CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
JAIME
– PARTE III
Ah,
sábado, como adoro este dia da semana. Não é que faça mais ou
menos do que nos restantes. Mas a verdade é que o povo está todo
disponível neste belíssimo dia. Durante a semana há quem trabalhe
e há quem estude, da mesma forma que nos domingos há quem se lembre
de almoçar com a família. Por isso resta-me o sábado.
Neste
sábado acordei à hora do costume. Quando cheguei à sala a mulher
estava a ler uma revista daquelas cujas únicas páginas
interessantes são as que exibem as dúvidas sexuais de quem não tem
o calo que eu tenho na área. Os miúdos estavam sentados no sofá,
como se fossem sardinhas em lata, a ver bonecada esquisita e um ou
outro com uma bola de ranho no nariz. Passei por eles e, ao mesmo
tempo que os cumprimentei, despedi-me. Não disse os nomes dos putos
um por um porque me engano na maior parte das vezes, se bem que eles
nunca pareceram importar-se com isso.
Desci
as escadas e fui para o café. Tinha vestido as minhas melhores
calças e o casaco de cabedal amarelo igual aos que usavam os gajos
de um bando de Nova Iorque de um filme antigo. Eram italianos, eles,
mas apanhavam sempre no corpo. De qualquer forma, senti necessidade
de estar elegante. Afinal, era dia de futsal e os miúdos do bairro
iam jogar fora.
Cheguei
ao café e pedi uma mini. Fumei dois cigarros seguidos e avisei o
dono que fizesse o almoço dali a meia hora: um bife com batatas
fritas. Entretanto o Armando entrou e demos duas de treta. Ficou
combinado que cada um nós levaria o carro para dar boleia à malta.
Ah, o meu carro, um FIAT UNO do século passado que só dá
problemas. Talvez para o ano compre outro, se o Estado não me ficar
com parte do abono dos chavalos.
O
tempo passou e eu comecei a ficar nervoso. Os juvenis do bairro
estavam em segundo lugar da classificação. Faltavam três jornadas
para acabar o campeonato e íamos jogar em casa do líder. Ia dar
molho de certeza. O resto da claque foi chegando, o Márcio, o
Rúben, e os outros todos. Nenhum tinha mais do que quinze anos, mas
eram duros como tudo. Era malta porreira. Mas atenção, ao contrário
do que se diz por aí, eu não sou pedófilo, ou coisa do género.
Adoro é ser um herói para eles, sinto-me importante. Até porque o
Armando é um cromo, e o facto de eu o enxovalhar o dia todo faz-me
crescer ainda mais aos olhos deles.
Chegámos
ao pavilhão dos primeiros classificados e insultámos logo os
adversários. Andámos à porrada com os pais de alguns dos jogadores
deles. Para mim correu muito bem, para dois dos nossos é que não.
Mas eles são rijos. Depois roubámos a carrinha que transporta os
adversários e mandámos a gaja contra um poste. Foi um espectáculo
divertido, rimos bastante. Quando regressámos, a pé, ao pavilhão,
partimos algumas coisas pelo caminho. Nada de grave, porém, umas
janelas, uns retrovisores, uns vasos. Assim que voltámos às
bancadas já lá estava a bófia. Continuamos lá como se nada fosse,
afinal somos consequência de uma sociedade que nos descrimina, logo
as vitimas somos nós.
Quando
avistámos a Biquinha novamente já era noite. Vínhamos
bem-dispostos como tudo e eu nem sabia como tinha ficado o resultado
final.
http//vascoricardo.blog.com
2 comentários:
Isto é tão típico -_-
consegues sempre deixar-me a pensar neste Jaime, tão parecido com tantos outros,que encontramos ali na esquina, no café...
Excelente!Continua,Vasco...
Fico à espera do episódio seguinte!
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