CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
JAIME
– PARTE IV
Odeio
quando isto acontece. Porque é que os putos estão sempre doentes?
No meu tempo, eu comia terra e era ferrado por cães da rua e nada me
acontecia. Nos dias de hoje, pois bem, cambada de fracos... Abre-se
uma janela de casa porque a mulher não sacode os cobertores e os
tapetes quando devia e lá vem uma constipação; sai-se de casa,
chega uma aragem e lá vêm os espirros e as tosses irritantes; vão
para escola e ficam todos engripados; se há uma bactéria qualquer,
ficam infectados que nem peças de dominó a tombar umas a seguir às
outras. É demais! Fracos, fracos fracos!
E
qual a razão das minhas queixas? Para já porque acordei uma dezena
de vezes durante a noite. Não foi por causa dos berros dos miúdos,
pois mesmo que os ouça, deixo-me ficar. A mulher que vá, que ela é
que é mãe. O que me irrita é que, antes de se levantar para
acudi-los, bufa para o ar como se estivesse a querer arrefecê-lo,
afasta os cobertores freneticamente e, quando regressa, atira-se para
a cama como se estivesse numa prova de salto em altura. Se fosse mais
magra, mais nova e menos preguiçosa, aposto que seria recordista
nacional da modalidade. Mas a culpa é dela, deu-lhes mimo a mais.
Por mim, ficavam a chorar a noite toda. Dois ou três serões
chegariam para perceberem que não lhes adiantava de nada. Mas não...
A rainha-mãe vai lá sempre... E eles continuar a chorar e a
reclamar.
Mas,
pronto, ontem um dos catraios ganhou febre durante a noite... 39,5ºC,
como se fosse muito... Fraco, repito! Mesmo assim foi para a escola.
Podia ser que ficasse bom. Mas não, o frasquinho de cheiro continuou
com febre e, às 18h00, agarrei nele e nos outros, fui buscar a
mulher ao trabalho, que eu não tenho jeito para falar com médicos,
e lá fomos todos para as urgências do hospital central. O FIAT
PUNTO ia carregadinho. Quando acelerava, fazia ainda mais fumo preto
do que habitualmente e batia com o pára-choques traseiro no chão a
cada lomba que atravessasse. Tenho mesmo de mudar de carro.
Primeiro
tive dificuldade em estacionar o carro. Depois estava uma fila imensa
para fazer a pré-triagem ou lá como isso se chama. A seguir vi que
o chavalo demoraria porque tinha a pulseira verde. Perguntei à
mulher se ele não tinha febre. Ela disse que não, porque lhe tinha
dado um comprimido assim que o fora buscar. Pouco inteligente, não?
Não está habituada a jogar com o sistema, ela. Ingénua...
Fui
para a sala de espera. Estava cheia. Havia gente de todo o tipo. Uns
encontravam-se bem vestidos, mas a maioria estava de fato de treino,
como eu, e cabelo colado à cabeça. Havia também ciganos -
notava-se pela cor da pele -, peixeiras - notava-se devido ao cheiro
- e alguns trabalhadores – notava-se pelo cheiro a suor. Irritei-me
um pouco, lá.
Os
putos dos outros não se calavam. Corriam e brincavam, como se não
estivessem doentes. Guinchavam de satisfação como se aquele fosse o
melhor local do mundo. Mexiam em tudo e tropeçavam nos pés de quem
aguardava. Cambada de animais é o que digo! Só depois me apercebi
que os meus filhos estavam no meio deles, incluindo o que era suposto
estar doente. A culpa é da televisão e do senhor gordo que dá
dinheiro aos outros, e também do hospital por colocar televisões
onde não deveriam estar. Depois procurei a mulher, para tentar
perceber por que razão não tinha os putos debaixo de olho. Andei
pelos corredores até encontrá-la cá fora a fumar e a conversar
alegremente com outras duas senhoras. Sim, senhoras! Espiei por
segundo e resolvi juntar-me a elas. Cravei um cigarro e mandei a
mulher ir ter com os miúdos num tom autoritário, para me fazer
sentir. Fiquei mais um bocado com uma delas, que era bem boa.
Saquei-lhe o número e fui levá-la a casa. Se entretanto eles fossem
atendidos que esperassem, que eu também espero pela minha vez quando
jogo bilhar a dinheiro lá no bairro.
Mas
fiz o trajecto e regressei, e eles ainda não tinham sido atendidos.
Os ciganos insultavam enfermeiros e médicos. Eu juntei-me ao
barulho, afinal vivo num país civilizado e pago impostos para quê?
Tenho de ser bem atendido.
http//vascoricardo.blog.com
3 comentários:
Vasco, isto está cada vez melhor...
:) Obrigado, Ângelo.
Ângelo, eu diria que este Jaime está cada vez pior!!!
Mas a crónica, esta está a ficar excelente sim :D
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