CRÓNICAS
DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
MOUSTAFA
(e Maria e Bruno) – PARTE VI
Quando era miúdo
adorava ver filmes de guerra.
Lembro-me de ver
o “Platoon” e de delirar com aquela morte heróica ao som da
música clássica, quando os vietcongues perseguiam o Willem Defoe.
Eles disparavam, disparavam, disparavam e o gajo tardava em morrer.
Na verdade até demorou tempo demais, aquele traidor, o bufo, que não
se calou nem defendeu os colegas. Uma pessoa deve proteger os irmãos
de armas acima de tudo, nem que para isso tenha de engolir sapos -
raios, como odeio sapos.
Recordo-me também
quando o Marlon Brando assumiu que adorava o cheiro do Napalm em
“Apocalipse Now”. Durante anos snifei latas de cola de sapateiro
a pensar que era Napalm, imaginando-me na pele do coronel que dava
cabo daquela corja toda. Não matei ninguém, mas dava uma moca do
caraças. Era agradável nomeadamente quando me sentia deprimido.
Eu amava aquele
ambiente de atirar a matar, servir sem perguntar porquê, mostrar o
poder a quem tinha de ser subjugado. Por isso, quando atingi a
maioridade, uns dias antes de ter perdido a virgindade, fui para a
tropa.
Foi um dia feliz,
do qual me senti incrivelmente orgulhoso.
Daí em diante
podia tatuar os braços com naifas e caveiras, usar botas iguais às
dos skinheads, colocar uma fita na testa semelhante à do Rambo
quando fosse para o mato cortar as urtigas e vestir t-shirts caveadas
e pretas - embora para tal precisasse de ganhar músculo.
Por isso quando
fui destacado para o quartel de Estremoz fiquei imensamente grato à
nação. Primeiro agradeci ao Rei de Espanha, mas depois percebi que
a cidade não era Badajoz, daí que, em seguida, me tenha sentido
grato para com o presidente português da altura, e só por esse
facto lhe perdoei que o seu partido fosse representado por uma rosa -
rosas, mas quem gosta de rosas?
A rosa é sinal
de fraqueza, de amor. Coisas para S-A-C-I-R-D-E-M e S-O-D-A-H-L-A-F.
E isso são coisas que não sou! Digam o contrário e eu chamo a
Maria e o Bruno para, que nem uma matilha esfomeada, vos devorar.
Tendes é de estar em inferioridade numérica, de preferência 1
para 3, para minimizar os riscos.
Por falar em
Maria e Bruno, foi doloroso perceber que me iria separar deles. Dos
meus amigos, meus seguidores. Mas um mundo novo se dispunha diante de
mim. Eu tinha de partir, conquistar as forças armadas, reunir um
exército como fez, um dia, o Roberto Carlos... ai não, esse foi o
que cantou a música do Calhambeque... referia-me ao Carlos Magno!
Bem, a Maria não
podia vir porque era gaja. O Bruno também não porque era asmático.
Mas, génio que é génio encontra sempre solução. Então,
enfiei-os na mochila, daquelas da tropa, das que são do meu tamanho,
e levei-os junto a mim. Carreguei-os em prol do grupo, o nosso grupo.
E lá fomos para Badajoz, perdão, Estremoz.
Cheguei lá e era
só pessoal porreiro. Eram tão afáveis que me davam com toalhas
molhadas e enroladas no rabo. Eu ria-me para eles e eles faziam o
mesmo. Esfreguei as sanitas com a minha escova dos dentes e lavei-os
a seguir, o que foi óptimo para ganhar defesas. Insultavam-me e eu
resistia às ofensas, porque sabia que não eram sinceras, que só
serviam para me tornar mais forte. Enfim, enquadrei-me na perfeição.
Depois de uns
dias assim, lá está, abraçaram-me e levaram-me às meninas. Na
verdade era só uma. Uma mulatinha franzina de buço enegrecido e
queixo proeminente, que mais parecia um quarentão raquítico
acostumado às tabernas, devido à penugem grossa e ao cheiro a
álcool. Chamava-se Renatinha, ela. Por algum motivo os meus
compinchas tinham-se apercebido da minha inocência e fomos uns vinte
amigos, e a Maria e o Bruno escondidos, divididos por quatro carros,
em direcção a uma cidade próxima. Ela acenou-me de um segundo
andar de uma pensão rasca e eu subi a tremelicar das pernas. Ela
despiu-se e eu demorei a reagir. Os meus companheiros gritavam
palavras de incentivo na rua e no passeio. E lá me desenrasquei numa
questão de segundos. Ela endossou-me um sorriso desdentado e eu
retribui. Afinal tinha sido meiga e durante noites a fio acabei por
sonhar com ela.
Quando desci a
escadaria, todos me abraçaram. A Maria e o Bruno choravam de emoção.
Depois os meus colegas de quartel ficaram brancos ao perguntarem-me
se tinha usado um preservativo. Como eu inquiri o que raio era isso
que nem sabia pronunciar, eles espancaram-me, até a minha amada
descer a confirmar que sim.
Sanada a pequena
discussão fomos para os copos. Foi lindo. Fui abraçado por eles, já
bêbedos, e senti-me um verdadeiro soldado, pronto para enfrentar
qualquer adversidade.
Mais tarde,
encontrei a Renatinha a assar frangos. Tinha um ar triste, uma touca
vermelha na cabeça e um crachá no peito. Tinha mudado de nome para
Renatão. Mas a sua essência não tinha mudado, continuava com o
mesmo olhar dócil e sorriso afável. Afinal tinha sido o meu
primeiro amor carnal.
1 comentários:
Vasco no seu melhor!
Não sei porquê ,mas a negrinha de que ele fala faz-me lembrar a senhora negra que assa frango à angolana na churrasqueira da esquina?!Coincidência...ou não...
Adorei esta crónica que faz realçar ainda mais o seu humor implacável, mas subtil.
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