29/06/2010

A Condição Humana - André Malraux

Xangai, anos vinte do século passado. Uma cidade cosmopolita, onde se cruzam pessoas e interesses. Cidade chinesa onde persistem concessões a países ocidentais. Assim, franceses, chineses do regime de Chiang Kai-Chek, e chineses revolucionários levam ao extremo a condição humana na sua luta interminável e desesperada pelo poder.
O notável escritor e ensaísta Jorge de Sena, que prefacia e traduz esta edição da editora “Livros do Brasil”, afirma que não se é o mesmo antes e depois de se ler esta obra. De facto, trata-se de uma reflexão pungente, dramática sobre a condição humana, quando o indivíduo é confrontado com dilemas extremos, que o colocam na fronteira da morte, ao serviço de ideias com as quais identificaram o sentido das suas existências.
Nos tempos que correm, continua a ser inexplicável a forma como alguns seres humanos são conduzidos a atitudes e comportamentos radicais, aparentemente ao serviço de ideias políticas. No entanto, Malraux leva-nos a compreender que o que está em jogo nessas atitudes não é uma mera ideologia política ou uma determinada luta por convicções; é todo um sentido que se deu à existência; é um caminho que, em certas circunstâncias conduz inexoravelmente à linha ténue que separa o matar e o morrer.
Mas detenhamo-nos um pouco no enredo desta obra. Para os activistas comunistas de Xangai, a acção imediata, a revolução, é a única via possível para o socialismo. No entanto, Moscovo receia a inferioridade de forças perante o poder de Chiang Kai-Chek (Xan-Kai-Xeque nesta tradução). Para os russos, era necessário recuar estrategicamente, entregando as armas, para que a conquista do poder pelo socialismo se fizesse de forma paulatina. Mas para os guerrilheiros, a fome do povo e o seu sacrifício não se compadeciam com este recuo, que viam como capitulação. Assim deflagra a guerra civil: Chiang Kai-Chek, aliado fiel dos franceses, recorre à mais extrema violência para reprimir a revolta. Inicia-se o ciclo fechado da violência: violência, vingança, morte. A morte atrai a morte. “Fazem-se bons terroristas dos filhos dos executados”, diz Suan, um dos terroristas. É por isso que matar e morrer são coisas tão próximas: quem mata, como Tchen, já morreu um pouco. O sentido da vida aproxima-se irremediavelmente da morte.
Talvez neste ponto se encontre a melhor explicação para o “instinto” suicida dos revolucionários: quem procura o absoluto, o imortal, aproxima-se da morte, procura-a.
E quando não se acredita numa causa, acredita-se numa mulher. Porque o coração tem de comandar a vida. Diz Hemmelrich, um dos revolucionários, com ironia: “se é preciso ser sempre comido, antes por elas”.
No fundo todo o homem aspira a superar a condição humana: a ser Deus; a dominar ou influenciar; a ter poder para modificar algo. Por vezes, a violência deixa de ser apenas uma forma de vingança; é já um sentido definido da existência, uma forma de superar a condição humana. Quando Hemmelrich vê a filha e a mulher mortos e esquartejados, pensa em vingança. Mas o sentido profundo dessa atitude é o amor: “podemos matar com amor”. É a confluência entre o amor e o ódio, entre o amor e a morte, entre o concreto e a intemporalidade. A fronteira ultrapassável entre o homem e Deus.
Entretanto, o velho Giors vai fumando ópio para não pensar: “todos sofrem e cada um sofre porque pensa”. 

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