CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
JEREMIAS
– PARTE VII
Lembram-se do amigo que falei da
outra vez? O tal que trabalhava num banco que ia sendo tramado pelos
filhos do patrão, mas que graças a mim os tramou primeiro?
Conheci-o quando eu trabalhava num banco da concorrência. Estive lá
apenas durante três meses. Depois fui despedido. Nem sei como entrei
para lá. Recordo-me de ter concorrido para motorista, picheleiro e
agricultor, mas talvez por um mero acaso tenha ido parar ali - uma
troca de currículos talvez. Mas certo dia ligaram-me para ocupar uma
secretária toda pomposa. O que me agradou. O ordenado era bom e o
trabalho escasso. Entregaram-me cinquenta clientes e eu ficava
responsável por angariar novos. Uma coisa que não me agradou foi o
fato que tinha de vestir. Era muito grosso para a época do ano.
Apesar de haver ar condicionado eu ia almoçar fora na altura em que
o sol incidia verticalmente sobre mim. Uma chatice, como devem
imaginar.
Então o que fiz eu durante esses
tempos? Fui três coisas: jogador de póquer online,
conselheiro de apostas desportivas num site em crescimento e escritor
de artigos bizarros noutro site. Resumindo: passava o dia a atender
telefonemas, a receber três ou quatro clientes dos chatos e a
inventar desculpas para não auxiliar os meus colegas nas suas
tarefas de forma a dedicar-me às minhas actividades paralelas.
Logo na primeira semana conheci o
tal amigo. Ele trabalhava na mesma rua e calhou almoçarmos no mesmo
restaurante. Estávamos sozinhos, só havia uma mesa vaga et
voilà.
Ele tinha um ar mafioso, por isso
deixei-o falar. Uma coisa levou a outra e ele fez-me uma proposta
tentadora. Segundo ele, eu quadruplicaria o ordenado de imediato se o
ajudasse. Eu supus que não seria bancário para sempre daí que
tivesse aceite. Ora, tudo o que tinha de fazer era pegar nos meus
clientes e encaminhá-los para ele, assim como toda a gente que me
viesse parar às mãos solicitando a abertura de novas contas e essas
coisas todas. Em troca ele oferecia-me uma bela comissão.
Perfeito, ah? Mais dinheiro e
menos trabalho. Desse modo poderia desenvolver as tais actividades à
vontade.
Claro que nem tudo é um mar de
rosas. Tinha uma colega à perna, nova e daquelas que passam a vida
nas bibliotecas quando são estudantes. Ela achava-me um
incompetente. Pois bem. Comi-a entre a máquina fotocopiadora e o
bengaleiro. Até lhe fotocopiei o rabo e tudo e ela o meu material,
embora o tivesse feito no programa que reduzia a imagem para metade.
Só assim se pode explicar o pequeno cilindro que mal ocupava a folha
branca.
Depois ela deixou de me chatear e
começou a pedinchar. Marchou outra vez. Na semana seguinte foi
despedida por comportamento impróprio. Provavelmente foi por
desabotoar demasiados botões da camisa, deixando literalmente as
mamas à mostra. Trocando por miúdos: era calor a mais.
Foram tempos de ouro. Certa tarde
dei por mim a gritar um grande woohoo, erguendo os braços e beijando
a aliança como o Nuno Gomes fazia quando marcava um golo - não
possuía aliança que não era casado, mas tive o penteado igual ao
dele quando tinha 13 anos. Olharam-me de lado. Mas eu estava feliz.
Tinha ganho um campeonato de póquer numa final a seis entre mim, um
arménio, uma moldava, um argentino e dois canadianos. Estava dez mil
euros mais rico. Rapidamente fui chamado ao gabinete do chefe. Abri o
jogo, tal como tinha feito na final de póquer. Fiquei mil euros mais
pobre mas mantive o emprego.
Depois houve um gajo que visitou
o banco. Levantou uma arma e disse que me matava. Era um apostador
falido. Tinha-lhe dado a dica para apostar tudo o que tinha no cavalo
6, numa corrida em Inglaterra. Era vitória certa. De facto o cavalo
6 ganhou, mas quando dei a dica estava a comer a gaja do banco e
carreguei no 9, por engano, que fica mesmo por cima do 6 - ora olhem
para o vosso teclado. No entanto rapidamente dominei o gajo, pois
quando havia trabalhado numa confeitaria o pasteleiro desarmou um
assaltante dessa mesma forma. Veio a polícia e fui chamado ao
gabinete do chefe novamente. Ele avisou-me que para a próxima me
despediria e aproveitou para me informar que num mês e meio eu não
angariara um único cliente e que havia perdido quarenta e dois.
Prometi esforçar-me.
Por fim o meu emprego enquanto
bancário desabou quando, certa vez, deixei o meu computador ligado
na página errada. Como chegava sempre atrasado, no dia seguinte,
pela manhã, toda a gente viu o que o meu monitor mostrava. Estavam
lá os meus escritos. Tinha desenvolvido dois artigos para o tal site
nessa tarde anterior. No primeiro eu dissertava acerca de algo que
não vou aqui explicar. Mas posso adiantar que envolvia cobras vivas,
camas em forma de estrela de David, areia húmida, órgãos sexuais,
piercings em unhas, lubrificante com sabor a pimenta, masmorras
francesas do século IX e formigas vermelhas. Esse até nem chocou
ninguém. Mas o outro artigo falava de andorinhas e da estranheza por
migrarem sempre na mesma altura do ano. O chefe achou isso
intolerável - apesar de me ter dado uma pancadinha nas costas
dizendo que lhe enviasse o outro artigo para o seu e-mail, que
o achara muito interessante.
E de um momento para o outro
vi-me desempregado. Deixara de ser bancário. Podia ter continuado a
ser as outras coisas todas, mas não tinha condições psicológicas
para fazer esses trabalhos fora do banco.
O que valia era que tinha ganho
uns trocos para me manter vivo na sociedade.
1 comentários:
Realmente isto de ser bancário não cai nada bem no perfil do Jeremias!
KKKKKKKKKKKKKKKKK....................
Rir até mais não...
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