28/09/2010

Palácio da Lua - Paul Auster

Marco Fogg é um jovem que nunca conheceu o pai e perdeu a mãe na infância. Abandonado no mundo é protegido por um tio que, também ele, desaparece bastante cedo da sua vida. Fogg partirá assim, antes dos vinte anos, numa viagem por vezes obscura e absurda, ao interior de si próprio, em confronto com um mundo não menos complexo e absurdo.
Fogg herdou do tio Victor 1492 livros; um numero que corresponde ao ano da descoberta de Colombo. Esse era também o nome da sua universidade: Columbia. Assim, a vida de Fogg transformar-se-á numa intensa procura de um novo mundo; o mundo dos seus sonhos, da sua identidade.
Confrontando-se com as imposições da vida, nomeadamente a falta de recursos materiais, Fogg vai vendendo os livros. À medida que se separa deles, perde sempre um pouco mais do tio Victor. E de si mesmo. No entanto, vendeu os últimos livros no dia em que o homem pisou a lua pela primeira vez. A mudança impunha-se; novos mundos nasceriam na vida de Marco Fogg.
Este é um dos primeiros livros de Auster. No entanto, já aqui se revelem algumas das inquietudes que povoam toda a produção ficcional deste escritor genial: a solidão humana, a procura da identidade e um intenso afecto por Nova Iorque e pela generosidade dos nova-iorquinos. Quando, na miséria absoluta, Marco vive no Central Park, como um vagabundo, é admirável a forma como os nova-iorquinos revelam generosidade e compreensão perante a miséria. No entanto, a vida de Fogg transforma-se na imagem da solidão, bem no coração da maior cidade do mundo.
Mais tarde, ao serviço de Effing (um idoso paralítico e cego), Fogg é o intermediário entre o velho e o mundo; paulatinamente, Effing vai revelando a sua função neste livro: ele é o exemplo de um homem que percorreu toda a vida à procura de uma identidade, de um sentido, uma razão para viver. Ele viveu sob dois nomes, à procura do seu lugar na vida. Uma das tarefas de Fogg é escrever o obituário de Effing, que este lhe vai ditando – nada menos que doze blocos de apontamentos. Uma vida que, afinal, cabe num obituário!
Só houve dois momentos na longa vida de Effing em que ele se sentiu realizado e em paz consigo mesmo: o primeiro momento é quando passa um ano como eremita, pintando no meio do deserto, sem a pressão dos outros, sem contas a prestar. Mas nem aí haveria futuro…
O segundo momento é como que o culminar da sua viagem de vida: quando distribui dinheiro pelas ruas de Nova Iorque. A seguir, foi a morte. A seguir foi a morte. Mais uma vez, não havia futuro… mas, dessa vez, houve redenção; o círculo fechou-se no sentido da vida…
Para lá do tom melancólico de muitas páginas de Auster, o escritor revela uma intensa simpatia para com o ser humano, de tal maneira que o leitor é levado a simpatizar com todos os personagens. Por exemplo, Charlie era um louco. Apenas por ter sido vítima da suprema maldade que um ser humano é capaz de construir: a guerra.
Na parte final do livro as personagens principais cruzam-se numa sucessão de incríveis coincidências. Tudo se passa como se, na verdade, o destino dos homens fosse determinado por misteriosas forças de atracção. Talvez a vida humana seja mesmo comandada por um qualquer Palácio da Lua. Como se a vida fosse uma imensa teia, cujos fios por vezes seguem paralelos e outras vezes se cruzam, seguindo caminhos diferentes e irreconciliáveis.
Fogg conservava na carteira uma frase de um bolinho da sorte encontrado no Palácio da Lua (restaurante): “O Sol é o passado; a Terra o presente e a Lua o futuro”. Talvez apenas a Lua seja o futuro. Porque tudo é efémero excepto a mudança. Só a mudança é permanente. As fases da vida, como as da Lua, talvez sejam apenas apeadeiros da mudança… a vida como uma enorme viagem…
Sem dúvida uma dos melhores livros do melhor escritor da actualidade.

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