Vi o filme há já muitos
anos e ficou-me na memória, que mais não seja pelo desempenho de Dustin Offman
e Steve Mc Queen. Sempre tive curiosidade em ler o livro e posso dizer que não
fiquei desiludido. “Papillon” é a história de uma parte da vida de Henri
Charrière que começa com a sua condenação injusta por assassínio (que sempre
negou) a trabalhos forçados para toda a vida e consequente deportação para a
Guiana francesa. Esta narrativa crua, feita na primeira pessoa, é deveras
impressionante não só pelas aventuras descritas mas pelo homem em si, um homem
de carácter, um homem maior que o mundo e cujo lema foi, desde o princípio,
sempre o mesmo: liberdade, liberdade, liberdade. Logo que chega à Guiana
francesa, lá encontra conhecidos seus de Paris onde ele próprio praticava
pequenos atos de delinquência. Estamos em 1931 e um jovem de 25 anos, o futuro
não se apresenta propriamente risonho mas os seus conhecimentos permitem-lhe
acesso a bens essenciais como tabaco, comida e a trabalhos não muito duros.
Aqui começam as suas fugas, que serão muitas e é de realçar que, consoante ele
vai relatando as suas aventuras, nós “seguimo-lo” e somos levados a querer que
ele tenha sucesso. Isso aconteceu comigo, não posso falar pelos outros. A sua
narrativa nunca se torna monótona pois introduz histórias passadas com conhecidos
seus. As suas descrições são realistas, desde os lugares por onde passa, as
pessoas que vai conhecendo, o meio envolvente, o cativeiro e as suas condições
de vida, os seus sentimentos que vão evoluindo ao longo da narrativa. Sim,
porque desde o momento em que foi condenado, o seu grande objetivo após a fuga
era a vingança, a começar pelo juiz arrogante que o condenou a tal sorte. Mas
este sentimento vai-se alterando ao longo da sua história e, quando por fim
consegue a liberdade plena abandona-o por considerar ser indigno para um homem
querer ser livre e não saber perdoar quem lhe fez mal. Como ele passou algum
tempo na marinha, planeava sempre as suas fugas pelo mar até conseguir chegar a
um país que lhe concedesse cidadania. Podemos dizer que Papillon era um homem
duro mas justo e era muito respeitado por todos os outros condenados. Fazia
tudo pelos seus amigos e esse respeito aumentou aquando da sua primeira fuga,
mas o país onde chegou (Colômbia) captura-o e devolve-o à Guiana. É condenado a
ficar uma série de anos na solitária onde não pode falar com ninguém, não pode
fazer barulho, nem ver a luz do dia. Muitos dos que para lá vão enlouquecem ou
suicidam-se. Papillon resiste e de lá sai bastante debilitado mas começa desde
logo a engendrar nova fuga. Não vou descrever exaustivamente essas aventuras e
desventuras mas há pormenores importantes como a denúncia da freira que o leva
à solitária, o convívio com os leprosos que, isolados e ostracizados, sentem
pena de Papillon e, entre todos, concedem-lhe víveres para o ajudar a rumar à
liberdade. Outro episódio deveras impressionante é aquele em que, numa das suas
fugas, consegue chegar a uma tribo onde é acolhido da melhor maneira que se
possa imaginar. Nada lhe falta, não precisa de trabalhar, tem duas mulheres,
torna-se amigo do chefe da tribo que lhe pede uma tatuagem como a sua e
Papillon retribui fazendo tudo para satisfazer os desejos do chefe. Creio que
muitos teriam querido acabar por lá os seus dias mas, para Papillon não, essa
vida idílica não representava a liberdade na verdadeira ascensão da palavra. É
por isso que, embora relutante, tenciona sair da aldeia e procurar outro país
onde consiga verdadeiramente ser livre entre os homens. Escusado será dizer que
será novamente preso mas prontamente começa a pensar noutras fugas e consegue
chegar à Venezuela em 1945 onde refaz a sua vida e é esse país que lhe concede
cidadania em 1956. A prescrição da sua pena torna-se efetiva em 1967.
Em suma, estamos
perante uma história de vida realmente tocante, a vida de um homem que nunca se
conformou com o destino que lhe queriam impor e que sempre tudo fez para
conseguir atingir o seu fim que era liberdade: sim, porque para ele ou era a
liberdade ou morte para consegui-la.
Somente uma nota final
para essa mancha que foi o sistema penal francês naquela época e sobre o qual
outros escritores se debruçaram, como Victor Hugo. Como foi possível tratar de
tal forma os seus cidadãos, pois não o deixaram de ser apesar de serem
condenados, um país que se dizia vanguardista no que diz respeito aos direitos
do Homem.
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