19/03/2012

O Fim Chega Numa Manhã de Nevoeiro - Renato Carreira

O Fim Chega Numa Manhã de Nevoeiro, um livro de Renato Carreira.
Opinião (Ana Nunes):
O género da Fantasia Urbana tem vindo a crescer até mesmo em Portugal, se bem que lentamente (pelo menos em comparação com estrangeiro). Apesar de já termos alguns exemplos mais genéricos, Renato Carreira usou o modelo mais 'conhecido' nos USA, como sendo, um mundo muito semelhante ao nosso, onde seres sobrenaturais vivem mais ou menos escondidos dos comuns mortais, envolto numa trama de mistério/policial que tanto pode ser lido como stand-alone (história independente) ou como parte de uma série (perdoem-me a definição um pouco genérica).
Nesse contexto o autor saiu-se bem. Temos um mistério intenso (se bem que em alguns momentos bastante previsível), uma excelente exposição de um mundo credível com criaturas de toda a espécie e bem enquadradas. Neste último ponto, devo dizer que fiquei bastante agradada, não só pela diversidade mas também pela forma como nos foram apresentados os diferentes seres sobrenaturais e como se enquadraram na sociedade.
A nível de personagens também as temos para todos os gostos. No entanto sinto que quase nenhuma foi explorada para mostrar todo o seu potencial, muito menos o detective Mendes, que apesar de ser o protagonista e narrador ficou-se apenas pelo superficial. O que o motiva? Do que gosta, do que não gosta? Qual o seu passado? Nada disto é respondido e somos apresentados apenas superficialmente a uma personagem que poderia ter várias camadas de interesse, mas que no fim parece não ter grande profundidade (talvez isto seja esclarecido na prequela?).
O mesmo sucede com quase todas as restantes personagens, exceptuando talvez o Acúrcio e o vampiro-chefe, Zacuto (não me recordo ao certo do nome), assim como o colombiano cujo nome se me escapa de momento também (eu sou péssima com nomes). Pois apesar de muito ficar por contar em relação a estes também, o que nos foi demonstrado é interessante o suficiente para os destacar mesmo em relação ao protagonista.
O que não quer dizer que não existam mais personagens curiosas (a senhoria, por exemplo :), simplesmente não marcam tanto. 
O enredo em si é interessante e tem vários pontos bons como algumas pistas bem colocadas, que de início parecem insignificantes mas mais tarde se mostram importantes e no geral a trama tem um compasso excelente que mantém o leitor agarrado ao livro.
No entanto também é um pouco previsível. E se em certos momentos isto se nota ser propositado, noutros não. Isto deve-se um pouco também ao estilo narrativo da obra. Directa, sem grandes floreados, mas também sem grandes emoções que não o sarcasmos que escorre um pouco por todas as páginas (e que muito me agradou).
As cenas de (suposto) romance estavam cruas e frias, quase se pode mesmo dizer que 'sem sal'. Não digo que isto não tenha sido propositado, mas tornou demasiado óbvio o desfecho de tal 'relação'.
Por outro lado, algumas das cenas de acção estavam escritas num compasso estranho e perdiam aquela sensação quase sufocante que deveriam transmitir. Muito disto se devia ao facto de o narrador ter pensamentos bastante extensos a meio de ditas cenas. Claro que todos sabemos que um humano pensa mais rápido do que fala, daí que seja plausível ter um certo número de pensamentos enquanto corremos pelas nossas vidas, mas até criar um monólogo interior longo vai um grande passo e simplesmente não parece credível. Isto, felizmente, não acontece sempre, mas das vezes que aconteceu quebra a 'adrenalina'.
Fora isso, todas as cenas de acção estão muito interessantes (tanto a nível de desenvolvimento como de execução) e algumas destacam-se positivamente.
A prosa do autor é, por um lado excelente (o sarcasmo e uma certa desconexão em relação aos acontecimentos são fantásticos) e por outro muito ... distante. Parece que estou a contradizer-me, mas uma coisa é distanciar a narrativa o suficiente para não ser demasiado carregada de emoções e outra coisa é retirar as emoções de todo, criando uma prosa, em certa medida, carente de carisma.
Directa e ainda assim rica (especialmente nas descrições e explicações, que não são monótonas), este é um livro que se lê com ligeireza, mas que tinha potencial para ser ainda melhor se o autor não fizesse da prosa algo tão desassociado dos acontecimentos.
Para finalizar, este é um livro que vale a pena ler, com uma história curiosa, boa exploração do conceito e dos 'mitos', assim como uma prosa sarcástica e adequada ao  estilo da trama. Fica a vontade de ver uma sequela publicada em breve e também de ler a prequela que o autor disponibiliza gratuitamente no seu site (O Indescritível Sr. Salcedo).

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