Terraços de Teerão – Entrevista com Mahbod Seraji
LM – Gostava de começar esta entrevista perguntando-lhe que recordações
é que guarda da sua infância? Como é crescer no Irão?
MS – Obrigado por me entrevistarem. A maior parte das minhas
memórias de infância estão reflectidas na história, noites de verão, céus
cravejados de estrelas, ruas cheias de vida e movimentadas, jogos de futebol,
vizinhas muito bonitas… Penso que a experiência de crescimento é a mesma na
maior parte do mundo. Enquanto criança, praticamente só se conhece a vida que
se vive, não se tem outras bases de comparação. É por isso que as experiências
de infância são queridas para a maior parte de nós e, olhando para trás,
recordamo-las com um sentimento forte de nostalgia e maravilha.
LM – Descobriu o gosto pela leitura quando tinha 10 anos. O que
representavam para si os livros nessa altura?
MS – Sim, com dez anos de idade, li o meu primeiro livro, “White
Fang”, de Jack London, no mesmo terraço descrito na minha história. Foi a
experiência mais extraordinária da minha vida até aquele ponto. Dei comigo
completamente perdido pelo conto em si, sentindo uma grande empatia com os
personagens e, ao mesmo tempo, sabendo que era tudo ficção, que Jack London
criara esta história incrível indo ao fundo da sua imaginação e experiências de
vida. A partir desse momento, os livros tornaram-se parte importante da minha
vida, um qualquer tipo de chamamento para me tornar eu mesmo num escritor,
apercebendo-me do mundo à minha volta com maior sentido de curiosidade,
percebendo, tomando notas – penso que é o que fazem todos os escritores.
LM – O que o levou a ir para os EUA em 1976, com 20 anos? Foi cumprir o
seu sonho ou o dos seus pais?
MS – Vim para os EUA para estudar engenharia. Foi o que muitos
jovens naquela altura fizeram. O país estava no caminho da modernização e
precisava desesperadamente de engenheiros. Pessoalmente, não estava aflito para
me formar em engenharia mas fi-lo pelo meu pai pois ele sempre quis que eu me
tornasse engenheiro. Se dependesse de mim teria escolhido focar-me logo de
início em estudar cinema, escrever e áreas relacionadas. E tinha toda a
intenção de voltar ao Irão depois de me formar, mas com a revolução, a guerra e
tudo mais, decidi permanecer nos EUA.
LM – Pouco tempo de lá chegar uma série de acontecimentos mudaram
drasticamente o seu país. Como viveu esse período estando tão longe do seu
país?
MS – O Irão e a América tornaram-se inimigos com o início da
revolução e com a crise dos reféns de 1979, quando 52 diplomatas americanos
foram mantidos em cativeiro durante 444 dias. A experiência pareceu surreal a
muitos de nós que estávamos a viver nos EUA na altura. Pelo menos cá nos
Estados Unidos, durante 444 dias, todos os noticiários nas televisões e nas
rádios começavam com a cobertura da crise dos reféns, todos os jornais ou revistas
reportavam os acontecimentos nas primeiras páginas. O Irão tornou-se sinónimo
da palavra “inimigo”. Como um iraniano vivendo nos Estados Unidos, não podia
ajudar mas desejar que tudo não fosse mais que um pequeno pesadelo. Uma pessoa
sente-se no limite e ansioso a qualquer momento com toda a atenção negativa e rezava
para que tudo acabasse o mais cedo possível, que de alguma maneira o Irão se
sincronizasse com o resto do mundo. Ao mesmo tempo, o Irão tinha queixas
legítimas contra os EUA pelo derrube, em 1953, do único primeiro-ministro
eleito democraticamente na história do país, e a tomada do poder pelo Xá, que
era um tirano. Durante décadas, os EUA colaboraram com esse homem e treinaram a
sua influente polícia secreta, a SAVAK. Assim, como Iraniano sentias-te
compelido a explicar as raízes da crise aos outros mas, o nacionalismo, pouca
atenção, ignorância histórica fizeram com que algumas pessoas não manifestassem
vontade de abraçar um diálogo civilizado. Muitos Iranianos temeram represálias
e assimilaram a cultura americana; muitos outros apenas mantiveram a cabeça
baixa e a boca calada e foram seguindo com as suas vidas calmamente. O fim da
crise dos reféns foi um alívio bem-vindo para todos os Iranianos que conheci.
LM – Esse período conturbado fez com que ficasse mais tempo nos EUA
onde completou o doutoramento. Entretanto começou a trabalhar. Em que altura da
sua vida é que sentiu que queria ser escritor?
MS – Soube que queria ser escritor a partir dos meus dez anos mas
só comecei a escrever a partir dos quarenta. Claro, continuei sempre a ler e ia
namorando a ideia de escrever mas estava demasiado ocupado com o trabalho e a
vida para lhe dar uma atenção mais séria, até que um dia, depois de ler
“Angela’s Ashes”, de Frank McCourt, me sentei e comecei a escrever no meu
teclado. Esse livro também teve um impacto profundo em mim.
LM – Começou a escrever histórias sobre si próprio, começou aí a
preparação para os Terraços de Teerão?
MS – Muitos dos personagens de Terraços de Teerão são reais. Muitos
dos acontecimentos foram baseados nas minhas experiências de infância. Como
escritor, queres sempre escrever sobre aquilo que sabes e, para mim, ao
escrever o meu primeiro livro, foquei-me num tópico que melhor sabia e com o
qual estava empolgado.
LM – Com este seu primeiro romance quis mudar um pouco a imagem que o
mundo tem do seu país. Como explica que o mundo tenha uma má imagem do Irão e
esteja tão enraizada no subconsciente das pessoas?
MS – O melhor que se pode fazer enquanto escritor é pôr o nosso
trabalho cá fora e esperar que um número razoável dos nossos leitores acabe por
ver o mundo através dos nossos olhos e simpatize com as nossas experiências. A
partir dos e-mails que recebo diariamente através do meu website, parece que consegui
atingir esse objectivo de alguma maneira. Ou pelo menos, espero que o tenha
conseguido.
LM – Terraços de Teerão pode ser lido como uma obra autobiográfica,
concorda? Podemos considerar Pasha como o seu retrato?
MS – De alguma maneira, Terraços de Teerão é um trabalho
semi-autobiográfico e o Pasha e eu temos muito em comum. Ambos gostamos de ler
e queríamos ser escritores; éramos ambos maduros para a nossa idade; ambos irremediavelmente
românticos; leais com os amigos; esperando e desejando sempre fazer o que está
correcto; amamos as nossas famílias e temos carinho pelas pessoas à nossa
volta. Mas penso que o Pasha era muito mais bem-parecido do que eu.
LM – Qualquer um de nós se identifica facilmente com os seus personagens.
Fale-nos um pouco do processo de desenvolvimento de uma personagem literária.
MS – Para criar personagens com as quais os leitores se
identifiquem, tem que se ser consistente com as suas características, mas
também se quer que cada uma seja única. Por exemplo, Ahmed é sempre engraçado,
despreocupado, corre demasiados riscos, sempre à procura de uma maneira de
entreter as pessoas à sua volta; Iraj é um “marrão”, um viciado em tecnologia com
visões não realísticas do mundo que ele está constantemente a tentar mudar
através das suas invenções; a avó está obcecada com a vida que nunca viveu ou
gozou; Doutor é um revolucionário, disposto a sacrificar a sua vida pelas suas
crenças e a Zari é uma mulher forte para quem, marcar uma posição e ser honrada
é especialmente importante. O acto horrível que ela comete a meio da história
não é por amor pelo Doutor, mas é mais uma maneira de ela enviar uma mensagem
às autoridades dizendo que as pessoas não podem ser silenciadas pela força e
que as “rosas vermelhas” como o Doutor viverão para sempre.
LM - O Ahmed é bastante divertido e com grande sentido de humor,
agradam-lhe essas qualidades nas pessoas?
MS – Sim, o humor é algo que valorizo muito. Quis que o Ahmed fosse
o brilho numa história que de outra forma é muito séria em vários aspectos.
LM – É bastante interessante a forma como nos dá a conhecer a cultura
do seu país. Acha que ainda é pouco conhecida?
MS – Penso que muitas pessoas têm um mal-entendido da cultura Persa
e do seu povo. No livro foco e diferencio entre as acções do governo e os costumes
e a psicologia da população em geral.
LM – Quando diz que uma pessoa tem “aquilo”, onde foi buscar essa
expressão?
MS – A palavra “aquilo” provém de um poema de Hafiz, o poeta de
renome iraniano. Não tem uma definição exacta como disse no livro. “Aquilo” são
todas aquelas qualidades que fazem de alguém especial. Pode ver-se e
reconhecer-se nas pessoas que o têm. Não é algo palpável de que se possa dizer
que é isto que faz esta pessoa especial. Só que está lá e consegue-se senti-lo.
LM – Quando foi a última vez que esteve em contacto com as estrelas nos
terraços da sua rua?
MS – Cada vez que olho para o céu e vejo as estrelas recordo-me das
minhas memórias de infância, dormir no terraço, olhar para as estrelas e
dar-lhes os nomes dos meus amigos e das pessoas que amava. De certeza que as
pessoas que vão acampar e que dormem ao ar livre conseguem identificar-se com
essa experiência. Existe algo de incrivelmente humilde em relação aos céus
estrelados. Damos conta quão vasto é o universo e quão pequenos nós somos. As
estrelas também deveriam estreitar os laços entre as pessoas. As estrelas que
vemos à noite aqui nos EUA são as mesmas que vemos em Portugal ou no Irão ou no
Japão. Fazemos todos parte do mesmo universo.
LM – Este seu livro de estreia foi muito bem recebido pela crítica,
tendo mesmo recebido vários prémios e distinções. Estava à espera disso ou
ficou surpreendido dado tratar-se da sua primeira obra publicada?
MS – Não esperava a atenção que o livro recebeu. Estou radiante com
isso e é uma das experiências mais gratificantes da minha vida. Não a trocaria
por nada deste mundo.
LM – Pode dizer-se que escreve de uma forma poética, esta sua forma de
escrever ajuda a passar as suas mensagens?
MS – As pessoas dizem isso e eu nem sempre sou capaz de ver o
aspecto lírico do meu estilo de escrever. É somente a maneira como escrevo. Se
tentasse escrever maneira diferente, talvez não fosse recebido tão bem. Mas
fico radiante que pessoas gostem do meu estilo.
LM – Para todos aqueles que gostaram de ler este seu livro, o que podem
esperar no futuro? Já começou a trabalhar no seu próximo livro?
MS – O meu segundo livro está pronto. Espero tê-lo publicado em
2012 ou 2013. É tipo de história completamente diferente e centra-se na relação
de um rapaz chamado Zal com um pai que ele não conhece muito bem depois da
morte da sua mãe. Conforme o tempo vai passando ele aprende a amar o seu pai,
mas então começa a saber coisas sobre ele e o seu passado que irão testar as
suas convicções e princípios em que ele acredita. Espero que as pessoas desfrutem
tanto quanto desfrutaram de Terraços de Teerão. Penso que o iremos chamar: THE
GARDEN, THE ROSE, THE NIGHTINGALE! (O JARDIM, A ROSA, O ROUXINOL).
Obrigado pela entrevista. Gostei
muito de responder às suas perguntas.
4 comentários:
Olá Luís,
Gostei da entrevista :) desconhecia o autor (tinha visto o teu comentário ao livro e fiquei agradado), mas com esta entrevista quem sabe não vá ler o livro.
Abraços
Olá Ângelo,
Fico contente por teres gostado da entrevista, espero que leias o livro, quem sabe este Natal?
(Se quiseres posso enviar-to, é só dizeres).
Abraço
Olá Luís parabéns pela entrevista.
Quem sabe em 2012 leio o livro :)
Abraço
Li o livro há pouco tempo e gostei. Um livro ternurento.
Visitem http://esempreumpoucodepois.wordpress.com/
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