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16/01/2014

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


CARDOSO – PARTE VIII


Era uma segunda-feira e acordei num tremendo desespero. Tinha ficado adoentado durante o fim-de-semana e a minha rotina acabou por ser missa-casa, casa-missa.
Um autêntico descalabro.
O motivo? Bem, a razão é que não vi filmes, nem séries, nem telenovelas, nem sequer o telejornal. Passei sábado e domingo a vomitar e a dormir, isto quando não celebrava missas. Pois, até a mim o vírus da gripe pega.
Levantei-me, portanto, sem ideias para passar o dia.
Revivi na minha cabeça alguns filmes que havia visto, mas não me recordei de nenhum que não tivesse representado na paróquia. Todos os filmes protagonizados pelo anão dos dentes assimétricos, também conhecido como Tom Cruise, já tinham sido explorados, assim como os do actor que nunca envelhece, o Pierce Brosman. A actriz que é podre de boa mas que nunca fez um papel de jeito, a Angelina, e aquele que era dançarino e que acabou por engordar enquanto esteve no desemprego, voltando a emagrecer depois de reaparecer, o Travolta, já estavam mais do que gastos.
Enquanto as gotas de chuva colidiam com o chão da calçada eu gritava desesperado, puxando pelos lençóis da minha cama. Perguntava aos céus a razão por estarem desocupados. Onde estaria Deus quando eu precisava dele? Eu necessitava urgentemente de um filme para poder fazer uma missa em grande. E então o sino do meu cérebro começou a entoar quando uma ideia me surgiu, ao dar por mim a uivar que nem um lobo.
O “Lobijovem”! Tinha-me esquecido de representar o lobijovem. Sabem? Aquele filme para adolescentes da idade da pedra em que o Michael J. Fox começa a transformar-se num lobisomem. Ao recordar-me desse, lembrei-me de outro. Não era um filme mas sim um desenho animado. Não é que o Son Goku se convertia numa espécie de lobo ou macaco ou gorila - ou lá o que era - a determinada altura também?
Era mesmo isso.
Obviamente não seria eu o lobisomem. Afinal nunca tive jeito para uivar.
Duas horas antes da missa começar, afixei um papel à porta da igreja onde se podia ler: “casting para lobisomem - se tens entre 0 e 100 anos e muita vontade de uivar aparece.”
Passado dez minutos havia dezenas e dezenas de pessoas à porta. Ainda eram 9H30 quando comecei a receber os paroquianos, juntamente com a minha equipa da sacristia. Nós éramos um belo de um júri. Também convidei aquele moço, um tal Simon não-sei-quantos. Contudo ele recusou, assumindo que tinha um encontro com a Paris Hilton, num hotel do grupo Hilton em Paris. Ele era bom a humilhar as pessoas e às vezes um lobo precisa de ser humilhado para que possa uivar com toda a sua pujança.
Na ausência do Simon não-se-quantos - o único senhor que usa risca ao meio e que todos pensam que esteja na moda - teria de caber a mim esse angustiante papel.
Quanto ao primeiro candidato, rejeitei-o sem que se fizesse ouvir. Era careca.
O segundo tinha as unhas roídas, pelo que foi pelo mesmo caminho.
O terceiro concorrente tinha placa, logo os seus caninos não se revelavam proeminentes como era suposto.
A quarta candidata miou em vez de uivar.
Os sete que se seguiram uivaram em português. Logicamente, o filme seria legendado e não dobrado.
O décimo segundo uivava bem, mas demasiado baixinho. Num outro dia teria utilizado o sistema de som, mas o dito cujo ficara inutilizado devido a um descuido do hipopótamo.
O décimo terceiro elemento a concurso uivou na perfeição.
Era aquele. Estava decidido. Ainda por cima era bem peludo, de tal forma que havia quem o chamava de Teddy Bear.
Às 11H00 dei início à missa. Decidi que fosse uma missa cantada em formato lobisês. O gajo uivou que se fartou, do princípio ao fim. E continuou a uivar até à noite. Todos pareciam enfeitiçados com a rouquidão do seu uivo. Ninguém deixou a igreja até a lua se pôr. Fiquei extasiado com o sucesso da minha acção. Os paroquianos tinham-se tornado cada vez mais devotos. E depois, os pêlos do uivador de serviço começaram a crescer e a engrossar. Sofreu uma espécie de mutação, ou várias até. Nos dentes, nos olhos, na pele e até no material. Não é que tenha olhado, mas vi a dona Amélia babar-se mais do que era habitual.
E então o uivador perdeu o controlo. Galgou bancos, derrubou castiçais e atacou pessoas. Claro que eu não podia permitir semelhante comportamento na casa de Deus. Saquei da minha Magnum 44 gamada no museu privado do Clint Eastwood e com a qual costumava caçar tordos, e fulminei-o com dois tiros no peito. Todos se calaram, as pombas brancas no átrio da igreja esvoaçaram, as velas eléctricas apagaram-se e um coração parou de bater.
Os paroquianos aguardavam a minha reacção. Eu encolhi os ombros, revirei os olhos e disse-lhes: “Graças a Deus que o Simon não-sei-quantos não estava aqui, senão o uivador sofreria antes de morrer.”
Alguém por entre o silêncio gritou que o jurado que comia a Paris em Paris se chamava Simon Cowell e que pertencia aos júris dos programas “Britains's Got Talent”, “Factor X” e “American Idol”. Olhei de soslaio procurando quem que me tinha corrigido. Desconfiei de três e disparei sobre cada um deles. Dei por encerrada a missa e expliquei que quem voltasse a desrespeitar o silêncio do luto dedicado ao uivador teria o mesmo destino.

07/11/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

JEREMIAS – PARTE VIII

Uma das minhas primeiras profissões foi a de operário numa fábrica de guarda-chuvas. Não me perguntem como é que se faz um guarda-chuva porque não sei. Trabalhava no armazém e nunca me apeteceu ir à produção para descobri-lo. Era novo e tudo o que não era gaja, ou envolvia as gajas, não me suscitava a mínima curiosidade. Na verdade agora já não sou novo e não iria da mesma forma.
Então o que fazia eu?
Eu tinha um dos melhores trabalhos do mundo. Consistia em enfiar delicadamente o invólucro de plástico no guarda-chuva fechado, depois de concluído o seu fabrico. Tratava-se do último acabamento, a canela em cima do pastel de nata, o creme na pele de uma gaja boa como tudo, o gorro vermelho no topo da cabeça do Pai Natal.  Mais tarde percebi que a minha facilidade em enfiar carapuços e preservativos advinha dessa mesma experiência. Atenção que era gajo para envolver o meu material com látex em 1,2 segundos. Confiem em mim. Eu sei do que falo. Sou o Usain Bolt de colocação peniana de preservativos. E tal como o Bolt eu sou gajo de perna comprida, se é que me entendem.
Onde ia eu?
Ah! Operário ou, mais propriamente, fiel de armazém de guarda-chuvas.
Fazíamos encomendas para todo o mundo lá na fábrica.
Chegámos a fazer material para a China com caracteres muito giros. Gostei tanto que mandei tatuar uns iguais no meu corpo! Mesmo no antebraço. Depois aconteceu o mesmo com umas letras árabes impressas noutra remessa que seguiu para o Médio Oriente. Por essa ocasião tatuei-as nas costas. Mais tarde descobri o que queriam dizer.
E deduzem que tive azar, não foi? Nem pensem! Queriam que tivesse tatuado sem querer algo do género 'sou um falhado' ou 'impotente deste lado', ah?
Pois! A verdade é que o destino é meu amigo. Sempre foi. Em chinês dizia: “a essência do conhecimento consiste em aplicá-lo, uma vez possuído”. Obviamente, os chineses tinham a percepção que eu, essencialmente, sabia o que fazia enquanto possuía. Em árabe fazia a seguinte menção: “a brasa amanhece cinza”. É mesmo isso que penso quando as gajas vêm ter comigo, chegam a arder e partem arrefecidas depois do amor que lhes dou.
Assim, antes de vir embora de vez daquela fábrica, roubei um guarda-chuva que ainda hoje é especial. Tem desenhado uma espécie de arco-íris e quando roda sobre si faz um efeito muito engraçado. Foi com esse que salvei a ministra Graça. Mas não foi por me agradar à vista que o fanei. Fi-lo por outro motivo perfeitamente compreensível. Nesses tempos eu andava a fazer-me a uma gaja mesmo boa. Quer dizer, não era assim tão boa, até porque o marido era cego, mas constava-se que era fogo. E como eu havia recebido uma mensagem cósmica transmitindo-me que eu teria de transformar em cinza toda a brasa, não descansei enquanto não a levei para a cama, que, naquele caso, até nem chegou a ser uma cama mas sim uma esquina num canto morto do armazém onde se colocavam os materiais recicláveis, como plásticos e cartões.
A nossa relação durou algumas semanas.
Ela era fogo ao final da tarde e cinza, não ao amanhecer, mas sim passado uns minutinhos - que eu sempre fui um gajo eficiente.
Mas tudo acabou quando o cego descobriu.
Primeiro disse-me que me arrancava os tomates. Ao que respondi que eles eram tão grandes que mesmo que fosse míope nunca os perderia.
Depois avisou-me que ia fazer com que eu fosse despedido. E, quanto a isso, eu nem me importei pois já estava farto daquele trabalho e que tencionava alistar-me no exército para ser recrutado para as Árabias, onde se dizia que as gajas eram brasas - pudera, com aquele calor todo.
Por fim, certo dia, pegou num guarda-chuva e disse que mo ia enfiar num sítio que ele lá sabia. Ora esse sítio ao qual ele se referia era a minha segunda religião, a seguir à católica, da qual sou um fiel seguidor. Tive tanto medo de o ver nesse sítio, ainda para mais sendo aberto depois de lá enfiado, que lhe roubei o guarda-chuva e nunca mais o larguei - não vá alguém ter a mesma ideia absurda.
Ainda hoje o guardo onde ninguém o possa ver.


10/09/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
 
GRAÇA – PARTE VIII
 
(Nota: qualquer semelhança entre o conteúdo deste texto e a realidade continua a ser, obviamente, pura coincidência, exceptuando desportistas, artistas e comediantes profissionais ou amadores)
 
No outro dia estive com um exame de 12º ano de Português nas minhas mãos. Conclusão? Fiquei chocada. Li e reli por diversas vezes e logo me reuni com o meu staff. Durante longas horas estivemos enfiados dentro de quatro paredes - sim, os políticos abdicam das suas vidas pessoais em prol do seu povo - e, no final, entendi que tinha gritado durante metade do tempo.
Achei inadmissível o caminho que se seguira até então.
Decidi pois que muita coisa teria de mudar. Muita mesmo. Como querem os governantes que os alunos queiram aprender quando tudo o que lhes dão acaba por ser matéria obsoleta? Eles não querem saber de onde vieram! Querem saber para onde irão!
Fiz valer então o meu ponto de vista.
Primeiro. Fernando Pessoa. O que há que ensinar sobre um gajo que não sabia quem era? Risquei-o logo da matéria. Alguém que ora se chamava Álvaro ora Ricardo não podia ser exemplo para esta nação.
Segundo. Luís Vaz de Camões. Tendo em conta que só tinha um olho não podia ter uma visão abrangente dos assuntos, certo? Pelo menos só viu metade do que aquilo que uma pessoa, chamemos-lhe, normal consegue detectar. Como podia ele falar de uma sociedade quando só via da esquerda até ao ângulo que o seu nariz permitia? Assim, parte do que se passava à sua direita era-lhe desconhecido. Conclusão? Camões nunca mais.
Terceiro. José Saramago. Esse senhor era um extremista, logo seria impossível que vivesse em comunidade. Outro que arrumei para canto. Perguntaram-me então porque tinha ganho um Nobel. Bem, num laivo de raiva despedi quem fez a questão - não obstante se tratasse do primo da minha tia Zira que tinha largado a profissão de coveiro para se juntar à minha assessoria - e expliquei que esses prémios estavam cheios de cunhas, não sendo por isso idóneos.
Quarto. Luís Sttau Monteiro. Também o eliminei da matéria a leccionar para o ano vindouro. Escreveu 'Felizmente há luar' e esse título não é compatível com a nossa política. Luar, lembra noite, que por sua vez me faz pensar em escuridão. Pois o nosso governo bem que pode dispensar o negativismo típico dos portugueses.
Depois analisei a matéria praticada no 11º ano. Um novo desastre.
“Os Maias”? Quem precisa de saber tudo sobre decoração de tempos idos quando o novo design das habitações está acessível na Internet? Além do mais, isto de criticar a sociedade também já passou de moda.
“Frei Luís de Sousa”? Que importa saber de um personagem esquizofrénico que nem sabe a sua identidade mas que tem a mania que é D. Sebastião? Nós precisamos é de ver a luz ao fundo do túnel.
E foi a medo que peguei nos assuntos abordados no 10º ano.
Com desilusão, percebi que estavam lá poemas de gajos que nunca fizeram nada na vida. Levantei-me e disse para todos:
Olhai para mim a ser poetiza,
de tal forma que já estou cheia de fome
tu, Bernardo, manda vir uma piza
que é só ires ao site mandavir.com
O pessoal do staff ficou a encarar-me e eu acabei por me sentar, pensando em todos os disparates que os anteriores ministros da educação fizeram antes de mim. Voltei a explicar que era necessário cativar os jovens com matéria do mundo real e actual e, principalmente, com assuntos que eles sentissem que fizessem parte deles.
Por isso, não saímos de lá enquanto não decidi o que se haveria de leccionar a curto prazo.
As obras obrigatórias passariam a ser as biografias das vidas de José Mourinho e Cristiano Ronaldo, assim como dissertações acerca dos Xutos & Pontapés, do Boss AC, da Teresa Guilherme e do Herman José. Depois ordenei que as composições incidissem sobre a Playstation e a Nintendo. Como poesia, propus as letras da Ágata, do Quim Barreiras e da Miley Cyrus - não que tivesse alguma ligação com Portugal, mas porque Ana, de Hannah Montana, é um nome muito comum por estas bandas, logo o reflexo de muitas jovens. Mas como nem tudo hoje em dia é cultura pura, da forma como sempre conhecemos, também coloquei no programa episódios da vida de gente que ajudou a sejamos aquilo que hoje somos, como o Marco e o Zé Maria do Big Brother, o Zé Cabra da fatiota de lantejoulas, o Hélio que se atira dos skates ou o José Castelo Branco para aqueles que não se identificam com ninguém e se julgam extraterrestres. Para além disso, existirá uma matéria livre sobre o telemóvel que, nos tempos que correm, é aquilo que todos os rapazes e raparigas desejam.
Portanto, tratarei de tornar Portugal num país voltado para o futuro e detentor de jovens dinâmicos e capazes de serem bem-sucedidos por toda a parte.
 
 

20/06/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


MOUSTAFA (e Maria e Bruno) – PARTE VIII


Já muito vos contei acerca da minha infância e de como consegui tornar-me neste ícone de gajo por quem as mulheres suspiram.
Mas nunca vos contei como pus a vereadora municipal, na altura ainda no início da sua carreira profissional enquanto política, completamente louca por mim. Talvez já tenham ouvido falar dela, até porque era amiga da Rosalina e eu descobri há pouco que também desabafava convosco.
Ai, a Rosalina, tramou-me bem, mas hoje em dia é das mulheres mais famosas do país. Até porque criou um site e tudo. Parece que faz strip on-line. Depois de ter metido o marido em tribunal por ameaças verbais e agressões físicas - parece que passou a ter a webcam sempre ligada, primeiro por vício, depois por prazer, e , assim, provas irrefutáveis - enriqueceu, deixou o direito e dedicou-se àquilo que lhe dava prazer. De vez em quando faz sessões de sexo em directo, com um gajo qualquer que já esteve preso, se bem que isso possam ser só boatos. Quem diria que aquele totó lhe tivesse partido dois dentes com um soco bem dado?
Adiante que já estou a divagar. Ora, por ironia do destino foi a Rosalina que me tirou o emprego que a amiga vereadora, a Graça, me tinha arranjado.
E é essa parte da minha história que quero contar.
Sabem como conheci a Graça? É claro que não, não sabeis nada. Bem, a Graça é irmã da Maria, a minha Maria que anda sempre colada a mim, e ex-namorada do Bruno que também anda constantemente pregado ao meu corpo. Aliás, foi muito giro quando começaram a namorar. Estávamos todos no cinema - éramos adolescentes - a ver um filme com o Al Pacino, que interpretou o papel de diabo, sentados pela seguinte ordem: Graça, eu, Maria e Bruno. Foi divertido quando Graça subiu para o meu colo e o Bruno para o da Maria para se beijarem, foi quase um beijo a quatro. Até fiquei ligeiramente entusiasmado na altura mas penso que a Graça não terá dado por isso. O namoro foi curto, durando apenas meio ano. Ela disse que eu e a Maria não lhes dávamos espaço. Na altura fiquei ofendido porque eu tinha de dar indicações ao meu amigo acerca de como reagir com ela. Todavia a Graça não partilhava da mesma opinião - já devia ter tiques de estrela política não o sendo ainda.
Portanto, como eu a conhecia, fui ter com ela assim que terminei o serviço militar. Disse-lhe que queria um emprego. Ela explicou que tinha 736 pedidos para 3 vagas, mas depois piscou o olho e espreitou o meu baixo-ventre. Eu percebi o recado e passado 3 minutos ela comentou que a Câmara ia meter um jardineiro, um lixeiro e um estafeta. Eu sorri e expliquei que precisava de um emprego, não de um trabalho. A Graça suspirou e voltou a fixar o meu baixo-ventre. Passado 3 minutos e meio ligou para um colega.
Felizmente ela era amiga do chefe dos correios. Por isso arranjou-me um emprego num par de semanas. Num ápice subi a chefe, porque esse chefe tinha morrido de ataque cardíaco depois de ter snifado cocaína a mais numa festa e o seu substituto reformou-se antecipadamente invocando falta de condições psicológicas para exercer a sua profissão.
Claro que sou um gajo grato. Pelo que, quando recebi o meu primeiro ordenado enquanto chefe, ofereci uma bimby à vereadora. Ela disse que não podia aceitar, que os políticos jamais recebiam o que quer que fosse dos cidadãos. No entanto explicou que se algo aparecesse junto à porta de sua casa não podia rejeitar, dizendo que, afinal, perdido e achado não é roubado nem subornado. Eu acedi e após 1 minutinho - estava aflito - mandei que a Maria e o Bruno deixassem a maquineta na entrada da sua mansão.
Também pedi que partissem a caixa do correio. Não foi por nada em particular. No entanto odeio que me façam sentir menos homem. Homem que é homem não dá rapidinhas.



11/04/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


ROSALINA – PARTE VIII


Não desgosto de baptizados e adoro casamentos. Mas sou doida por funerais.
Quanto a funerais de pessoas próximas, confesso que não me agrada. Não sou um bicho, OK? Sou até sensível com determinadas questões. Mas não me peçam para exemplificar porque estive a pensar em qual das camisolas pretas hei-de levar para o funeral da Gertrudes e estou esgotada.
Ora, dizia eu que a morte de gente muito chegada é uma coisa. Agora, conhecidos, vizinhos, colegas, primos, amigos de amigos, figuras públicas e por aí fora, isso sim! Já estamos a falar de uma rambóia das boas.
Adoro! Adoro! Adoro! Adoro!
Em primeiro lugar, devo explicar quem era a Gertrudes. Tinha 52 anos, mais uma década que eu – OK! Meia década! Chatos! -, trabalhava nos correios, era viúva mas andava a comer o chefe de serviço – que por sua vez é casado com a secretária daquela minha amiga do clube bimby, a presidente da Câmara -, cheirava a suor nos dias de sol e a mofo nos dias chuvosos e era uma antipática de topo. Aliás, se a antipatia fosse profissão ela seria uma CEO – não sei o que significa, mas dá estilo dizê-lo; talvez fique melhor do que doutora; pensarei nisso mais tarde – com direito a um artigo na Forbes.
E então, num dia radioso, enquanto carimbava um aviso de recepção de um trabalhador de construção civil africano, a Gertrudes meteu a mão no peito e contorceu o rosto. Não, não sentiu aquela dor aguda típica de um ataque cardíaco. Eu estava lá, eu vi. Ela devia estar apenas com comichão no tecido mamário. Contudo, quando voltou a assumir uma postura digna de quem atende ao público, lá foi buscar a encomenda do moço musculado e rude e selvagem e animalesco pelas traseiras das instalações.
E pronto. Foi aí, já longe da minha vista, que se ouviu um estrondo. Os outros funcionários foram a correr para o armazém e eu até aproveitei para meter uma caneta na mala, já que vigia nem vê-la! Não era uma caneta estilo BIC, mas antes uma personalizada que me faltava na colecção.
Depois veio o alarido do costume. Gritos, suspiros, lamentos, uma mancha de sangue na camisa do chefe de serviço, ambulância, médico, bombeiros, maca, mais lamentos, cochichos, obituário, o espalhar da notícia, mais lamentos e, por fim, o funeral.
Chegada a ansiada celebração, eu apareço com umas olheiras medonhas. Não porque tivesse andado a choramingar pelos cantos, mas sim pelo facto de o entusiasmo me ter roubado algumas horas de sono.
Fiz uma cara tristonha e sentei-me no banco da entrada da igreja, para controlar tudo. Peguei no meu bloquinho cor-de-rosa que uso nos meus funerais – já vou no volume III – e comecei a anotar com a língua de fora, no canto da boca:
1) Rute (sobrinha) – Minha rica tia, tão boa em vida e partiu tão cedo. (choro)
Nota – Ouvia-a, certo dia, a referir-se à mulher como lambisgóia, megera e porca com o cio.
2) Vanessa (vizinha) – Sempre foi digna e amiga do seu amigo. Que Deus a receba em paz, pobre coitada. (suspiro)
Nota – Pois, mas no passado queixou-se, já não sei a quem, que nem os bons dias dava, para além de não pagar o condomínio atempadamente.
3) Horácio (conhecido) – Era bem boa! Pena que não a tenha conhecido melhor. (suspiro)
Nota – Homens...! Não o conheço. Será casado?
4) Rosa (tia) - Mundo injusto, este! Deus devia ter-me levado a mim em vez dela! Leva sempre os novos e não quem merece partir! (choro e soluços)
Nota – Ainda há dias disse para quem quis ouvir que a defunta só a ia visitar para lhe chupar dinheiro.
5) Bruno (amigo da família) – A que horas joga o FC Porto? (indiferença)
Nota – Espero que perca.
6) Rogério (amigo do chefe de serviços dos correios) – Quem é que vais comer agora? (sorriso)
Nota – Espero que outra!
7) Hélio (chefe de serviços dos correios) – Não sei, mas há uma advogada que também marchava.
Nota – Fiz de conta que não ouvi, mas não deixo de anotar.
A pequena missa terminou, guardei o bloquinho e fomos todos a pé atrás do carro fúnebre. Tentámos chorar e alguns de nós fomos bem-sucedidos.
Quando pousaram o caixão no buraco com alguma profundidade, houve quem se quisesse atirar com ele. Por acaso não reconheci a personagem mas também não estava muito atenta. A verdade é que aquele terreno parecia bastante próspero, tinha umas laranjeiras que davam uns frutos bem grandes, redondos e viçosos.




14/02/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


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JAIME – PARTE VIII

E ainda dizem que a justiça não funciona em Portugal. Funciona e de que maneira! Depois de ter ocorrido aquele pequeno incidente com o meu grande amigo Armando, Deus preserve a sua alma, fui encarcerado numa esquadra qualquer na cidade do Porto. Sinto-me revoltado porque não tive a oportunidade de me despedir convenientemente da minha mulher e dos meus filhos, eu que recusei trabalho vezes e vezes sem conta para acompanhar o crescimento deles. Levaram-me como se fosse uma espécie de criminoso sem escrúpulos. Eu tenho sentimentos! Gosto de me rir dos outros; gosto de sentir a cerveja gelada a descer pelo meu organismo abaixo; gosto de dar palmadas e receber oferendas dos meus colegas; gosto de pensar e criticar a sociedade.
Porra! Eu sou um ser humano!
Nesse momento, enfiado numa cela de poucos metros quadrados, só e abandonado, comecei a gritar o mais alto que pude. Peguei nos poucos objectos que tinha à mão e atirei-os por tudo o que era canto. Até que vieram dois agentes e me cravaram com um cassetete por baixo do queixo, dirigindo-me palavras pouco amigáveis.
Explicaram-me que eu precisava de companhia e colocaram-me num espaço maior, mas ocupado por mais três indivíduos. Parecia ser malta porreira, porém, nenhum deles era da Biquinha.
Meti conversa com eles, mas apenas dois falaram comigo. O outro manteve-se quieto, olhando permanentemente na minha direcção como se eu lhe tivesse feito alguma coisa. Um deles, o Chico, contou-me que estava detido por ter assaltado um prostituto junto ao Castelo do Queijo, obrigando-o, em seguida, a levantar dinheiro no multibanco mais próximo. O gajo acedeu, mas, junto ao banco, teve um ataque cardíaco e morreu ali mesmo. Dei os meus pêsames ao Chico, não pelo facto de o prostituto ter sucumbido, mas pelo azar que teve ao ser apanhado pelas câmaras de segurança. Se o gajo tivesse caído 2 segundos antes e 1 metro atrás, ele ainda andava por aí na boa vida. O outro, o Zeca Zarolho, tinha uma história mais simples. Foi apanhado a roubar jantes pela polícia e vazou um olho a um dos bófias que o tinha surpreendido, um par de meses antes. Percebi então por que se auto-intitulara de Zarolho, quando tinha ambos os olhos intactos. Entretanto, tentei perceber o que tinha acontecido com o gajo que não falou comigo. Em vão.
Um dias após a minha detenção, fui visitada pela advogada que me calhara em graça. Era bem boa! Chamava-se Rosalina e tinha o dom da palavra. A conversa dela fluía como as melodias criadas por Mozart - romântico, não é? Nunca ouvi Mozart, mas acho que estou apaixonado, pelo que mereço um desconto – e logo me prometeu que num bufo me tiraria dali. Não sei a razão ao certo, todavia as suas frases eram tão límpidas e seguras que só podiam ser verdade.
Depois de ela ter ido embora, balançado aquele rabo enfiado num saia-casaco dois números abaixo do ideal e ao qual me atiraria com unhas e dentes, fiquei tão bem disposto que me fartei de brincar com os meus novos amigos. Rimos e gracejámos imenso. Cheguei ao ponto de escrever na parede, com cuspo ensanguentado depois de esfregar freneticamente as gengivas, 'aqui esteve Carlos Cruz', apesar de saber que o gajo havia sido detido em Lisboa. Mas há muito burro por aí e alguém havia de acreditar, ou pelo menos duvidar.
A noite chegou e com ela o terror. O Chico e o Zeca ressonavam quando senti uma mão enorme a apertar-me o nariz e a boca. Eu estava deitado no meu colchão de barriga para baixo e imobilizado por uma força que me confundia e me impedia de reagir. Nada podia fazer. Então o gajo que afinal não era mudo sussurrou-me ao ouvido. Explicou-me que era cunhado de um primo afastado da mulher do Armando. Disse-me que ele não tinha morrido e que até recuperava bem. E ao mesmo tempo que me puxou as calças um pouco para baixo, desnudando-me as nalgas, aconselhou-me a estar quietinho – sim, quietinho, a sua voz denotava até alguma ternura –, que tudo passaria num instante.
Felizmente passou num ápice. Ao sair de cima de mim deu-me um beijo na orelha e argumentou que 'aquela' tinha sido pelo Armando. Não sei se a experiência se voltaria a repetir, mas esperei que Rosalina fosse rápida a tirar-me dali para fora.


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