07/01/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


JAIME – PARTE III


Ah, sábado, como adoro este dia da semana. Não é que faça mais ou menos do que nos restantes. Mas a verdade é que o povo está todo disponível neste belíssimo dia. Durante a semana há quem trabalhe e há quem estude, da mesma forma que nos domingos há quem se lembre de almoçar com a família. Por isso resta-me o sábado.
Neste sábado acordei à hora do costume. Quando cheguei à sala a mulher estava a ler uma revista daquelas cujas únicas páginas interessantes são as que exibem as dúvidas sexuais de quem não tem o calo que eu tenho na área. Os miúdos estavam sentados no sofá, como se fossem sardinhas em lata, a ver bonecada esquisita e um ou outro com uma bola de ranho no nariz. Passei por eles e, ao mesmo tempo que os cumprimentei, despedi-me. Não disse os nomes dos putos um por um porque me engano na maior parte das vezes, se bem que eles nunca pareceram importar-se com isso.
Desci as escadas e fui para o café. Tinha vestido as minhas melhores calças e o casaco de cabedal amarelo igual aos que usavam os gajos de um bando de Nova Iorque de um filme antigo. Eram italianos, eles, mas apanhavam sempre no corpo. De qualquer forma, senti necessidade de estar elegante. Afinal, era dia de futsal e os miúdos do bairro iam jogar fora.
Cheguei ao café e pedi uma mini. Fumei dois cigarros seguidos e avisei o dono que fizesse o almoço dali a meia hora: um bife com batatas fritas. Entretanto o Armando entrou e demos duas de treta. Ficou combinado que cada um nós levaria o carro para dar boleia à malta. Ah, o meu carro, um FIAT UNO do século passado que só dá problemas. Talvez para o ano compre outro, se o Estado não me ficar com parte do abono dos chavalos.
O tempo passou e eu comecei a ficar nervoso. Os juvenis do bairro estavam em segundo lugar da classificação. Faltavam três jornadas para acabar o campeonato e íamos jogar em casa do líder. Ia dar molho de certeza. O resto da claque foi chegando, o Márcio, o Rúben, e os outros todos. Nenhum tinha mais do que quinze anos, mas eram duros como tudo. Era malta porreira. Mas atenção, ao contrário do que se diz por aí, eu não sou pedófilo, ou coisa do género. Adoro é ser um herói para eles, sinto-me importante. Até porque o Armando é um cromo, e o facto de eu o enxovalhar o dia todo faz-me crescer ainda mais aos olhos deles.
Chegámos ao pavilhão dos primeiros classificados e insultámos logo os adversários. Andámos à porrada com os pais de alguns dos jogadores deles. Para mim correu muito bem, para dois dos nossos é que não. Mas eles são rijos. Depois roubámos a carrinha que transporta os adversários e mandámos a gaja contra um poste. Foi um espectáculo divertido, rimos bastante. Quando regressámos, a pé, ao pavilhão, partimos algumas coisas pelo caminho. Nada de grave, porém, umas janelas, uns retrovisores, uns vasos. Assim que voltámos às bancadas já lá estava a bófia. Continuamos lá como se nada fosse, afinal somos consequência de uma sociedade que nos descrimina, logo as vitimas somos nós.
Quando avistámos a Biquinha novamente já era noite. Vínhamos bem-dispostos como tudo e eu nem sabia como tinha ficado o resultado final.

http//vascoricardo.blog.com

2 comentários:

Norma Gondar disse...

Isto é tão típico -_-
consegues sempre deixar-me a pensar neste Jaime, tão parecido com tantos outros,que encontramos ali na esquina, no café...

Anónimo disse...

Excelente!Continua,Vasco...
Fico à espera do episódio seguinte!