11/06/2010

Um Livro para Sua Excelência - nº 3

A nossa prenda desta semana vai para António Mendonça, Ministro das Obras Públicas.
Não é minha intenção discutir aqui a polémica do TGV versus crise. Que estamos em crise todos sabemos e que anda muito dinheiro a fugir para maus caminhos também muitos sabem (infelizmente alguns não querem saber e a outros dá jeito fingir que não sabem).
O senhor ministro, bem como o seu superior hierárquico, Engenheiro Sócrates insistem nas vantagens deste investimento e eu até acho muito bem. Houve quem, em tempos de maior míngua do que estes construísse o Estádio Nacional ou a Ponte Salazar. Na altura talvez também fossem considerados “investimentos”, mau grado a gentinha que passava fome. Enfim, são opções…
Para o senhor ministro mais facilmente construir as suas argumentações, eu gostaria de lhe oferecer a Grande Muralha da China, do grande, enorme, incomparável Kafka.
E porquê este livro?
O Imperador chinês, para construir a grande muralha resolveu empreender a obra por parcelas, em pequenos "pedaços", para que cada trabalhador nunca se apercebesse que não chegaria a sua vida inteira para ver a obra acabada. Assim, facilmente conseguiu explorar a motivação e o entusiasmo do trabalhador anónimo. É com este ponto de partida que Kafka constrói um discurso em que o poder político é visto como uma superestrutura anónima, sem rosto, sem corpo nem identidade, que paira de forma mística, auto-sacralizada, por sobre todos os súbditos, também eles anónimos e ignorantes.
Ontem como hoje, recebemos de cima as decisões, não questionamos e continuamos a construir, obedientemente, a nossa parcela…
O mundo em que vivem os obreiros da muralha é um imenso absurdo, no qual a alma humana se encontra abandonada, entregue à sua solidão, vítima de um destino traçado pelos vultos difusos da superestrutura...
O presente é indiscutível, inquestionável porque há um poder sacro-santo, iluminado, que decide... o presente é o que é por vontade de alguém que tudo sabe...
A impotência e a ignorância, em Kafka, são os traços mais marcantes do ser humano. Em Kafka e na vida. Ontem e hoje.

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