23/09/2013

PAPILLON, de HENRI CHARRIÈRE






Vi o filme há já muitos anos e ficou-me na memória, que mais não seja pelo desempenho de Dustin Offman e Steve Mc Queen. Sempre tive curiosidade em ler o livro e posso dizer que não fiquei desiludido. “Papillon” é a história de uma parte da vida de Henri Charrière que começa com a sua condenação injusta por assassínio (que sempre negou) a trabalhos forçados para toda a vida e consequente deportação para a Guiana francesa. Esta narrativa crua, feita na primeira pessoa, é deveras impressionante não só pelas aventuras descritas mas pelo homem em si, um homem de carácter, um homem maior que o mundo e cujo lema foi, desde o princípio, sempre o mesmo: liberdade, liberdade, liberdade. Logo que chega à Guiana francesa, lá encontra conhecidos seus de Paris onde ele próprio praticava pequenos atos de delinquência. Estamos em 1931 e um jovem de 25 anos, o futuro não se apresenta propriamente risonho mas os seus conhecimentos permitem-lhe acesso a bens essenciais como tabaco, comida e a trabalhos não muito duros. Aqui começam as suas fugas, que serão muitas e é de realçar que, consoante ele vai relatando as suas aventuras, nós “seguimo-lo” e somos levados a querer que ele tenha sucesso. Isso aconteceu comigo, não posso falar pelos outros. A sua narrativa nunca se torna monótona pois introduz histórias passadas com conhecidos seus. As suas descrições são realistas, desde os lugares por onde passa, as pessoas que vai conhecendo, o meio envolvente, o cativeiro e as suas condições de vida, os seus sentimentos que vão evoluindo ao longo da narrativa. Sim, porque desde o momento em que foi condenado, o seu grande objetivo após a fuga era a vingança, a começar pelo juiz arrogante que o condenou a tal sorte. Mas este sentimento vai-se alterando ao longo da sua história e, quando por fim consegue a liberdade plena abandona-o por considerar ser indigno para um homem querer ser livre e não saber perdoar quem lhe fez mal. Como ele passou algum tempo na marinha, planeava sempre as suas fugas pelo mar até conseguir chegar a um país que lhe concedesse cidadania. Podemos dizer que Papillon era um homem duro mas justo e era muito respeitado por todos os outros condenados. Fazia tudo pelos seus amigos e esse respeito aumentou aquando da sua primeira fuga, mas o país onde chegou (Colômbia) captura-o e devolve-o à Guiana. É condenado a ficar uma série de anos na solitária onde não pode falar com ninguém, não pode fazer barulho, nem ver a luz do dia. Muitos dos que para lá vão enlouquecem ou suicidam-se. Papillon resiste e de lá sai bastante debilitado mas começa desde logo a engendrar nova fuga. Não vou descrever exaustivamente essas aventuras e desventuras mas há pormenores importantes como a denúncia da freira que o leva à solitária, o convívio com os leprosos que, isolados e ostracizados, sentem pena de Papillon e, entre todos, concedem-lhe víveres para o ajudar a rumar à liberdade. Outro episódio deveras impressionante é aquele em que, numa das suas fugas, consegue chegar a uma tribo onde é acolhido da melhor maneira que se possa imaginar. Nada lhe falta, não precisa de trabalhar, tem duas mulheres, torna-se amigo do chefe da tribo que lhe pede uma tatuagem como a sua e Papillon retribui fazendo tudo para satisfazer os desejos do chefe. Creio que muitos teriam querido acabar por lá os seus dias mas, para Papillon não, essa vida idílica não representava a liberdade na verdadeira ascensão da palavra. É por isso que, embora relutante, tenciona sair da aldeia e procurar outro país onde consiga verdadeiramente ser livre entre os homens. Escusado será dizer que será novamente preso mas prontamente começa a pensar noutras fugas e consegue chegar à Venezuela em 1945 onde refaz a sua vida e é esse país que lhe concede cidadania em 1956. A prescrição da sua pena torna-se efetiva em 1967.

Em suma, estamos perante uma história de vida realmente tocante, a vida de um homem que nunca se conformou com o destino que lhe queriam impor e que sempre tudo fez para conseguir atingir o seu fim que era liberdade: sim, porque para ele ou era a liberdade ou morte para consegui-la.
Somente uma nota final para essa mancha que foi o sistema penal francês naquela época e sobre o qual outros escritores se debruçaram, como Victor Hugo. Como foi possível tratar de tal forma os seus cidadãos, pois não o deixaram de ser apesar de serem condenados, um país que se dizia vanguardista no que diz respeito aos direitos do Homem.

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