Sinopse:
As histórias que neste livro se contam, aparentemente sem
conexão entre si, unem-se num final surpreendente. A linguagem é despretensiosa
e simples, mas polvilhada de ironia (faz lembrar Eça de Queiroz, sem dúvida).
Os personagens são únicos, autênticos e tendencialmente queirosianos — gente
comum, com as suas fraquezas e vícios, e com a grandiosidade dos seus sonhos.
Os enredos absorvem-se de um fôlego e a narrativa, descomplicada, revela grande
humanismo (faz lembrar, agora, o que de melhor a literatura sul-americana nos
oferece). Enfim, histórias que divertem pelo que têm de caricato e inesperado,
mas que deixam uma réstia de inquietação no leitor, que inevitavelmente há-de
rever-se em muitas delas, eis o que encontramos nesta obra.
Comentário:
A literatura portuguesa está cheia de olhares nostálgicos e
entristecidos para o passado; este livro, pelo contrário, abre com um olhar
nostálgico e entristecido para o futuro. É um olhar revoltado para um futuro
onde as empresas controlam os indivíduos, roubando-lhes o sonho e até o sono;
um mundo que é uma espécie de utopia invertida…
No entanto, este primeiro conto, uma espécie de exercício de
ficção científica, rapidamente dá lugar a outros tons, bem mais coloridos.
No pós 25 de Abril, Fernando não passa de uma criança mas
assume-se como comunista; vermelho como o Benfica. Na idílica Zambujeira do Mar
assistimos à volta à Zambujeira em caricas e outras matreirices pueris, cheias
de imaginação e humor.
A escrita de Évora sabe a terra. Sabe a povo. O estilo,
claro, límpido, permite-nos viajar com ele ao correr das linhas, numa espécie
de encenação que cada página compõe, como se se tratasse de um filme.
Numa época em que a literatura portuguesa está pejada de
escuridão, de personagens sombrias que ilustram visões negras do mundo, é bom
saborear uma obra como esta, em que as personagens respiram a bondade humana, o
lado solar da vida.
Por detrás de cada personagem há um ser humano completo,
pleno de futuro. Até os “mesquitosos” – uma espécie herdeiro dos antigos bufos da
PIDE, de denunciadores e que vivem à custa da miséria alheia. Trata-se de um
tipo de ser humano algoi peculiar que, nestes tempos de União europeia se
dedicam à vilanagem que por aí vemos. Apetece dizer que Portugal está cada vez
mais cheio de “mesquitosos”. Digo eu. Mais requintados que os do livro, é
claro… sim, porque no livro, ser mesquitoso é muitas vezes mais uma questão de
aparência e, nesse caso, a condenação popular é fatal mesmo que tal condição
seja apenas virtual. O preconceito faz entrar em cena a xenofobia, disfarçada
de justiça.
Um dos aspetos mais interessantes deste livro é um
verdadeiro encantamento que a escrita nos provoca por via do uso da linguagem
popular, se bem que muito cuidada, divertida, clara e cheia de sentido de
humor. Mas o humor, aqui, não é um mero recurso estilístico; é quase uma
filosofia de vida – é uma forma de encarar o mundo que, decididamente, nos
deixa mais felizes.
Na verdade poucos como Fernando Évora conseguem exprimir
este espírito positivo sem prescindir do espírito crítico e de uma certa
“intervenção social”, em que Évora não deixa de apontar os grandes males deste
viver português.
Num tempo tão cinzento como o que agora vivemos faz bem ler
um autor que, imagino, escreve com um sorriso igual àquele que nós estampamos
no rosto quando lemos o livro. São 128 páginas que passam a voar, que se
folheiam, saboreiam e digerem com um prazer requintado. E que nos deixam, ainda
assim, com um imenso apetite para mais…
Serão sempre possíveis o amor e a liberdade. É com esta
mensagem bem positiva que percorremos o último capítulo, um texto deveras
surpreendente, em que o autor envereda, de forma genial por um “tête-à-tête”
com o leitor, num enredo cheio de criatividade e em que vários personagens,
provenientes dos diversos contos, se encontram neste grande final, num desfecho
em que os livros são o mote e a liberdade o tema.
Para terminar gostava apenas de dizer ao narrador que é este
o valor da ficção: dar à vida o tom de esperança e de sonho que não existe na
realidade. Para que o faça saber ao Melguinha.
E não é com o tom sóbrio das últimas frases que Fernando
Évora engana a verdade que explanou ao longo da obra: todo o livro é retrato
positivo da vida.
O amor e a liberdade são inexoráveis como a Primavera de
Neruda.
(também publicado em http://aminhaestante.blogspot.pt/)
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