06/02/2014

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


MADALENA – PARTE I


Assim que enfiei o vestido de alças que a minha madrinha me tinha oferecido na Páscoa e prendi o cabelo com dois totós perfeitamente simétricos, sentei-me a ver os “Morangos com Açúcar”. A nova série, a vigésima sétima - férias de Verão em época natalícia - estava a ser uma seca. Já não havia amassos nem maluqueiras como antigamente.
Depois apareceram em cena três actores famosos. E aí passei-me. Eu estava habituada a ver desconhecidos a representarem tão mal que parecia que eu estava a falar com os meus próprios amigos. Era lindo, dessa forma. Fazia-nos sonhar que qualquer uma de nós poderia aparecer na TV. Por isso, quando detectei os famosos atirei-me à televisão. Esbofeteei-a, mordi-a, pontapeei-a e atirei-a ao chão.
Ah, e injuriei o maldito aparelho só porque contrariava a minha vontade.
Devo ter feito muito barulho porque a minha mãe apareceu de imediato na sala. Perguntou-me o que tinha acontecido para estar a agir daquele modo. Eu sorri e dei-lhe o mesmo tratamento a ela. A Lucrécia - assim se chamava a minha mãe - ficou no chão, a sangrar do nariz, e ainda lhe dei com uma joelhada na cabeça quando se tentou levantar.
Peguei no meu casaquinho de ganga e saí. Antes de fechar a porta disse-lhe que não contasse comigo para o jantar, pois tinha planos para aquele final de tarde. Ainda soltou um “hã?” mas fiz de conta que não ouvi, imaginando que talvez tivesse acabado de lhe rebentar com o outro tímpano. E só lhe restava aquele, porque no Verão passado tinha-lhe dado cabo do outro, depois de me ter dito que não podia ir ao cinema por se tratar da última sessão.
Enquanto percorria a rua, não evitei as velhas que se cruzavam comigo e fui-lhes dando pequenos encontrões com o ombro. Todavia, desviei-me daqueles que pareciam mais fortes do que eu.
E fui pensando no padre Cardoso, aquele que me havia confiado uma missão.
Só o deixei em pensamentos quando entrei no tasco mais frequentado da terra. Entrei e olhei em meu redor. Falava-se de futebol, de carros e de subsídios, mas todos se calaram à minha passagem. Parei no meio do espaço e inquiri bem alto: “Quem, daqui, é o Jaime?”
O gajo lá acabou por se levantar. E disse-lhe que me seguisse. Eu já sabia quem ele era, mas sempre quis invadir dessa forma um espaço cheio de gajos e ordenar que um deles me acompanhasse. E assim foi.
A meio do caminho ele perguntou-me se íamos para a casa dele ou para a minha. Sorri sem responder. Acabei por levá-lo para igreja que continuava desocupada desde que o padre Cardoso tinha batido a bota.
Entrámos e sentámo-nos na primeira fila, mesmo em frente ao altar, perante a curiosidade de Jesus Cristo, que nos olharia de frente se eu não lhe tivesse arrancado os olhos na noite anterior com o punhal que guardava na minha bolsinha da Sininho.
“Afinal, o que queres miúda?”
“Matar-te.”
“Porquê?”
“Foi um pedido expresso do padre Cardoso.”
“Como? O gajo foi desta para melhor.”
“Pediu-me para o fazer antes de morrer.”
“E só por causa disso vais matar-me? Se ele te pedisse para comeres fígado cru de um porco espinho alcoólico, tu farias?”
“Não. Claro que não.”
“Então porque obedeces se não queres fazê-lo?”
“Não disse que não queria matar-te, disse que não era por causa dele que o fazia. O padre Cardoso é apenas uma forma de justificar as minhas acções.”
“Como assim?”
“Na verdade, vou matar-te por outro motivo.”
“Qual?”
“Lembras-te quando cravaste a garrafa no teu melhor amigo?”
“Sim. És filha dele, é isso? És a Clarinha?”
“Claro que não, idiota. Sou sobrinha-neta da mulher que liga as máquinas da linha de enchimento da marca de cerveja que tu usaste para ferir o teu amigo.”
“E?”
“E até hoje ela não se perdoa por isso. Está num asilo. Ela acredita que se não tivesse ligado a máquina tu não possuirias a garrafa que usaste para desferir o golpe.”
“O quê? É louca, essa mulher.”
“Dizem que é de família.”
Nesse instante calei-me e vi no seu olhar que o medo se apoderara dele.


3 comentários:

Guiomar Ricardo disse...

Madalena...será a Arrependida?!...Que nos prepara desta vez o Vasco?

macy disse...

Ai Jasus! A miuda é fogo!!!!!!!!
Teresa Carvalho

Cristina Torrão disse...

Ora, aqui está uma miúda decidida...