06/06/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


MOUSTAFA (e Maria e Bruno) – PARTE VI


Quando era miúdo adorava ver filmes de guerra.
Lembro-me de ver o “Platoon” e de delirar com aquela morte heróica ao som da música clássica, quando os vietcongues perseguiam o Willem Defoe. Eles disparavam, disparavam, disparavam e o gajo tardava em morrer. Na verdade até demorou tempo demais, aquele traidor, o bufo, que não se calou nem defendeu os colegas. Uma pessoa deve proteger os irmãos de armas acima de tudo, nem que para isso tenha de engolir sapos - raios, como odeio sapos.
Recordo-me também quando o Marlon Brando assumiu que adorava o cheiro do Napalm em “Apocalipse Now”. Durante anos snifei latas de cola de sapateiro a pensar que era Napalm, imaginando-me na pele do coronel que dava cabo daquela corja toda. Não matei ninguém, mas dava uma moca do caraças. Era agradável nomeadamente quando me sentia deprimido.
Eu amava aquele ambiente de atirar a matar, servir sem perguntar porquê, mostrar o poder a quem tinha de ser subjugado. Por isso, quando atingi a maioridade, uns dias antes de ter perdido a virgindade, fui para a tropa.
Foi um dia feliz, do qual me senti incrivelmente orgulhoso.
Daí em diante podia tatuar os braços com naifas e caveiras, usar botas iguais às dos skinheads, colocar uma fita na testa semelhante à do Rambo quando fosse para o mato cortar as urtigas e vestir t-shirts caveadas e pretas - embora para tal precisasse de ganhar músculo.
Por isso quando fui destacado para o quartel de Estremoz fiquei imensamente grato à nação. Primeiro agradeci ao Rei de Espanha, mas depois percebi que a cidade não era Badajoz, daí que, em seguida, me tenha sentido grato para com o presidente português da altura, e só por esse facto lhe perdoei que o seu partido fosse representado por uma rosa - rosas, mas quem gosta de rosas?
A rosa é sinal de fraqueza, de amor. Coisas para S-A-C-I-R-D-E-M e S-O-D-A-H-L-A-F. E isso são coisas que não sou! Digam o contrário e eu chamo a Maria e o Bruno para, que nem uma matilha esfomeada, vos devorar. Tendes é de estar em inferioridade numérica, de preferência 1 para 3, para minimizar os riscos.
Por falar em Maria e Bruno, foi doloroso perceber que me iria separar deles. Dos meus amigos, meus seguidores. Mas um mundo novo se dispunha diante de mim. Eu tinha de partir, conquistar as forças armadas, reunir um exército como fez, um dia, o Roberto Carlos... ai não, esse foi o que cantou a música do Calhambeque... referia-me ao Carlos Magno!
Bem, a Maria não podia vir porque era gaja. O Bruno também não porque era asmático. Mas, génio que é génio encontra sempre solução. Então, enfiei-os na mochila, daquelas da tropa, das que são do meu tamanho, e levei-os junto a mim. Carreguei-os em prol do grupo, o nosso grupo. E lá fomos para Badajoz, perdão, Estremoz.
Cheguei lá e era só pessoal porreiro. Eram tão afáveis que me davam com toalhas molhadas e enroladas no rabo. Eu ria-me para eles e eles faziam o mesmo. Esfreguei as sanitas com a minha escova dos dentes e lavei-os a seguir, o que foi óptimo para ganhar defesas. Insultavam-me e eu resistia às ofensas, porque sabia que não eram sinceras, que só serviam para me tornar mais forte. Enfim, enquadrei-me na perfeição.
Depois de uns dias assim, lá está, abraçaram-me e levaram-me às meninas. Na verdade era só uma. Uma mulatinha franzina de buço enegrecido e queixo proeminente, que mais parecia um quarentão raquítico acostumado às tabernas, devido à penugem grossa e ao cheiro a álcool. Chamava-se Renatinha, ela. Por algum motivo os meus compinchas tinham-se apercebido da minha inocência e fomos uns vinte amigos, e a Maria e o Bruno escondidos, divididos por quatro carros, em direcção a uma cidade próxima. Ela acenou-me de um segundo andar de uma pensão rasca e eu subi a tremelicar das pernas. Ela despiu-se e eu demorei a reagir. Os meus companheiros gritavam palavras de incentivo na rua e no passeio. E lá me desenrasquei numa questão de segundos. Ela endossou-me um sorriso desdentado e eu retribui. Afinal tinha sido meiga e durante noites a fio acabei por sonhar com ela.
Quando desci a escadaria, todos me abraçaram. A Maria e o Bruno choravam de emoção. Depois os meus colegas de quartel ficaram brancos ao perguntarem-me se tinha usado um preservativo. Como eu inquiri o que raio era isso que nem sabia pronunciar, eles espancaram-me, até a minha amada descer a confirmar que sim.
Sanada a pequena discussão fomos para os copos. Foi lindo. Fui abraçado por eles, já bêbedos, e senti-me um verdadeiro soldado, pronto para enfrentar qualquer adversidade.
Mais tarde, encontrei a Renatinha a assar frangos. Tinha um ar triste, uma touca vermelha na cabeça e um crachá no peito. Tinha mudado de nome para Renatão. Mas a sua essência não tinha mudado, continuava com o mesmo olhar dócil e sorriso afável. Afinal tinha sido o meu primeiro amor carnal.



1 comentários:

Guiomar Ricardo disse...

Vasco no seu melhor!
Não sei porquê ,mas a negrinha de que ele fala faz-me lembrar a senhora negra que assa frango à angolana na churrasqueira da esquina?!Coincidência...ou não...
Adorei esta crónica que faz realçar ainda mais o seu humor implacável, mas subtil.