14/01/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


JAIME – PARTE IV

Odeio quando isto acontece. Porque é que os putos estão sempre doentes? No meu tempo, eu comia terra e era ferrado por cães da rua e nada me acontecia. Nos dias de hoje, pois bem, cambada de fracos... Abre-se uma janela de casa porque a mulher não sacode os cobertores e os tapetes quando devia e lá vem uma constipação; sai-se de casa, chega uma aragem e lá vêm os espirros e as tosses irritantes; vão para escola e ficam todos engripados; se há uma bactéria qualquer, ficam infectados que nem peças de dominó a tombar umas a seguir às outras. É demais! Fracos, fracos fracos!
E qual a razão das minhas queixas? Para já porque acordei uma dezena de vezes durante a noite. Não foi por causa dos berros dos miúdos, pois mesmo que os ouça, deixo-me ficar. A mulher que vá, que ela é que é mãe. O que me irrita é que, antes de se levantar para acudi-los, bufa para o ar como se estivesse a querer arrefecê-lo, afasta os cobertores freneticamente e, quando regressa, atira-se para a cama como se estivesse numa prova de salto em altura. Se fosse mais magra, mais nova e menos preguiçosa, aposto que seria recordista nacional da modalidade. Mas a culpa é dela, deu-lhes mimo a mais. Por mim, ficavam a chorar a noite toda. Dois ou três serões chegariam para perceberem que não lhes adiantava de nada. Mas não... A rainha-mãe vai lá sempre... E eles continuar a chorar e a reclamar.
Mas, pronto, ontem um dos catraios ganhou febre durante a noite... 39,5ºC, como se fosse muito... Fraco, repito! Mesmo assim foi para a escola. Podia ser que ficasse bom. Mas não, o frasquinho de cheiro continuou com febre e, às 18h00, agarrei nele e nos outros, fui buscar a mulher ao trabalho, que eu não tenho jeito para falar com médicos, e lá fomos todos para as urgências do hospital central. O FIAT PUNTO ia carregadinho. Quando acelerava, fazia ainda mais fumo preto do que habitualmente e batia com o pára-choques traseiro no chão a cada lomba que atravessasse. Tenho mesmo de mudar de carro.
Primeiro tive dificuldade em estacionar o carro. Depois estava uma fila imensa para fazer a pré-triagem ou lá como isso se chama. A seguir vi que o chavalo demoraria porque tinha a pulseira verde. Perguntei à mulher se ele não tinha febre. Ela disse que não, porque lhe tinha dado um comprimido assim que o fora buscar. Pouco inteligente, não? Não está habituada a jogar com o sistema, ela. Ingénua...
Fui para a sala de espera. Estava cheia. Havia gente de todo o tipo. Uns encontravam-se bem vestidos, mas a maioria estava de fato de treino, como eu, e cabelo colado à cabeça. Havia também ciganos - notava-se pela cor da pele -, peixeiras - notava-se devido ao cheiro - e alguns trabalhadores – notava-se pelo cheiro a suor. Irritei-me um pouco, lá.
Os putos dos outros não se calavam. Corriam e brincavam, como se não estivessem doentes. Guinchavam de satisfação como se aquele fosse o melhor local do mundo. Mexiam em tudo e tropeçavam nos pés de quem aguardava. Cambada de animais é o que digo! Só depois me apercebi que os meus filhos estavam no meio deles, incluindo o que era suposto estar doente. A culpa é da televisão e do senhor gordo que dá dinheiro aos outros, e também do hospital por colocar televisões onde não deveriam estar. Depois procurei a mulher, para tentar perceber por que razão não tinha os putos debaixo de olho. Andei pelos corredores até encontrá-la cá fora a fumar e a conversar alegremente com outras duas senhoras. Sim, senhoras! Espiei por segundo e resolvi juntar-me a elas. Cravei um cigarro e mandei a mulher ir ter com os miúdos num tom autoritário, para me fazer sentir. Fiquei mais um bocado com uma delas, que era bem boa. Saquei-lhe o número e fui levá-la a casa. Se entretanto eles fossem atendidos que esperassem, que eu também espero pela minha vez quando jogo bilhar a dinheiro lá no bairro.
Mas fiz o trajecto e regressei, e eles ainda não tinham sido atendidos. Os ciganos insultavam enfermeiros e médicos. Eu juntei-me ao barulho, afinal vivo num país civilizado e pago impostos para quê? Tenho de ser bem atendido.

http//vascoricardo.blog.com

3 comentários:

Ângelo Marques disse...

Vasco, isto está cada vez melhor...

Vasco disse...

:) Obrigado, Ângelo.

Paula disse...

Ângelo, eu diria que este Jaime está cada vez pior!!!
Mas a crónica, esta está a ficar excelente sim :D