A precariedade da justiça em Cabo Verde é, aparentemente, o tema central desta obra de Germano Almeida. Mas é algo mais que isso. Muito mais que isso, aliás:
André regressa a Cabo Verde, depois de três anos a trabalhar em Portugal. Aí conheceu outra mulher mas era Maria Joana, sua esposa, quem ele esperava encontrar à sua espera. No entanto, o que encontrou foi um pai e uma mãe envergonhados. O pai encontrara Joana “enrolada” com o irmão de André, João, no palheiro. A vergonha do pai resulta do “crime” de João, mas também de uma vingança ainda não consumada. Inicialmente, André parece aceitar a verdade e até restabelece boas relações com João; no entanto, a força da tradição, a honra que o povoado e até o próprio pai exigem lavada em sangue, levarão André, três semanas depois, a cometer o crime: mata João à facada. Será condenado pela justiça, como sabemos logo na primeira página do livro.
No entanto, a riqueza do enredo não está no mistério; está na leitura precisa do pensar e do sentir daquele povo, em confronto com uma justiça que mais parece uma réstia de colonialismo do que qualquer repositório ético ou legal.
Sem a vingança, André nunca seria aceite no povoado. Mesmo sendo ele o traído, a vítima, ele seria sempre visto como o cobarde que não lavou a honra. Esta pressão leva o autor a questionar o verdadeiro sentido da justiça: até que ponto é justo condenar um homem quando os seus actos são determinados, ou pelo menos condicionados, pelo meio sócio-cultural? Poderia o próprio fratricídio ser encarado como um crime horrendo quando é o próprio povo que o incentivou?
Enfim, um livro de leitura rápida, muito agradável, com um conteúdo cheio de fortes implicações éticas e que levanta questões muito profundas no que respeita à ética da justiça e às consequências do confronto de culturas. Para mim, que não tinha lido nada deste escritor, foi uma agradável surpresa. Um livro cheio de leveza mas também de uma incrível sensibilidade e humanidade. Não descansarei enquanto não ler algo mais de Germano Almeida.
Quando deixará a literatura africana de me surpreender?
Também publicado em http://aminhaestante.blogspot.com/
1 comentários:
Um dos livros que me supreendeu este ano. A literatura africana no seu melhor.
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