Os números têm, muitas vezes, significados profundos que vão muito além da aritmética. A numerologia nos textos bíblicos é apenas um dos muitos aspectos fascinantes que este livro envolve. Mas começo este comentário com esta referência porque, terminada a leitura, é um número, um simples algarismo, que me surge na mente para sintetizar o significado da obra. É o número 3. Porquê?
Em primeiro lugar, porque este livro envolve três dimensões, claramente distintas: é uma estória policial, um romance de aventuras e um autêntico manual de história por detrás da ficção. Uma estória nos bastidores da história!
Por outro lado, são três os tempos narrativos que nos fornecem uma interessante visão diacrónica da história de Israel: 1) o tempo bíblico do Antigo Testamento, com todos os mistérios, conflitos e maravilhas do mundo antigo; de Abraão à segunda destruição do Templo, pelos romanos, Halter encaminha-nos por uma viagem maravilhosa através das páginas do Antigo Testamento. 2) as cruzadas, na Idade Média, que a coberto de uma guerra sagrada foram ao mesmo tempo, oportunidades de rapina e pilhagem de tesouros mais ou menos míticos. E 3) o final do século XX, num cenário de conflitos e problemas geo-estratégicos que envolvem, mais uma vez, três elementos: a) os escombros da ex-União Soviética com os negócios escuros e oportunistas da máfia russa; b) os países árabes como o Iraque, aliados dos russos no ódio ancestral a Israel e c) os serviços secretos israelitas, guardiões dos tesouros sagrados mas, acima de tudo, guerreiros dos tempos modernos dispostos a lutar com todos os meios pela defesa da pátria israelita tão arduamente conquistada.
No meio de todos estes conflitos está Jerusalém, pátria sangrenta e mártir das 3 grandes religiões monoteístas: cristianismo, judaísmo e islamismo. Uma encruzilhada de 3 sonhos.
Conseguir sintetizar todos estes elementos num emocionante romance de 400 páginas foi o resultado brilhante deste trabalho de Marek Halter, contado na primeira pessoa.
Sem dúvida, um livro brilhante! Emocionante, profundo, problemático, polémico. Um romance de aventuras que não cai na trivialidade do género, tão em voga, de estórias de espiões; um livro policial que não se refugia em maniqueísmos em culto de heróis; um livro de história onde a informação, a reflexão e a profundidade de análise não resulta em intelectualismo formal e maçador.
Na parte final do livro, quando a emoção se adensa, surge a mais bela e pungente mensagem: israelitas e palestinianos, judeus e islamitas, poderão lutar em conjunto na defesa da sua memória. Não vou desenvolver este aspecto porque me levaria a desvendar aquilo que deve ser o leitor a descobrir. Mas tenho de enfatizar o golpe de génio com que Marek termina a aventura: por uma vez os sonhos uniram-se em Jerusalém na defesa de uma memória que, afinal de contas, une aqueles que a história separou. Jerusalém, a árvore de onde brotaram tantos ramos encerra um sonho único, fundado sobre memórias intemporais.
Brilhante!
Está de parabéns a editorial Bizâncio pela reedição deste livro e, já agora, pela capa simples e magnífica!
Também publicado em: http://aminhaestante.blogspot.com/
1 comentários:
Manuel,
Este livro faz-me lembrar um pouco "O Livro de Safira", de Gilbert Sinoué, onde se prova que as três principais religiões podem perfeitamente coexistir pacificamente e que, no essencial, elas não diferem muito entre elas e até têm um ponto comum - Jerusalém.
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