02/08/2012

O Teu Rosto Será o Último (Ana Nunes)

 "O teu rosto será o último", de João Ricardo Pedro

Opinião (Ana Nunes):
Com tanta azáfama em torno deste livro, a curiosidade estava aguçada.
A história tem vários pontos de interesse, passando-se em várias épocas mais ou menos recentes da história do nosso pais. Apesar de não ser cronologicamente precisa na maior parte do tempo, ou seja, não especifica em que período uma determinada cena ocorre, alguns dos eventos verídicos que nos são relatados são facilmente identificáveis e o autor incorporou-os bem nas cenas e nas personagens.
Infelizmente, para aquele que pretendia ser, julgo eu, o relato da vida de uma família e dos que os rodeiam, acabou por se tornar mais uma história sobre os que os rodeiam e muito pouco sobre a família em si.
Enquanto que somos apresentados a uma panóplia de pormenores sobre a vida de personagens que desaparecem em três ou quatro páginas, de Duarte e seus pais pouco sabemos.
E apesar de ter gostado do facto de o autor não desvendar todo o mistério por inteiro no final, a verdade é que, infelizmente, tudo ficou por desvendar. Há mistérios em que o autor faz do leitor um 'burro' (perdoem-me a expressão) e lhe diz tudo, até o óbvio. Aqui passa-se um pouco o contrário. O autor não nos dá pistas quase nenhumas, e certamente não dá suficientes para desvendar o mistério, mas assume que o leitor o desvendará. Ou será que fui só eu que não percebi o porquê da loucura do pai de Duarte?

No respeitante à personagens, confesso que gostei de algumas e gostaria de ter visto mais desenvolvimento da maioria. Mas o suposto protagonista, Duarte, foi tão pouco desenvolvido que cheguei ao fim da leitura sem o compreender ou simpatizar com ele, tal como aconteceu com o seu pai e com a sua mãe (e o que lhe aconteceu surgiu, literalmente, do nada). Assim fiquei com a sensação de que conheci mais as personagens que só apareceram num capítulo do que aquele que, supostamente, acompanhei o livro todo.

Voltando-me agora para o estilo de escrita, este livro é aquele tipo de literatura que gosta de ser muito bonita e limada mas que no fim está tão alisada que perde alguma consistência. Apesar de reconhecer o estilo do autor ao longo de toda a obra, a verdade é que ele tentou tantos artifícios narrativos diferentes que chegou a ser um exagero. Muitos momentos houve em que senti que estava a ser uma lista e não um romance (e não me refiro apenas ao 1º capítulo da 5ª parte, que apesar de me ter aborrecido, acabou por ser de certa forma compreendido, visto o estado emocional da personagem).
Outra coisa da qual não gostei especialmente foi o uso de palavrões que apareciam de repente no meio do texto sem qualquer lógica que não fosse só para dizer algo badalhoco. De repente, numa personagem que nunca antes mostrara sinais de dizer palavrões: Pumba! Lá vinha um, sem mais nem menos.
Apesar disso gostei de vários momentos do livro e tenho vários excertos assinalados.

No geral este foi um livro que, apesar de estar longe de ser o que gostaria que fosse tem alguns momentos bons  e outros mesmo muito bons, que no geral foi uma leitura agradável.
Gostei do final, mas achei-o demasiado aberto e para quem gosta de finais abertos, como é o meu caso, julgo que isso diz tudo.
Se o autor decidir publicar outro romance, talvez o leia, mas este não é um livro que eu possa dizer que recomendaria a qualquer um.

3 comentários:

Cristina Torrão disse...

Interessante, ter focado esse aspeto de simpatizar, ou não, com as personagens. Ainda não tinha pensado bem nisso e, apesar de ter gostado da escrita de João Ricardo Pedro, também não posso dizer que tenha simpatizado com alguma das personagens.

Sílvia Mota Lopes disse...

foi o último livro que li e gostei, mas não posso dizer que gostei muito.
concordo com " os palavrões" que apesar de serem uma realidade, não fazem parte da minha....a loucura do pai do Duarte...é compreensível...quem é que não fica "louco" depois de ter estado no ultramar...uns ficam loucos outros não...mas deixa marcas físicas e psicológicas e os "pesadelos" são uma constante na vida de quem esteve lá.

Ana C. Nunes disse...

Sílvia, eu sei que a guerra marca todos que dela voltam (tenho familiares que também por lá andaram) e não é isso que me espante. O que faltou foi uma razão do porquê da loucura extrema do pai dele e do porquê de ele aceitar o final do pai (a ponto de auxiliar). Afinal a única cena que nos é narrada da guerra não mostra nada de particularmente traumatizante. Porque não escolher uma cena que vincasse a posterior loucura do pai?