28/05/2010

Guerra e Paz - Tolstói

Ao chegar ao fim do IV volume de Guerra e Paz, comecei a pensar como iria eu fazer um comentário a esta grande obra. É de facto e sem sombra de dúvidas uma obra prima da literatura.
É magnífico com Tolstoi, através das principais cinco famílias que compõem Guerra e Paz consegue atribuir-lhes características que acabam por abranger a diversidade humana.
Há nesta obra uma importante mensagem que Tolstoi quer passar sobre Napoleão, seus feitos e sua derrota. Eu achei que, neste aspecto, foi como se Tostoi tentasse repor uma verdade histórica para com a humanidade em geral e para com a Rússia em particular.
A Rússia é-nos apresentada sob diferentes perspectivas que nos dão uma visão global da cultura e dos costumes da altura.
Uma sociedade que prima pelas aparências, onde as desigualdades sociais se fazem sentir de forma atroz. Os ricos são muito ricos pois vivem da exploração que fazem ao povo. O povo, este é muito pobre pois paga altas rendas aos nobres, acentuando, deste modo, a sua pobreza e miséria.
Em contrapartida, em França, apesar de sobreviverem Clero e Nobreza, estes já não exploravam o povo da mesma forma, estas duas classes pagavam os seus próprios impostos, o povo detinha menos más condições de vida, uma vez que a nova burguesia investia e vivia do que produzia (comerciantes, industriais). Pelo contrário, a Rússia continuava mergulhada na servidão.
Tolstoi, através dos personagens, Boris, Anatole Kuraguine, Vassili Kuraguine, Helena Duraguine, Anna Pavlovna mostra-nos a sociedade mesquinha e interesseira da altura. Uma sociedade parasita que apesar da guerra e das desgraças dos outros e dos seus próximos, reúne, dança, canta…
A Classe militar também recebe críticas por parte do autor nesta obra, não os soldados. Estes são grandemente elogiados pelos seus feitos, pela sua bravura e coragem de enfrentar condições desumanas para combater e para se restabelecer.
A crítica, propriamente dita, recai sobre as altas patentes militares que não dando valor aos soldados menospreza-os. Esta classe, como refere Tolstoi é a única que encontra na ociosidade a felicidade “é precisamente nesta ociosidade que reside e sempre residirá o principal atractivo da carreira das armas”. Ao contrário do que acontece com o comum dos mortais que na ociosidade encontra sempre frustração e nunca felicidade.
Tolstoi, critica com toda a ironia que consegue fazendo também o paralelismo entre o que se come no campo (ervas que causam a morte aos soldados) com os manjares dos generais em grandes mesas, com grandes castiçais…
Salienta também que a guerra é feita por estas altas patentes de acordo com os seus próprios interesses. No entanto, no terreno, os soldados têm algo em comum: muitas vezes combatem por uma causa que não é a deles, vêem o inimigo soldado com um igual a si. Muitas vezes um mal estar apodera-se destas gentes quando ao desferirem um golpe no inimigo o rosto deste não mostra ódio, mas sim medo.
À sociedade que aprecia e elogia pertencem, por exemplo, as personagens: Pierre Bezukov, Natacha Rostovna, Nicolai Rostov, Andrei Bolkonski, Maria Bolkonskaia e Sónia. Alguns destes personagens (a maioria) sofrem uma mudança a nível pessoal e espiritual de acordo com os acontecimentos que lhes são afectos.
Pierre Bezukov, no início do romance é visto como uma pessoa “perdida”, perdida no sentido de insegura, instável, incoerente que faz somente o que lhe mandam e que assim o faz porque tem de ser feito. No entanto, este personagem (um dos meus preferidos) transforma-se radicalmente no decorrer da história e acho que acaba mesmo por ser um dos personagens mais importantes desta obra.
Através de Pierre, Tolstoi mostra os seguintes aspectos:
-O ideal de amigo;
-como se pode entrar em dualidade consigo próprio por não encontrar lugar na sociedade, questionando, deste modo, a sua existência;
-dá-nos a conhecer a maçonaria;
-como a bondade pode ser aproveitada pelos maliciosos
-o sofrimento e injustiças da guerra, assim como o encontro com a paz interior, depois de muito sofrer e estar privado de tudo.
Andrei Bolkonski, é-nos apresentado como alguém cujas acções são simples, vive uma vida simples e um casamento infeliz. Um nobre igual a tantos outros que vive do trabalho do camponês. Contudo, esse personagem tem um evolução importante e de alguma forma rápida, passa de pessoa apática que encontra na guerra um meio para se evadir da vida social para uma pessoa cheia de vida e coragem que encontra na guerra o motor para esta disposição. No campo e com todas as dificuldades que encontra, dá valor à vida que tinha, à sua família, à segurança e à estabilidade. Assim torna-se uma pessoa consciente e muito ponderada.
Note-se que esta é uma ideia bastante presente em Guerra e Paz: através do sofrimento o homem cresce “Pensamos que, uma vez saídos do nosso trilho habitual, está tudo perdido; mas é só então que começa qualquer coisa de novo, de bom. Enquanto há vida, há felicidade”.
Nicolai Rostov é um dos personagens que muito me surpreendeu. Jogador boémio encontra na guerra paz e rotina, o que não tinha no seu meio social. No entanto, após salvar Maria Bolkonskaia, torna-se um homem responsável, maduro, ciente do que quer, um personagem que ganha bastante importância no fim do romance a par de Pierre.
Nicolai é pioneiro no que concerne a enaltecer o camponês: primeiro, o interesse do camponês, depois o do dono da terra, só assim o camponês trabalha com satisfação e consegue produzir para o patrão.
Ao chegar às últimas páginas do último volume, constatei que Tolstoi reservou-as para cumprir a sua intenção com este romance: repor a verdade que os historiadores deturparam. Acho que é esta a mensagem principal desta obra. Pois, Tolstoi ao longo de todo o romance e através dos seus personagens vai fazendo alusão a esta questão, por vezes, as palavras escritas usadas estão em maiúsculas e o seu ataque é duro e directo.
A crítica que tece, recai sobre a visão dos historiadores no relato das acções de Napoleão e na forma como estes senhores deturparam factos históricos ao explicarem a vitória da Rússia.
As explicações sobre a perda de Napoleão fizeram com que os créditos russos ficassem por terra. Napoleão não ganhou porque se constipou, as tropas não aguentaram o frio, o mau tampo que se fazia. Não houve o verdadeiro elogio às tropas russas pelo seu esforço, pelo seu empenho, que mesmo em número menor a sua vontade inata de ganhar foi superior ao exército francês e a Napoleão. O facto de os russos não terem esmagado os franceses numa grande batalha final, como muitos (Imperador incluído) pretendiam, não se deveu a incompetência de Kutuzov (responsável máximo pelo exército que Tolstoi admira) mas apenas ao facto de os franceses terem fugido e assim ter-se tornado absolutamente inútil provocar mais mortes e despesas.
Tolstoi tenta repor a verdade atribuindo o verdadeiro mérito quem realmente o merece: OS RUSSOS. Colocando Napoleão na posição de “insignificante instrumento da história”.
Finda esta leitura que foi de 4 meses (1 livro por mês) ficam as saudades dos personagens: Pierre, Nicolai, Andrei e Natacha, os diálogos, as reflexões, enfim, tudo o que pertence à magnifica escrita de Tolstoi. Um romance que recomendo, porém há que querer lê-lo ou então vai haver desistência, pois apesar de ser uma leitura apaixonante, não é de forma alguma uma leitura fácil
(texto também publicado no meu outro blogue "viajar pela leitura")

0 comentários: