, valeram pelo resto do livro, mas infelizmente não foi suficiente para fazer desta uma leitura marcante.



Paula Teixeira
Este livro, primeiro chamou-me a atenção pela magnífica capa, depois pelo que é dito na contra capa. É um livro fortemente elogiado, ganhou o prémio literário José Saramago 2011. E por ser muito elogiado, nomeadamente por Pilar Del Rio e José Luís Peixoto fiquei, como se diz por aqui, de pé atrás…... Pois é sabido que muito elogio é também por vezes truque de venda. Todos os livros/novidades nos últimos tempos são "sem excepção" “fantásticos” e de “leitura obrigatória” que já nem tenho em atenção ao que é dito pela crítica.

Mas voltando ao livro, os meus colegas de blogue no Destante, resolveram analisar a presente obra no seu clube de leitura de Braga e eu decidi arriscar nesta leitura e ainda bem que o fiz!

Esta foi uma leitura que se pautou por muitas indecisões a nível de gosto. Primeiro gostei, depois quase detestei e finalmente adorei e fiquei rendida à escrita da autora.

É de facto um livro diferente, afasta-se da maioria que lemos pelo seu conteúdo que vinga pela originalidade. No entanto, como já referi, esta mesma originalidade fez-me duvidar entre o adorar e o odiar a leitura e finalmente decidir-me pelo adorar!

Serra Morena, terra húmida e humilde, como os seus habitantes, gentes do trabalho, gentes da vida. Um raio atinge a casa de Donana e de seu marido, tirando-lhes a vida. Este raio havia de marcar para sempre a vida de Nico, Júlia e António não só com a morte dos pais, mas em todos os seus actos e passos! Os três separam-se fisicamente uns dos outros para mais tarde Nico e António se reencontrarem, porém Júlia será uma constante no pensamento de ambos, mas como “em água turva, as substâncias não se veem” este encontro será sempre uma dificuldade.

Nesta escrita, existe a brutalidade das palavras e das descrições, mas também existem vales dentro de pedras que são uma opção, uma oportunidade para os personagens e um sonho para os leitores. Há também bules que engolem homens e que nos fazem sorrir, há quem consiga fazer-se luz numa lâmpada e colocar-se dentro de um tacho com o objectivo de fazer borbulhar o leite com a sua dança!

O sofrimento é uma constante nos personagens em todo o romance, um romance que se pinta com a cor da terra. O calor e o castanho foram para mim uma constante nesta leitura.

ADOREI! Recomendo!



Ângelo Marques
Um livro que nos conta a vida de uma família, Os Malaquias, mais propriamente de três irmãos que ficaram órfãos quando um raio fulminou os seus pais, e aqui bem no início temos a um pequeno excerto da extraordinária prosa da Andréa del Fuego, ..."O coração do casal fazia a sístole, momento em que a aorta se fecha. Com a via contraída, a descarga não pode atravessá-los e aterrar-se. Na passagem do raio, pai e mãe inspiraram, o músculo cardíaco recebeu o abalo sem escoamento. O clarão aqueceu o sangue em níveis solares e pôs-se a queimar toda a árvore circulatória. Um incêndio interno que fez o coração, cavalo que corre por si, terminar a corrida em Donana e Adolfo.

Nas crianças, nos três, o coração fazia a diástole, a via expressa estava aberta. O vaso dilatado não perturbou o curso da electricidade e o raio seguiu pelo funil da aorta. sem afetar o órgão, os três tiveram queimaduras ínfimas, imperceptíveis." (pág.. 11).


Assim os três irmão, Nico, Júlia e António que se vêm privados de uma autoridade parental seguem caminhos diferentes, Nico é acolhido por Geraldo dono de uma fazenda, homem rico e poderoso, por seu lado Júlia e António são entregues num lar de freiras francesas para posterior adopção.
Com esta divisão de vidas se inicia este romance repleto de desencontros e de poucos encontros. Nico trabalha para Geraldo mas ambos têm que se mudar pois a aldeia onde vivem será submergida com a chegada da hidroeléctrica, mais uma mudança na vida das personagens. Júlia é adoptada e vai trabalhar para Leila, senhora rica que assim vai substituindo as suas empregadas, mas António que se descobre ser portador de nanismo irá permanecer na instituição por um longo período de tempo.

Um livro repleto de acontecimentos "fulminantes" alguns parecem mesmo surgir antes de o raio atingir o solo outros desaparecem no sentido inverso do raio, e são estes hiatos imaginários que me levam a não classificar este livro como uma das melhores leituras deste ano. Andréa lapidou em demasia o livrou removeu tudo o que é supérfluo para ela e deixou o leitor por vezes suspenso no ar sem rede de suporte. 

Contrariamente a isto Andréa não sabe escrever mal, dona de uma prosa excepcional o uso de metáforas é realmente muito bom, só por este aspecto o livro vale a pena ser lido e muitas partes relido. 

Um livro pautado pela irreverência ou pela diferença onde o choque inicial leva o leitor a adorar o livro, os momentos seguintes são de uma apatia e relutância culminado num final mais poético que apoteótico.
Um livro de uma vida para Andréa del Fuego, recomendo vivamente o livro mas com estado de espírito muito aberto e receptivo a novidades. 



Manuel Cardoso
Os Malaquias é um livro curioso. Com um aspeto gráfico original e atraente, com um formato aparentemente facilitador da leitura (capítulos curtos), depressa, no entanto, nos deixa presos à página, muitas vezes tendo de voltar atrás e reler, tal é a complexidade da escrita. À partida, o enredo é simples e claro. Mas a linguagem de Andrea del Fuego torna-se complexa devido ao excesso de sintetismo. Fica a ideia que autora quis cortar tudo o que fosse excessivo e acabou por nos deixar apenas um esqueleto da estória e pouco mais que isso. 

No entanto, comecei este comentário pelo lado menos positivo do livro; porque as suas qualidades superam, a meu ver, em muito, estes eventuais defeitos.

Em primeiro lugar, fico com a sensação de que este livro é uma pedrada no charco da atual literatura brasileira ou mesmo na sua história. Do que me é dado conhecer, encaro a literatura do Brasil como essencialmente urbana. Desde Machado de Assis até à atualidade, os grandes escritores brasileiros afastam-se claramente do mundo rural. É a esse mundo rural que Andrea del Fuego se dirige neste livro; um mundo de pobreza, injustiças e, essencialmente, em conflito com a própria terra. De facto, não há aqui uma ideia de ligação à terra mas sim de afastamento, de conflito. As personagens do livro parecem fugir da terra; estão em constante viagem: depois da morte do casal Malaquias, atingido por um raio, os seus três filhos separam-se. O mais velho é adotado pelo proprietário do latifúndio, o do meio é adotado pelas freiras e ficará anão. A mais nova, Júlia, permanecerá em trânsito; ela simboliza essa fuga permanente que é a vida. No final do livro todos eles procurarão essa fuga; todos enveredarão por uma viagem de que não se conhece o destino mas que parece ser, ela própria, o destino final das personagens. 

A vida é vista como uma viagem; “toda a gente que espera vem para o porto”, diz Eneido, o homem da caverna que espera o navio onde todos embarcarão; uma caverna de onde se podem ver as sombras da verdade, como em Platão, mas também a caverna de onde se partirá para a última viagem, que redimirá o mundo.

Voltando ao enquadramento de Del Fuego na literatura brasileira, podemos dizer, com algum arrojo que o seu estilo fará lembrar a linguagem crua e fria de J. Ubaldo Ribeiro em O Farol; no entanto, é dos Buendia de Garcia-Marquez que nos lembramos ao ler este livro, na tradição do realismo fantasioso e encantado da boa literatura sul-americana. 

A linguagem de Del Fuego é profundamente poética e simbólica, com uma beleza por vezes arrasadora. Uma linguagem rural, popular e poética, com uma economia de palavras por vezes exagerada: “Nico a viu, e mais nada, o resto da noite…” é uma frase que exprime toda a poesia de um encontro fatal e, ao mesmo tempo, resumida de uma forma extrema.

3 comentários:

Tiago M. Franco disse...

É curioso, o facto de a autora deixar só o essencial é um dos factores que mais apreciei na obra. Nesse aspecto fez-me lembrar outro Prémio José Saramago, Gonçalo M. Tavares.
Tal como o Manuel acho a escrita bastante complexa. Não considero este livro uma obra de arte, mas é sem dúvida um bom livro. Fico a aguardar pelo próximo…

Paula disse...

Esta foi uma leitura que me causou muitas sensações contraditórias! Gostei!
É bom quando um livro mexe connosco desta forma :D

Luís Miguel disse...

Pessoalmente, acho que a fasquia foi colocada alta de mais. A escrita é diferente e causa estranheza a princípio, pode ser que queira simbolizar essa passagem efémera que é a vida. Não posso dizer que não gostei mas esperava mais.