11/12/2010

Comentários ao livro "O Deus das Pequenas Coisas" de Arundhati Roy - 3ª Leitura Conjunta do blogue

O livro que decidimos ler na nossa 3ª leitura conjunta aqui no blogue foi a obra de Arundhati Roy "O Deus das Pequenas Coisas"
Se leu o livro e quer participar, pode colocar a sua opinião na caixa dos comentários neste post :)
Avisamos que os nossos comentários contem spoilers.
Comentário da Di
I liked The God of Small Things because it painted us a picture of the caste system in India, of women who are marginalized, of the Love Laws, of mutation and change, of preservation, etc. all through the eyes of Estha and Rahel, children. Instead of the book being a book all about politics, we are painted all these pictures through the perspectives of two young children. I really loved Arundhati Roy’s play with diction. I loved how she cut words in half, splitting one word into two or emphasizing certain syllables, etc. Her play with words is witty and clever. I also enjoyed the way she organized her novel, the nonlinearity in the novel’s narrative. I think this was a way of showing the reader how the small things in life are just as important as the big things, no story is more important than the other. I also enjoyed how the perspectives in the novel were always changing, but then again I have always favoured this literary technique. However I was disturbed and confused that the twins had made love to each other. I had to analyze that part of the narrative for a bit with my Freudian glasses. I feel that this fell in with Roy’s theme of the grotesque in her novel and she was making a point about repressed memories. Towards the final chapters of the book, we see how eventually, one way or another, these repressed memories reveal themselves. I remember taking note that these last few chapters were written with more violence (like the brutality and violence of Velutha’s death. She shows us how repressed memories never really disappear…but how they can sometimes seep into our dreams or how they can sometimes make huge explosions (like this act of incest between fraternal twins…). This book is filled with things to talk about, reflect on and question, from the actions in its plot to its characters to its literary style, and I am really glad I read the book.
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Comentário da Paula T: Este é um livro cuja leitura não é fácil, porém quando entramos na história não conseguimos sair dela. A narrativa alterna entre o passado e o presente através das memórias de Rachel que volta à sua terra – Ayemenem - para se reencontrar com uma parte de si - o seu irmão gémeo (gémeos biovulares "Dizigóticos" chamavam-lhes os médicos") Arundhati Roy, nesta narrativa consegue demonstrar toda a sua tristeza e desalento para com o seu país. Toda a sua crítica não é feita de forma directa e "bruta", mas de forma subtil, na minha opinião esta subtileza traduz-se nas repetições de frases sobre os sentimentos que marcam e que ecoam no nosso pensamento, enaltecendo desta forma determinada realidade. Através dos pensamentos e recordações de Rachel, visualizamos uma Índia Corrupta, suja, pobre e um tanto conformista onde a impotência dos pobres é grande tal como o regime que os lidera. A humilhação da mulher é denominador comum em toda a sociedade e não diferencia classes! "uma filha casada não tem lugar na casa paterna. Quanto a uma filha divorciada (...) não tem lugar em parte nenhuma" Achei a escrita de Roy magnífica e cheia de informação nas entrelinhas. Rachel chega a Ayemen num dia de chuva torrencial - a terra que chora pela sua filha que outrora se foi embora e que carregou consigo o coração pesado pela culpa da morte da prima e do “Deus das Pequenas Coisas”. A prima - Sophie Mol - chega de Londres para passar uma temporada com a família após morte do padrasto de quem gostava tanto ou mais que o pai. Ela é vista por Rachel como a "Amada desde o Princípio", esta ideia de Rachel é repetida do início ao fim da história, "Principio" com letra maiúscula, amada desde o Princípio de todos os tempos, amada como um Deus, amada como Rachel e Estha nunca o foram (no pensamento de Rachel claro). A chegada de Sophie, deixa Rachel insegura, deixa-a com "uma vespa a pairar no coração" vespa esta que consoante os sentimentos que os outros demonstram para com ela, abre as asas, esvoaça, arrepia-a... Rachel teme que Mol lhe tire a única coisa que ela tem - a sua família, a sua Ammu (sua mãe). No dia anterior à chegada da prima, esta família vai ao cinema ver "Música no Coração" e neste "episódio" da narrativa o contraste com o mundo dos gémeos é gritante. No filme, "Todos se amavam uns aos outros. Eram crianças limpas e brancas e as suas camas eram macias e com E-Dre-Dões" tudo é branco, limpo e feliz, enfim o mundo que não têm, que lhes é inacessível e com o qual só podem sonhar. Sophie Mol é comparada neste cenário por Rachel, ela por certo assemelha-se aos meninos do capitão Von Trap (limpa, branca, educada). No cinema, algo de terrível acontece a Estha. Este é violentado pelo empregado do bar, Estha não reage apenas cumpre o que lhe é pedido pelo seu violentador. Outro aspecto comum na Índia - a Pedofilia! Estha como disse não reclama, não diz nada à mãe com medo que esta goste um pouco menos dele, tal como acontece com Rachel. A mãe - Ammu - é o mundo de ambos e todo o seu universo! No momento em que a Família se dirige ao hotel, para passar a noite (antes da ida ao aeroporto) há mais "vermelho" para os receber. "Degraus vermelhos a subir. O mesmo tapete do átrio do cinema perseguia-os". O vermelho pode significar um aviso do que está por vir ou simplesmente para recordar a Estha o que aconteceu no cinema com o homem laranja limonada. No aeroporto, todos esperam a chegada de Margaret e Sophie Mol "de Chapéu, calças à boca de sino e Amada desde o Princípio". Novamente o "P" maiúsculo para enfatizar o amor que os outros sentem por ela. O dia da chegada da prima, era o dia da Grande Representação. Todos tinham de estar bem na Peça, todos tinham decorado os seus papéis (actores de uma vida que não existia, mas que se fazia representar para parecer bem). A Representação, inevitavelmente, transforma-se num caos e todos retomam o seu papel de personagens secundárias ou mesmo de meros figurantes nas suas vidas. Sophie revela-se tão criança como os primos, contudo com uma pitada a mais de maldade que estes. Notamos este facto quando Rachel está a extravasar a sua tristeza matando formigas e Sophie diz-lhe "vamos deixar viver uma para ela ficar sozinha". Tanto para esmiuçar neste livro que se torna complicado fazê-lo por escrito quando numa discussão de corpo presente seria muito mais interessante. Há um capítulo que achei bastante importante e interessante, nomeadamente o Cap. 10, que nos mostra o quanto Estha sofre com o facto de ter sido violentado e de não ter conseguido desabafar com ninguém o que lhe sucedeu por medo. Neste capítulo, enquanto a "Peça" decorre dentro da casa, Estha mexe a compota de banana no Pickles Paraíso. Mexe, mexe, "rema" na compota e enquanto pensa a compota borbulha e as borbulhas afogam-se (tal como Estha nos seus pensamentos) e não há ninguém para ajudar nem a ele, nem às borbulhas, nem ao que irá acontecer. Mexendo a compota Estha traça um plano que marcaria todos para sempre. Os sentimentos, nesta narrativa têm uma enorme importância, tudo gira à volta dos sentimentos dos gémeos por Ammu e pelo Deus das Pequenas Coisas e deste para com Ammu e vice-versa. No entanto, ninguém pode esquecer-se das leis do amor. Que ditavam quem devia ser amado. E como. E quanto" A meu ver as palavras "E como. E quanto" são sonoras e afirmativas. Tornando-se algo inviolável e sem perdão para quem a desrespeitar! Outro personagem muito importante nesta narrativa, mas menos explorado é Velutha, um empregado da família por quem Ammu se apaixona os dois vivem momentos proibidos de prazer e amor. Ammu encontra a liberdade que não tem em Velutha - o Deus das Pequenas coisas - um ser inferior a ela. Ammu ama-o como mulher e os seus filhos amam-no como amigo. No entanto, Ammu não esqueceu que não era ela quem ditava quem devia amar. E como. E quanto. Mas arriscou e o Deus das Pequenas Coisas teve de morrer de forma injusta, violenta e para salvar a honra da família, os gémeos que tanto amavam aquele homem, tiveram de o culpar por algo que ele não fizera. A mágoa de o terem culpado, a mágoa da morte de Sophie Mol persegue-os até à idade em que se reencontram: 31 anos, nem novos, nem velhos, "uma idade morrível". Rachel e Estha, Reencontram-se para se encontrarem, os gémeos passam mais uma vez a ser "nós" não ele e ela, mas "nós" um só ser. No entanto, violam as leis do amor. Que ditavam quem devia ser amado. E como. E quanto. Uma leitura que ADOREI ! Recomendo no entanto com algumas reservas, pois não é uma história de leitura fácil.
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Comentário do Manuel Cardoso:
Só nas Pequenas Coisas residem os laivos de luz a que poderemos, talvez, chamar felicidade. Velutha, o Deus das Pequenas Coisas, intocável e Ammu, tocável amaram-se entre as coisas pequenas, na margem de um rio, entre insectos e ervas, ódios e intolerância e foram felizes nesses laivos de luz. Isto aconteceu antes de as Grandes Coisas tecerem os destinos: as castas, imposição sagrada; Deus e a Ordem; Tradição e Devoção; desgraças, destinos trágicos que só as Grandes Coisas podem dar à vida. A Índia, terra de tradições, religião, ditaduras e outras grandes coisas é o cenário de amores proibidos. Rahel (Rachel noutras traduções) e Estha, irmãos gémeos, felizes nas pequenas coisas que o amor de irmãos envolve, desenharão destinos trágicos nos vestidos brancos, europeus, puros, perfeitos, chiques, de Sophie Mol, a prima perfeita. E todos os destinos se desenharão em torno da menina perfeita a quem os peixes comerão os olhos. O Deus das Pequenas Coisas é um livro estranho. Numa escrita profundamente simbólica, por vezes enigmática, onde se entrevêem traços nítidos de William Faulkner, o leitor é embalado numa escrita de enredo por vezes tortuoso, de onde sobressaem algumas ideias já desenvolvidas por Aravind Adiga: as desigualdades sociais como consequência das tradições hindus, agravadas pelas consequências do sistema capitalista. A civilização europeia continua, no entanto, a ser vista como um modelo, um ideal a seguir no comportamento social, fruto de uma colonização inglesa que deixou raízes profundas, que conseguiu enquadrar a Índia no esquema de superioridade colonialista. Ao longo do livro é constante o lamento de Roy perante os graves problemas da Índia moderna: as injustiças sociais, os abusos de poder, a corrupção, a exploração e abusos de crianças, a violência sobre as mulheres, a falta de higiene pública e privada, a desorganização geral ao nível social e político, etc. etc. Por outro lado, o marxismo e o cristianismo, aparentes instrumentos de revolta, não conseguiram pôr em causa a realidade vigente porque também eles são elementos estranhos, impostos pela velha Europa. O amor e a história romântica de Ammu e Velutha, bem como os laços profundos de amor entre os gémeos, surgem como uma espécie de fuga para o real; um esconderijo nas pequenas coisas. Os dois gémeos vivem um mundo muito próprio, entre os encantos que a inocência infantil proporciona e um mundo reservado de segredos, de vida nos limites do permitido pelos adultos, porque só a proibição dá encanto à busca da felicidade. Ao longo do livro, as súbitas e constantes mudanças de cenário bem como de tempo narrativo tornam por vezes a leitura difícil, sem que o leitor tire grandes benefícios desse esforço que lhe é imposto. Os saltos cronológicos parecem claramente excessivos e muitas vezes desnecessários. Por outro lado, esta técnica narrativa torna a acção demasiado lenta. Alguns episódios, como a espera por Sophia Mol arrastam-se por dezenas de páginas sem que se vislumbrem vantagens dessa lentidão. Assim, a leitura chega a tornar-se enfadonha. É por isso que este é um livro estranho: saturante, fastidioso mas também recheado de uma rara beleza de linguagem e com um final belíssimo, de uma beleza que só a tristeza pode proporcionar.
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Comentário do Ângelo:
Este livro centra-se num acontecimento trágico que assolou uma família Indiana, basicamente a história gira em torno dos dias que antecederam essa trrgédia, passa-se nos finais dos anos sessenta do século passado e atravessa três gerações desta família Indiana, Rahel (filha de Ammu e Baba) é a figura central irmã de Estha, gémeos de óvulos diferentes, Pappachi o avô e Mammachi a avó, o tio Chacko divorciado de Margaret Kochmma (Inglesa) pais de Sophie Mol, bem como Baby Kochama a tia-avó formam o núcleo duro deste clã Indiano de Tocáveis, convivem de perto com os Paravá os Intocaveis Vellya Pappen o pai e Kuttappen a mãe e o intocável mais tocável o seu filho Velutha. Numa parte este livro descreve a viagem de alguns familiares à recepção de Margret e Shopie, que vêm de Inglaterra passar uns tempos na Índia, isto devido ao falecimento do padrasto de Shopie. O relato fascinante dessa viagem a ida ao cinema onde mais uma tragédia irá penetrar esta família, Estha será molestado sexualmente pelo homem laranjada limonada, a partir desse momento será "...uma gota calada flutuando num mar de ruído..", esta comitiva tem um encontro peculiar com uma manifestação dos Naxalistas, facção comunista Indiana que ocupará grande parte do livro. Uma descrição fabulosa do ambiente no aeroporto na chegada de Sophie e Margret, as birras das crianças o atropelo dos adultos na formatação das crianças, lindo. Noutra fase do livro temos o pós acontecimento a vida em Kerela, a polícia de Ayemenem as suas atrocidades cometidas com base em falsas informações. Passagens brilhantes como a morte de Ammu, sozinha numa pensão corpo nu só com o verniz nas unhas, contrastam com duplicação de frases que atingem um certo exagero tornado um pouco fastidioso a sua leitura. A autora introduz-nos no mundo das castas indianas, muita das vezes incompreensíveis para ocidentais, toca ao de leve a problemática a vivencia entre Tocáveis e Intocáveis, a proibição da existência de amor entre eles, aborda também o problema das viúvas nessa sociedade. Conduz-nos de forma bem substancial sobre a introdução do comunismo, ou os vários tipos de comunismo que se criam na Índia, e debate-se com a normalidade das questões politicas ou seja a falta de escrúpulos para conseguirem o que pretendem. Polícias com abuso de poder e corruptos ficam bem vincados no romance. Retrata os sentimentos entre mãe e filhos, a crueldade da separação, a solidão da morte, um livro cheio de inteligência muito bem delineado e escrito, pois os saltos temporais na história estão bem conseguido, repletos de informação complementar sobre a história, roçando por vezes uma certa mastigação nas descrições, fora isso e um romance bastante bom. Gostei particularmente da forma inteligente em como está escrito, sem dúvida um capricho da autora.

4 comentários:

Unknown disse...

Afinal, ao contrário do que eu esperava, as nossas opiniões não são assim tão diferentes :( (smile tristonho porque assim tem menos piada).

Di
adorei essa perspectiva freudiana que enuncias. Não tinha reparado nisso: Roy evoca por várias vezes situações, comportamentos, que resultam de marcas do passado, momentos que só aparentemente são ultrapassados mas que nunca desaparecem do "infra-ego".

Paula: abordas muito bem a questão da "maldadezinha" das crianças e sobre isso gostava de te recomendar um livro que desenvolve muitissimo bem esse assunto: "O Deus das Moscas". Ao longo desta leitura lembrei-me várias vezes desse livro que expõe de forma também muito bonita essa estranha coincidência entre o encanto e o terror das criancinhas :)

Angelo
Adorei a forma como terminas o teu texto "escrito como um capricho da autora". Sem dúvida um capricho que, na minha opinião tem tanto de belo como de estranho; em certos momentos dei comigo a pensar que no meio de tanta analepse e tanta mudança d ecenário a autora não estaria mesmo a brincar com o leitor... no pior sentido do termo. às vezes apetecia-me gritar-lhe: "Diz lá onde diabo queres chegar!!"

Anónimo disse...

Gostei deste livro.
Mostra-nos uma Índia que conhecemos dos filmes,uma anarquia com regras.
Não o achei difícil,mas talvez um pouco morno sem no entanto isso o tornar menos interessante.Com partes entusiasmantes e outras não tanto.
O final no entanto é um turbilhão de emoções que me deixou um nó na garganta e o coração a bater mais forte.A morte de Velutha com as palavras certas escolhidas pela autora para mostrar o amor que ele tinha pelos gémeos.O amor dele por Ammu...Lindo.
Os meus preferidos são Velutha e os gémeos.Os gémeos que com a sua imaginação iam criando um mundo muito próprio.( lembrei-me de "A vida é bela").
Adorei o pormenor da "traça do coração, mais ou menos felpuda" conforme Rahel se sentia feliz ou magoada.
Valeu a pena a leitura deste livro que tinha há anos na estante e que agora por sugestão do blogue finalmente li.
Isabel

Ângelo Marques disse...

Olá a todos,
Mais uma leitura conjunta onde a diferença de opiniões é diminuta.

Di os teus "Freudian glasses" forma iguais aos meus, e sim concordo quando dizes que este livro está repleto de coisas para falar, reflectir e questionar.

Paula fazes uma dissecação impressionante do livro (all about detail).

Manuel penso que este livro é o precursor para autores como Aravind Adiga. Mas concordo isto mais parece um grito de revolta de Roy perante os problemas da sua Índia

Um livro repleto de coisas pequenas (até um Deus tem), muito maçador em certos momentos, muito politico, mas estranhamente muito belo, a inteligência da autora em ligar pensamentos é como o livro estranha e bela, honestamente classificar este livro é difícil, quando se pensa em desistir um pagina mais e estamos a adorar a história.

Paula disse...

Manuel,
Por acaso já tenho este livro que mencionas :) vou ler sim, só não sei se será este ano :)
Quanto à Roy achei a escrita magnífica :) confesso que houve uns momentos em que a leitura levou um tempinho a "arrancar" depois até seguiu bem, adorei...
Quanto às memórias do passado lembro-me de ler num livro de Augusto Cury que as memórias jamais poderão ser apagadas, mas sim reeditadas :)

Ângelo,
Isto havia mais a esmiuçar...mas o texto ia ficar enorme. Por exemplo, não faléi da morte de Ammu que prezava tanto a limpeza e morre num estado lastimável...nada do que Roy escreve é à toa, tudo tem um sentido...

Isabel,
Muito me alegrou saber que fez a leitura connosco :) a próxima leitura está a ser agendada e vai ver que também vai querer participar :D
Quanto ao livro, também achei magnífica o exemplo da traça no coração de Rahel, as repetições lembram-nos a cada momento dos sentimentos dos personagens...