11/02/2013

Leitura conjunta, Jesus Cristo bebia cerveja de Afonso Cruz

Jesus Cristo bebia cerveja de Afonso Cruz

Sinopse 
Uma pequena aldeia alentejana transforma-se em Jerusalém graças ao amor de uma rapariga pela sua avó, cujo maior desejo é visitar a Terra Santa. Um professor paralelo a si mesmo, uma inglesa que dorme dentro de uma baleia, uma rapariga que lê westerns e crê que a sua mãe foi substituída pela própria Virgem Maria, são algumas das personagens que compõem uma história comovente e irónica sobre a capacidade de transformação do ser humano e sobre as coisas fundamentais da vida: o amor, o sacrifício, e a cerveja. 

Ângelo Marques 
Este livro conta a história de Rosa, uma jovem, e do seu ensejo em concretizar o desejo da sua avó Antónia, sempre com a ajuda do malogrado professor Borja. Uma aldeia alentejana, comprada e recheada por uma tal de Sra. Whittemore, serve como pano de fundo para este enredo. 

Uma história de uma Alentejo rocambolesco de contornos suspeitos. 

Com uma prosa engenhosa Afonso Cruz consegue dar ânimo a um livro com pouco enredo, ou melhor o enredo é suplantado pelo fantástico poder textual, sintético, filosófico e irónico do autor. 

Uma crónica como contornos neorrealistas, a fuga da aridez alentejana para a dureza da capital. Uma obra de linhas bem construídas. 

Um final de "boca" sem emoção. 

Algumas passagens do livro:
“e esse povo por vezes tem razão, exceto nas urnas, ai nunca acerta” pág. 98 
“..., uma flecha em direção ao alvo que os mortos que ainda são vivos chama de morte.” pág. 162 
“é uma santa que se esqueceu do céu” pág. 247 


Manuel Cardoso 
A leitura deste livro, no âmbito do clube de leitura da Bertrand de Braga, deixou alguma perplexidade. Por um lado, é um livro de leitura muito agradável. Por outro, deixa um certo desencanto. Talvez o encanto esteja no estilo e o desencanto no encaminhamento que o autor deu ao enredo. Talvez se esperasse algo mais credível. 

Um dos aspetos em que o livro é muito bem conseguido é na caraterização dos personagens: 

Rosa, a força bruta da terra; a candura de uma criatura simples, ingénua, vítima de um destino nefasto. O Professor, um incompreendido; uma vítima do mundo materialista e pragmático em que vivemos; a personificação do fracasso do mundo das ideias. O Sargento Oliveira é o que resta do velho Portugal: brutamontes, ignorante, cultiva um poder que julga superior e que justifica a sua prepotência. Antónia é a mulher do povo, que nunca perde a capacidade de sonhar, embora vivendo mergulhada na ignorância; ir a Jerusalém foi um objetivo de vida. O sonho comanda a vida e a vida alimenta o sonho até que ele se concretize. Miss Whittemore, a inglesa que “colonizou” um monte alentejano, é a mecenas; a mulher estrangeira que traz a civilização a este Portugal rural. 

Este livro vem complementar uma tríade de obras completamente diferentes umas das outras. Depois de um algo obscuro “A Boneca de Kokosha”, este livro é uma lufada de ar fresco, uma obra divertida sem perder a grandeza de um enredo muito bem elaborado. É um retrato profundo e muito sério do Alentejo, mas também de toda uma ruralidade, nas suas virtudes ingénuas mas também na ignorância e num certo obscurantismo. 

O estilo de Afonso Cruz, fundado sobre frases curtas e diretas, permite uma leitura agradável de onde sobressaem ideias claras, plasmadas em frases de uma beleza literária indiscutível, onde o humor de uma espécie de filosofia do trivial se mistura com a arte de transformar a vida num conjunto de aforismos: 

“Tal como é possível não pisar a merda, é possível dar a volta ao impossível” 
“Se o trabalho desse dinheiro, os pobres eram ricos” 
“A loucura, quando dá a um grande número de pessoas, chama-se sociedade contemporânea” 
“Deus está na barriga dos esfomeados” 

O final do livro, na minha opinião pessoal, perde um pouco pelo exagero da situação criada. No entanto é desfecho surpreendente, cheio de criatividade literária. 


Ana Nunes
Apesar de já ter lido alguns contos e um livro do autor, não sabia muito bem o que esperar deste "Jesus Cristo Bebia Cerveja", já que era o primeiro trabalho de Afonso Cruz que leio sem ter fantasia pelo meio. É ficção na mesma, mas num registo um pouco diferente. 

No início adorei este livro; a forma como estava escrito, as suas personagens e as suas mentalidades de habitantes de aldeia (fora os que se armavam em filósofos); mas depois, aos poucos, o livro foi descendo de nível até se tornar num estudo de sexismo e mentalidade retrógrada. Isto teria sido bem mais interessante se não fosse levado a extremos. 

A cerne da história é boa, o seu início é fabuloso e o seu fim é mais que digno (excepto aquele último capítulo que foi um pouco demais). Por outro lado, do meio para a frente, a história tornou-se banal e revoltante. Uma revolta que não é das boas. 

Lembro-me que foi mais ou menos este o sentimento com que fiquei em relação a Os Livros que Devoraram o Meu Pai, do mesmo autor, o que poderá indicar um padrão, para mim enquanto leitora. 

Em relação à personagens, as pequenas coisas que as distinguiam no início do livro, foram-se perdendo lá pelo meio, até que, já muito perto do final, elas se foram misturando e transformando numa massa indistinta de homens tarados e mulheres badalhocas (perdoem-me os termos). Mas, tal como em relação à trama, também no fim muitas das personagens se redimiram e voltaram a separar-se da personalidade una. 

Uma coisa que me incomodou um pouco ao longo do livro, foi a falta de definição temporal. Por um lado temos coisas bastante modernas e, por outro, as personagens comportam-se como se fossem dos anos 60 ou antes. Não parece verossímil que seja moderno mas também não parece ser de há umas décadas atrás e essa indecisão não joga a favor do livro. 

A escrita do autor agradou-me, pois é crua, por vezes até desconfortável, mas também muito própria. No entanto acho que divagou demasiado em filosofias e os diálogos transformavam-se quase sempre em monólogos existencialistas, fosse qual fosse a personagem em cena, o que era no mínimo estranho. 

Este livro lê-se muito bem e tem momentos absolutamente excepcionais, mas também tem alguns que me fizeram bradar aos céus. É um livro interessante, mas não é tão bom como o início prometia, nem tão bom como o final merecia. 

1 comentários:

Unknown disse...

Meus caros,
como já tinha tido oportunidade de expressar no blogue do Manuel, achei as vossas opiniões bastante interessantes mas não me parece que opte por ler esta obra.
Afinal há tantos livros e o tempo é tão pouco que não me permito partir para nenhum livro sem a mínima esperança que este venha a ser um dos livros da minha vida. Neste caso não me parece...
Boas leituras a todos.
:)