A partir de hoje o Destante passa a ter uma nova rubrica intitulada “Escritores Na Primeira Pessoa”.
O autor que passamos a apresentar é Paulo Alexandre e Castro autor de “Loucura Azul” livro este já comentado aqui no blogue.
Paula T: Paulo, diga-nos quem é.
Paulo Alexandre e Castro: Em primeiro lugar queria agradecer-lhe pela simpatia deste seu convite. Não podem ser outros a dizer?! Sou aquilo que sou! Serve assim?!...(risos)
PT: Sendo o Paulo autor de livros de poesia e co-autor em diversas obras, “Loucura Azul” é o seu primeiro romance. Como nasceu a ideia deste livro? Teve alguma inspiração especial?
PAeC:. Bom, em relação à sua pergunta, confesso que não sei…responder! Ou melhor, deixe-me que lhe pergunte: como nascem as ideias?!.. Depois também dizer-lhe que 'inspiração' é um termo que me arrepia um pouco, uma vez que me lembra o século XIX!
Aquilo que me motivou há já algum tempo (porque um livro requer tempo para ser feito, para amadurecer, e não se faz em quinze dias!) foram duas coisas distintas, a leitura de um livro «Quando Nietzsche chorou», e um filme muito bem conseguido «Uma mente brilhante». Cruzar estilos, cruzar intrigas e misturá-las com conhecimento.
Sabe algumas das opiniões que me chegam dizem que é um livro que faz pensar, que é um livro inteligente, e isto para mim é o maior elogio que me podem fazer, até porque livros lights e lamechas já existem muitos! (risos)
PT: Quem escreve, tenta buscar algo da realidade envolvente, tudo o que rodeia o autor pode servir de material para a escrita. Em “Loucura Azul” temos uma universidade, uma professora universitária e um aluno. O Paulo é membro do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Pode dizer-se que o Paulo se inspirou no seu meio para arrancar com a sua narrativa?
PAeC: Para que não se preste a equívocos qualquer resposta que possa dar, respondo muito claramente: não me inspirei nesse meio! Aquilo que procuro com este romance é sobretudo (tendo por fundo um tema muito sério) jogar com tabus que persistem na sociedade actual. Tabus sobre a sexualidade, sobre religião, sobre arte, etc., combatem-se com a sua exposição. A força de um tabu é o seu silêncio!
PT: Cada vez mais ouvimos dizer que editar um livro é difícil, como foi com “Loucura Azul”? Encontrar editor foi fácil? Surgiram contratempos?
PAeC: O panorama da publicação em Portugal, é complexo. Por um lado, editar tornou-se um negócio de dinheiro fácil. Surgiram muitas novas editoras cuja motivação é comercial, ou melhor, económica. São editoras que exigem ao autor comparticipação (assim dito para que não se diga que o autor paga totalmente a edição) e nada fazem pela promoção da obra ou do autor. Neste cenário editar um livro é fácil. No fundo estas editoras vivem do sonho de alguém, algum dia publicar um livro, bem que poderiam ajudar a plantar a árvore também! (risos).
Nas editoras convencionais, exige-se realmente do autor talento, integridade e honestidade intelectual. Aqui há diferentes questões: por um lado, algumas editoras procuram apenas editar romances de personalidades públicas ou trazer edições traduzidas de autores com nomes sonantes (cuja qualidade de uns e outros é muito questionável), porque isso significa um retorno financeiro, e por outro lado, há outras editoras mais responsáveis que procuram editar autores nacionais, e apostar de facto no autor, mas que muitas vezes lhe falta agenda e meios de combate a grupos económicos que monopolizam o meio, através da distribuição, das livrarias, etc. Portanto, para responder à sua questão, editar um livro, no meu ponto de vista, continua a ser difícil, exigente e nobre. Creio que os leitores acabam sempre por realizar uma espécie de selecção natural contra o próprio mercado, e isso faz realmente a diferença.
PT: O Paulo sentiu ou sente algum receio em relação à crítica? Conte-nos como esta está a reagir ao seu livro.
PAeC: Não temo crítica absolutamente nenhuma. A ‘crítica’ (se é que existe de facto!) deve andar demasiado ocupada a re-ler os clássicos ou a ler (os títulos e fichas técnicas!) dos ‘afilhados’ gerados no próprio meio. (risos) As opiniões que me fazem chegar através de email, revelam que os leitores merecem todo o meu respeito e que são muito mais exigentes e inteligentes do que se pode pensar.
Reconheço as qualidades que tenho e aquelas em que tenho de melhorar; se as críticas me fizerem crescer, óptimo, fico grato. Se forem elaboradas com o intuito secreto e discreto (será?!), de apenas mal dizer, permita-me apenas que use de uma paráfrase de alguém que dizia «a força da tua inveja é a medição do meu sucesso». Sabe, é que há muitos críticos que gostariam de saber escrever! (risos)
PT: Agora falando um pouco mais sobre a história propriamente dita de “Loucura Azul”. Paulo, porquê Azul a loucura de Maurizio?
PAeC: O Azul é de facto uma cor fantástica! Não é por acaso que os pintores fazem uso de tal cor, cujo expoente máximo foi Klein, com o seu azul tão característico. No caso de Kelin o azul estabelece relações diversas com o vazio, com a imensidão, com a liberdade, com a clareza. Pergunta-me porque colei o azul à loucura? O azul revela inteligência, confiança, serenidade, lógica, mas ao mesmo tempo frieza, ausência de emoções e de simpatia. O azul é a cor certa para se juntar a um termo como loucura, uma vez que a loucura (termo muito mais literário que psiquiátrico, diga-se!) joga precisamente com a dualidade, com a ambiguidade de cenários. Se quiserem podem verificar inclusivamente através da psicologia das cores os diversos efeitos do azul na mente humana.
PT: No início de cada capítulo de “Loucura Azul” o Paulo brinda-nos com citações de autores, como se estas abrissem caminho para a narrativa. Fale-nos um pouco sobre isso.
PAeC: Mais do que abrirem caminho, elas procuram enquadrar o cenário de cada capítulo. Dão a visão mais filosófica e/ou poética que emoldura cada etapa da personagem.
PT: Logo na 1ª página há uma frase que me chamou a atenção e que na minha opinião caracteriza toda a história de Maurizio “A solidão anuncia-se com tortuosos pensamentos que cobrem paisagens, que dissimulam horizontes, que enfurecem deuses escondidos da consciência (…)” Acha que a solidão assola o ser desta forma?
PAeC: A solidão faz parte da natureza humana, isto é inegável. Sem querer entrar a fundo na filosofia, diga-se que a solidão está sempre subjacente ao pensamento do indivíduo, e se por um lado isso se verifica declaradamente no solipsismo metafísico e idealista, por outro, isso está implícito nas mais modernas teorias da mente e da subjectividade. Seja a partir do ponto de vista de Kierkegaard, de Max Stirner, de Heidegger, entre outros, o indivíduo está sempre entregue a si mesmo, e a loucura no fundo revela muito dessa consciência do sujeito encerrado no seu próprio mundo.
Brincando um pouco com isto (ou nem por isso!), eu diria que o autor, o criador está sozinho hoje como nunca antes esteve. Hoje, o criador conta só consigo. Não há ‘correntes’, não há encontros reais de escritores onde se processe uma troca de ideias, de conceitos, de experiências; há de facto encontros de escritores mas cuja única finalidade é a promoção comercial. Isto é absolutamente lamentável! Há mesmo um certo culto da personagem que é o escritor bem sucedido como um ser à margem que vive da sua genialidade da sua solidão!
PT: Qual a sua opinião sobre a literatura portuguesa, no momento actual?
PAeC: Estamos a viver um momento muito bom na literatura nacional, e diga-se de um modo geral, na arte. Há muitos bons autores nacionais (cujo mérito já ultrapassa as nossa fronteiras) e é pena que não se aposte mais na cultura, na arte como suporte de uma sociedade mais esclarecida e informada.
PT: Paulo, para finalizar a nossa entrevista faça referência a um livro e a um país/cidade e fale-nos um pouco de ambos.
PAeC: Os livros são muitos, e destacar apenas um seria uma injustiça. Há autores fabulosos, livros incríveis que me preenchem o imaginário. Cidades? Bom, gosto daquela em que vivo - Torres Vedras, mas amo Lisboa, encanto-me com Praga ou Paris. Recentemente tenho (re)descoberto o Porto, e posso dizer que estou apaixonado…
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PT: Obrigado Paulo pela sua atenção, a equipa do Destante deseja-lhe o maior dos sucessos :)
12 comentários:
Com duas inspirações dessas só pode ser um excelente livro; li "Quando Nietzsch chorou" há uns anos e já estou a precisar de reler; quanto a "Uma mente brilhante" é um filme belíssimo. Na verdade, a loucura e a genialidade não são extremos opostos...
Gostei bastante da entrevista mas gostava de fazer umas observações:
- Em relação ao comentário que faz sobre o panorama editorial, tenho algumas dúvidas sobre a capacidade do público para fazer esse "crivo". Basta ver os milhares de livros vendidos por jogadores de futebol que mal sabem escrever...
- Adorei esta afirmação: "A ‘crítica’ (se é que existe de facto!) deve andar demasiado ocupada a re-ler os clássicos ou a ler (os títulos e fichas técnicas!)dos ‘afilhados’ gerados no próprio meio"
No entanto, duvido que se dêm ao trabalho de ler clássicos. Quanto aos afilhados, na verdade eu ainda estou para perceber como certos escritores chatos e bafientos são elogiados pela critica como se fossem Deuses e ganham prémios literários "a torto e a direito"...
- Sobre o azul, já que o autor faz referência a Klein, lembrei-me de Kandinsky que afirmou qualquer coisa como:“O azul é a cor tipicamente celeste", ou seja, apela ao transcendente, ao infinito, o que, de facto, não anda muito longe da tal "loucura normal" :)
- Sobre a solidão, ainda não li nenhum escritor que a expressasse tão bem como A. Lobo Antunes.
E agora... vou ler o livro :)
Gostaria de começar por dizer que estou duplamente satisfeito: com a entrevista dada pelo autor, e com o comentário do Manuel Cardoso.
De facto, coisas muito estranhas neste endeusamento de escritores, que sou sincero, deixam muito a desejar! Um bom exemplo é o último livro do peixoto que só vende porque tem uma máquina de marketing por detrás a promovê-lo, porque deixa muito a desejar!
Em relação ao livro do Paulo, e devo dizer que já tive o previlégio de falar com ele pessoalmente, e digo-vos que não irão conhecer alguém tão nobre e tão humilde ao mesmo tempo, é um livro absolutamente fantástico! Desde a intriga, às frases poéticas e nalguns casos mesmo filosóficas, que fazem pensar, até às descrições, tudo parece cinematográfico. Quase podemos ver as coisas, cheirá-las, senti-las. Fazia falta um escritor assim e é pena que a 'crítica' ande a dormir! Como diz o paulo na entrevista, e depois de ser percebe-se ainda mehor, é um livro inteligente. Estarei no lançamento em lisboa porque cada vez mais te admiro. Abraço
Parabéns ao blogue por iniciar e ter o bom gosto de convidar este autor para primeira entrevista. Estou a acabar de ler a «Loucura Azul» e só posso estar de acordo com os comentários anteriores. Sou psicóloga e se me pedissem para aconselhar um romance inteligente (o autor aprecia o termo e faz muito bem porque é mesmo um livro que merece essa designação) aconselhá-lo-ia com toda a certeza. Parece que há de tudo neste romance, é fabuloso. E não sendo muito dada a filosofia actualmente percebe-se uma ligação muito curiosa entre a psicose da personagem e o eterno retorno de Nietzsche. Fantástico! Espero um dia ter o previlégio de pedir um autógrafo ao autor.
Li a entrevista e tenho que dar os parabéns ao autor Paulo Alexandre e Castro pela disponibilidade, mas não posso deixar de lembrar o trabalho da Paula! Parabéns aos dois!
O Destante hoje amadureceu. E vamos continuar! Não abandone o lugar, dentro de momentos haverá novidades!
:)))
Ainda não li o livro, mas o título já me tinha despertado a atenção: 'loucura' e 'azul' são duas palavras que me atraem, resumidamente, pelo que podem conter de discutível e simbólico, porque gosto de 'diferenças' e porque azul é a minha cor preferida :) Após a leitura desta entrevista e dos comentários, tenho a certeza de que vou ler e gostar.
Apesar de não ter lido "Quando Nietzsche Chorou", subscrevo na íntegra o comentário do Manuel e afirmo também a minha presença no lançamento em Lisboa.
Parabéns ao autor e também ao Destante, que já guardei nos 'favoritos'.
Conceição Ferreira
Bem o Manuel parece o meu SCB ganhou o desafio com uma goleada, excelente comentário
Os parabéns para o autor (PAeC) e para a Paula ambos fizeram um excelente trabalho.
Da entrevista sublinho o que o autor diz e o Manuel reafirma sobre a crítica (se é que existe de facto!), mas existe e este blog é disso, um bom exemplo :).
Concordo com o autor sobre o estado da literatura nacional, está boa e recomenda-se e com tendência a melhorar.
Obrigada ao blogue pelas perguntas muito bem estruturadas, mas obrigada sobretudo ao autor pela clarividência que colocou nas respostas. Não conheço nem obra nem autor lamentavelmente, mas pelos comentários que tenho lido, em blogues, no facebook, etc, parece-me realmente ser uma obra muito boa. Em relação ao que está dito nalguns comentários, gostava de salientar que só mesmo o monopólio do grupo Leya é que leva a que alguns ditos escritores possam estar onde estão porque sinceramente, a falta de qualidade de alguns deles é gritante. Será que a 'crítica' não vê isto? Estará toda comprada/subordinada? Felicidades para o autor, e para o livro que irei ler certamente.
Maria João (profª)
Desde que colocámos a entrevista do Paulo aqui no blogue que não paramos de receber visitas. Isto é muito bom e só quer dizer uma coisa, as pessoas estão bastante interessadas em conhecer o autor de "Loucura Azul".
Como já referi, li o livro e gostei bastante, muito interessante e viciante, para além de que o meu exemplar (autografado)ficou todo "sublinhado" e cheio de notas...porque é sobretudo uma narrativa que faz reflectir...
Vi o filme que o Paulo menciona e é de facto magnífico, quanto ao livro "Quando Nietzsch chorou" tenho-o aqui em casa há anos e lamentavelmente nunca o li, mas garanto que não passa deste ano! Talvez estivesse à espera de "Loucura Azul" para o ler :P
Concordo com o Jorge sobre o livro do Peixoto. Normalmente gosto da sua escrita, mas do último tive uma desilusão e também já tinha comentado aqui no blogue que "Livro" já tinha sucesso garantido antes de chegar às mãos dos leitores devido à máquina que é o Marketing.
Quanto à crítica penso que também não andam a reler os clássicos pois talvez haja muito que nem os leram quanto muito reler...
Um abraço a todos
Mais uma coisa que me ia esquecendo em relação à crítica...
No mundo da blogosfera existem felizmente "n" blogues sobre literatura e esta é uma crítica válida! É nos blogues que procuro as opiniões sobre os livros que leio. Claro que nos vamos identificando com determinados blogues conforme os gostos literários e posso dizer que até agora me tenho dado bastante bem :) este ano tive uma excepção que foi o livro do Peixoto :P mas já encontrei uma pessoa que "gostou" tanto como eu :P
Claro que há que respeitar quem gosta e quem não gosta ou detesta. Eu respeito, agora há também quem não respeite (o que é lamentável)...
Mas tudo isto para dizer que somos crítica válida!
Jorge, eu por acaso até gosto muito do Peixoto :) Mas concordo que não era necessário todo aquele espectáculo mediático. Até porque somos nós que pagamos essas campanhas e por essas e por outras é que os livros são tão caros.
Vem a propósito desta conversa um livrinho que li ontem: A Casa de Papel de Carlos Maria Dominguez; em pouco mais de 70 páginas explica-se com eloquência o que é a paixão pelos livros e de como eles têm essa maravilhosa característica de unir pessoas.
Infelizmente, para outros, os livros são apenas uma estratégia para ganhar dinheiro...
Mas voltando ao livro de PAC: gostava de saber a opinião do autor sobre a abordagemn do tema loucura por Dostoievski. Na minha opinião, se Lobo Antunes é o mestre na explicação da solidão, o Fiodor é o mestre da explicação da loucura normal. Até que ponto este livro de PAC não ensaia uma nova abordagem dessa espécie de loucura(bem diferente, por sinal, da de Fiodor)?
Bem, eu vou a meio do livro; talvez no final eu proprio encontre a resposta :)
OLá manuel, paula e restante equipa que faz deste (e de outros blogues) uma crítica válida e despretensiosa.
De facto, o tema da loucura está presente em grande parte da arte, da literatura ao cinema, da pintura à música, e não raras vezes acabam por enlouquecer muitos dos artistas! Espero não estar reservado a tal fim!...
Na literatura, está presente em muitos autores, tais como nalguns contos de Oscar Wilde, de Nikolai Gógol, Puskine, L. Carroll, em Cervantes, Nietzsche, e se alargarmos o leque encontramos sob diversas formas e perspectivas, do absurdo ao neo-realismo (pirandello, Beckett, etc). Mas isto é já um tema que encontramos pensado em Walter Benjamim ou em Foucault. Em relação à questão do Manuel, devo dizer que me parece muito mais 'louco' um pequeno livro de Dostoievscki igualmente conhecido, «O duplo» (porque a loucura encontra na duplicidade um dos seus temas de eleição, veja-se o clássico de stevenson, Drº jekyll e Mr. hyde) A loucura de Dostoievski é ao mesmo tempo filosófica e literária, e que atinge através dos retratos sociais e morais de época e das personagens, uma profundidade psicológica que só os grandes mestres da literatura conseguem alcançar. Mais do que «crime e castigo» acho que um bom livro poderá também ser «O idiota», porque é precisamente aquele que agarra nas convicções do autor e as transporta para o personagem, ou seja, a história de um homem bom (genuinamente bom, qualquer coisa entre um dom quixote e um santo)no contacto com a realidade. Ora, é na realidade que os confrontos entre razão e loucura ocorrem, e por vezes a 'idiotice' é apenas uma arma de dissimulação para uma verdade mais profunda. A loucura em Dostoievski é um hino à inteligência do leitor.
Presisamente! (Olá Paulo). Quando trouxe Dostoi para esta nossa conversa estava precisamente a pensar no Idiota. Não sei se é delírio meu, até porque ainda me faltam ler 40 pág. do livro, mas pareceu-me ver alguns pontos de contacto entre Maurizio e Michkin :)
"A loucura em Dostoievski é um hino à inteligência do leitor", diz o Paulo. Diria mais: à inteligência e à sensibilidade. Aquilo põe-nos mesmo a pensar: que diabo, eu quero ser idiota, concluimos nós :). Ou, por outras palavras (que vão dar ao mesmo): os outros são todos idiotas!
Mas se idiota ou louco muitas vezes é também o único caminho possível para a felicidade. Mas isto é muito complexo. Por isso é que Fiodor foi um génio.
Eu não li "O Duplo" (lacuna a corrigir) mas a duplicidade de Jekyll e Mr. Hyde, na minha modesta opinião, reflecte um pouco a duplicidade que todos nós encerramos: nenhum de nós tem UMA personbalidade; nenhum de nós é o que está no BI ou o que os amigos vêm e ouvem no café. Nenhum de nós é um; todos temos um Mr. Hyde connosco. Isto pode parecer uma banalidade mas é algo mais que isso, porque é essa duplicidade que "embrulha" em papel-mistério a nossa loucura normal. É o nosso Mr Hyde que, muitas vezes desempenha o papel do louco que transportamos connosco. Simplesmente, em alguns de nós o Mr Hyde está mais camuflado, mais escondido, passe o pleonasmo :)
Enfim, é isto que a literatura tem de fascinante: é o trazer para a vida assuntos que seriam apenas do dominio da filosofia. E acho que o PAC está a dar um contributo muito válido para que a literatura sirva como intermediária entre a filosofia e o quotidiano de seres minimamente pensantes.
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