08/10/2010

Venenos de Deus, Remédios do Diabo - Mia Couto

“A zanga é a nossa jura de amor”. Assim falava Munda Sozinha, companheira de vida do velho Bartolomeu Sozinho. Ele, velho mecânico de navios onde outrora calcorreou mares, agora não se limita a ficar em casa; ele é a casa; “depois de tantos anos, deixamos de viver em casa e passamos a ser a casa onde vivemos”. Depois de uma vida inteira no mar, só a casa lhe dá o ser; ou melhor, o quarto, a sua Nação, onde governa, gere a dívida externa e exonera administradores.
Um dos aspectos mais encantadores desta obra é o peculiar sentido de humor, simples e ingénuo, vindo da alma do povo e carregado com a sabedoria ancestral.
Fumando a tristeza, Bartolomeu sonha enquanto espera a morte. Sidónio, médico português voluntário, espera Deolinda. A vila inteira, Vila Cacimba, espera o futuro que tarda. Todos, sem futuro, brincam com o presente, como se a única alegria se fizesse nas partidas que ainda podem pregar à vida.
No meio da espera, o amor parece ser um ponto perdido no tempo; um alvo abstracto de todas as vidas, um final de enredo que apenas se antevê, apenas se sonha.
O amor, por vezes, é mesmo um lugar estranho. O amor e o sonho, ditos pelos homens soam por vezes com nome de pecado e crime: violação, incesto, infidelidade… muitos venenos, ou remédios? Coisas de Deus ou do Diabo? Cura ou castigo? Pouco importa… pouco importa, também, quem se alimenta desses venenos ou remédios com que se engana o tempo, porque para a vida não há remédio.
Apenas a espera, não necessariamente da morte. Talvez de um renascer para mais tarde remorrer…

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