13/05/2015

Escritores na Primeira Pessoa - Nuno Nepomuceno



Odete - Fale-nos um pouco sobre si.

Nuno - Chamo-me Nuno Nepomuceno, tenho 37 anos, sou natural das Caldas da Rainha, trabalho como controlador de tráfego aéreo no aeroporto de Lisboa e tenho a escrita como actividade paralela. Esta entrevista está a ser realizada porque em 2012, o meu primeiro romance, O Espião Português, foi anunciado como o vencedor do Prémio Literário Note!, uma iniciativa do Grupo Sonae que contou com o apoio da revista Lux Woman e do Grupo LeYa, que mais tarde editou o livro através das Edições ASA. Sou ainda autor da crónica «Como fazer um amigo instantâneo. O guia prático.» e do conto de Natal «Redenção», ambos publicados electronicamente. Um outro conto, de nome «A Cidade», integrará a colectânea Desassossego da Liberdade, coordenada por Sofia Teixeira, e será editado nos próximos meses. Em Maio deste ano, publiquei A Espia do Oriente através da TopBooks, a nova editora com que me encontro a trabalhar, agora em regime de exclusividade. Gosto bastante de praticar desporto e tenho a leitura e a jardinagem como restantes hobbies.

Odete - Quando começou a sentir o gosto pela escrita? E em que altura da sua vida é que sentiu que queria ser escritor?

Nuno - Sempre gostei de escrever. Desde pequenino que a minha parte favorita dos testes de Português eram as redacções. Recordo-me de alguns episódios algo caricatos acerca da minha infância. Adorava pregar mentiras e fazia-o constantemente aos meus vizinhos, o que deixava os meus pais muito envergonhados. Actualmente, ganhei emenda, mas acho que este facto curioso indiciava já que eu tinha alguma imaginação e adorava colocá-la em prática quando tinha a oportunidade. Não sei dizer ao certo quando é que comecei a acalentar o sonho de escrever. Talvez por volta do início da universidade. Fui um adolescente com um apetite voraz por livros. Ia frequentemente à biblioteca e trazia para casa cerca de três por semana. E acho que houve um momento a partir do qual comecei a pensar sobre como é que seria estar do outro lado,  ter o poder de mandar nas personagens e utilizá-las para mexer com o imaginário das pessoas. É isso que procuro hoje em dia, ou seja, emocioná-las.

 Odete - Que autores portugueses tem lido? E estrangeiros?

Nuno - Essencialmente, os que mais se aproximam do género em que me insiro, como José Rodrigues dos Santos e Luís Filipe Rocha. Tanto um como outro são exemplos a seguir em termos de carreira. No que toca aos estrangeiros, a lista e os gostos são mais variados. Daniel Silva, Ken Follett, Stieg Larsson, Nicci French, Anne Holt, Gillian Flynn, Robert Galbraith, mas não só. De vez em quando, gosto de variar e aventuro-me para fora do género policial. Também leio Carlos Ruiz Zafón, Christopher Paolini e Juliet Marillier, por exemplo.

 Odete - Que autores influenciam a sua escrita?

Nuno - O meu grande exemplo é Daniel Silva. Trata-se de um autor que admiro. Tem conseguido manter-se relevante ao longo dos anos, apresentando sempre livros de grande qualidade e excelente valor comercial. Partilhamos o mesmo subgénero literário, isto é, o policial de espionagem, embora não me considere um imitador ou sequer um seguidor do seu trabalho. Existe uma influência porque o respeito, mas as comparações param aí. Considero ter uma identidade própria.

 Odete - Onde é que o Nuno se inspira para escrever?

Nuno - Não é preciso muito, na verdade. O Espião Português foi o fruto de tudo o que já existia dentro da minha cabeça, ou seja, daquilo com que andei a sonhar fazer antes de tomar a decisão de o tentar escrever. Estou a referir-me a ideias soltas, pequenos conceitos, que depois moldei e utilizei de modo a construir um livro coeso. Actualmente, é um pouco diferente. Já adquiri experiência, estou mais maduro, e utilizo outros recursos. A Espia do Oriente foi inspirado na capa de uma revista de viagens. Ia a passar numa tabacaria, vi a fotografia de uma ponte envolta em nevoeiro, e pensei que tinha de colocar o André ali. Acabei por escolher outra ponte que não aquela, mas fui fiel à ideia original. Quem ler o livro e esta entrevista vai perceber do que estou a falar. Já o terceiro volume da trilogia está a ser inspirado num discurso de guerra de Winston Churchill.

Odete - Como surgiu a ideia e oportunidade de escrever esta trilogia?

Nuno - A ideia surgiu do desejo de escrever e dos gostos que tinha e continuo a ter na qualidade de consumidor. A espionagem é o meu género literário e cinematográfico preferido e, quando decidi escrever um livro, considerei que seria preferível manter-me fiel às origens e enveredar pelo género que conhecia melhor. A oportunidade resulta do prémio que venci em 2012. Esse foi o ponto de partida. Eu terminei O Espião Português no início de 2011 e, a partir daí, fui sistematicamente recusado por todas as editoras do país. A vitória no concurso organizado pela Sonae acabou por surgir numa altura em que já tinha decidido ir tentar a edição independente. Felizmente, deram-me uma oportunidade, que tenho tentado aproveitar. O livro acabou por se tornar num sucesso algo inesperado, sobretudo, e na minha opinião, por ser completamente diferente do que é habitualmente escrito por cá, o que me tem aberto algumas portas. O contrato exclusivo com a TopBooks vem exactamente daí. Quando começámos os primeiros contactos, eu já tinha algumas provas dadas.

 Odete - Qual a música que escolheria para O Espião Português? E qual escolheria para A Espia do Oriente?

Nuno - No caso de O Espião Português, Am I am, de Alicia Keys. Trata-se de uma música instrumental e que serve de introdução ao álbum com o mesmo nome, datado de 2007. Quando a ouvi pela primeira vez, achei que sintetizava bastante bem não só a essência de André Marques-Smith, o protagonista, bem como de todo o livro. Começa com um excerto de Nocturne, de Chopin, que depois é substituído por uma batida tecno e r&b. E é esta fusão de elementos que está bem patente nos dois. André é uma personagem com valores tradicionais bem enraizados, como honra e família, apesar de estar plenamente integrado na sociedade contemporânea. O mesmo se passa com os cenários onde o livro decorre. Tão depressa somos transportados para o Palácio Real Sueco, como para um vanguardista clube nocturno em Viena de Áustria.
No caso de A Espia do Oriente, diria Happy Valley - The 1997 Re-unification Overture for Violin, Orchestra and Chorus, de Vanessa-Mae. Trata-se do hino da passagem da administração britânica de Hong Kong para a China e mistura uma composição ocidental com percussão oriental. Aliás, a própria personagem central do livro foi fisicamente inspirada numa fotografia de um álbum desta artista. É daí que vem o célebre cabelo negro com madeixas azuis. Esta música irá integrar um dos capítulos do último volume da trilogia.

Odete -  Como sente que os leitores receberam a sua obra?

Nuno - Não me posso queixar. Estou mesmo bastante contente com a forma como tenho sido acolhido pelas pessoas em geral, bem como com os resultados comerciais do livro. Para os padrões nacionais, O Espião Português pode ser considerado um best-seller. Trata-se de um livro que entre a primeira edição da ASA e a recente reedição da TopBooks já vendeu mais de 4000 exemplares, o que é notável para uma primeira obra, nomeadamente, se pensarmos que está inserido num género que não é muito popular em Portugal. Claro que continuo a querer crescer. A Espia do Oriente traduz exactamente essa intenção. O público apresenta sempre alguma desconfiança em relação ao primeiro livro de um autor. Não o conhece e, naturalmente, receia perder o investimento que tem de fazer naquilo que teme poder vir a ser um mau produto. Mas espero conseguir convencer mais leitores à medida que for publicando mais livros. A regularidade será uma boa aliada.

 Odete - Que importância atribui à blogosfera literária?

Nuno - Acho que a sociedade contemporânea tem mudado imenso nos últimos anos. Utilizamos cada vez mais as novas tecnologias e a internet no nosso quotidiano e com maior facilidade. Os blogues literários, ao encaixarem-se neste universo, são extremamente importantes porque são muito acessíveis ao público. Na maior parte dos casos abordam os livros de uma forma menos elitista do que um crítico literário que colabora com um jornal. Escrevem sobre livros que as pessoas realmente lêem e encontram à venda nas livrarias, o que é muito importante. E há sempre a questão do arquivo digital. Se eu descobrir um autor de que gosto e começar a ler as suas primeiras obras, muito mais facilmente encontrarei algo escrito sobre elas num blogue, do que num jornal, cujas edições online não são totalmente gratuitas.

Odete -  Qual considera ser a sua maior qualidade e vulnerabilidade como escritor?

Nuno - Esta é uma pergunta algo difícil de responder. É complicado dizer o que temos de bom ou mau porque há sempre muita subjectividade em tais afirmações, mas acho que o género onde me insiro é simultaneamente o meu maior ponto fraco e forte. Ainda existem alguns preconceitos em Portugal em relação à chamada escrita comercial, sobretudo, quando vem de um autor nacional. Os leitores mostram-se algo cépticos e preferem um livro de um escritor estrangeiro, apesar de não o conhecerem, mas apenas porque vem de fora do país. Por outro lado, ao estar numa espécie de nicho de mercado, marco pela diferença, o que pode ser uma vantagem. Tento utilizar formas narrativas alternativas ao que está instituído, como analepses ou cortes abruptos, bem como algumas imagens visuais muito fortes, acrescidas de um ligeiro grafismo, de modo a provocar uma maior impressão mental no leitor. O objectivo é não ser apenas mais um.

Odete -  Há alguma obra a que possa chamar “o livro da sua vida”.

Nuno - Há livros que me marcaram mais do que outros, quer por ter gostado muito de os ler, como por me terem transmitido uma mensagem importante. É o caso de Os Pilares da Terra, de Ken Follett, ou O Estranho Caso do Cão Morto, de Mark Haddon. Mas, por enquanto, O Espião Português é o livro da minha vida. Apesar de ter uma outra actividade, considero que neste momento escrevo de forma profissional. Os meus livros estão a disputar tops de vendas com autores bastante reconhecidos e aplaudidos, o que tem mudado um pouco a minha vida. E isso devo-o ao meu primeiro romance.

Odete - Segue um plano disciplinado, com horários específicos para a escrita, ou aproveita a livre fluidez das ideias?

Nuno - Procuro seguir um plano que me proporcione um método de trabalho regular, ou seja, tento gerir o meu tempo de modo a conseguir trabalhar várias vezes por semana no que estou a escrever. É um equilíbrio difícil de manter e que me está a obrigar a fazer algumas opções, embora considere estar a conseguir executá-lo. Há alturas em que consigo ter mais horas disponíveis e aí aproveito-as para escrever. Há outras em que que assim não o é, e quando tenho menos tempo, acabo por fazer outras coisas como a reescrita de alguns capítulos que ficaram menos bem, pesquisa, ou até revisão. Tudo é trabalho.

Odete -  Tem mais algum projecto literário em mãos neste momento? Se sim, pode divulgar-nos um pouco sobre ele?

Nuno - Sim, neste momento encontro-me a trabalhar no terceiro e último volume da trilogia Freelancer, continuação de O Espião Português e A Espia do Oriente. Já tem título e capa, embora não os possa revelar, e encontro-me sensivelmente a meio. Espero conseguir terminá-lo até ao fim do ano e é inspirado num discurso de guerra muito famoso. De forma algo sumária, tratar-se-á da conclusão da série, apesar de, e à semelhança dos dois anteriores volumes, poder ser lido de forma independente. Começa exactamente na noite em que termina o segundo tomo, num arco narrativo que se estende por vários anos. Aliás, o livro contém um prólogo no início da década de oitenta e terminará cerca de cinco anos depois do tempo presente, isto é, aquele em que se desenrola a maior parte da história. Será o único volume que terá hiatos temporais e espero que venha a traduzir a minha maturidade, quer como pessoa, como também enquanto autor. Não considero a minha escrita como algo estanque, razão pela qual desejo continuar a aperfeiçoá-la.

Odete - Para terminar, deixe uma mensagem aos nossos leitores. 

Nuno - Não vos vou aborrecer muito mais. Apenas gostaria de os incentivar a ler, sejam os meus livros, os de outros autores nacionais, ou mesmo de estrangeiros. Estes amigos fazem-nos viajar, sonhar, viver e emocionar. Não desistam disso.
Muito obrigado,
Nuno Nepomuceno.

Odete - Muito obrigada pela sua disponibilidade, a equipa do Destante deseja-lhe muito sucesso!


2 comentários:

Paulo Pires disse...

É sempre bom conhecer um pouco mais dos "nossos" autores. Boa entrevista.

Odete Silva disse...

Obrigada Paulo :)