CRÓNICAS DE UM
PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
MOUSTAFA (e Maria e
Bruno) – PARTE VII
Até agora falei-vos de
episódios da minha vida antes de atingir a maioridade.
Pois bem, algo do qual me
posso orgulhar enquanto adulto aconteceu quando tinha uns 20 anos.
Nesse dia eu enfrentei os meus medos.
Sempre receei pássaros.
Calma que não sou S-A-C-I-R-D-E-M! Isto tem uma justificação!
Primeiro o periquito do meu avô mordeu-me um dedo com aquele bico
que é mais pontiagudo, quase letal, do que se possa imaginar antes
de se ser vitima da ira do pequeno animal - animal ele, o pássaro,
não eu obviamente. Depois fui picado por uma abelha, que não é um
pássaro mas voa, logo têm as suas parecenças. Mais tarde um
milhafre caçou o meu hamster de estimação, a Tonisha, quando
estava acampado nos Açores com os meus pais. Passados dois dias
penso que o mesmo milhafre terá roubado as minhas cuecas favoritas
do Batman quando estavam a secar em cima da tenda após um desarranjo
intestinal inesperado.
Por isso cresci com medo
de andar de avião. Que foi? Pensais que uma coisa nada tem a ver com
a outra? Mas tem. Tanto os aviões como as aves têm asas, caudas,
voam, aterram, descolam e, por vezes, estatelam-se no chão. Andei
pela primeira vez de avião nessa altura em que fui acampar nos
Açores, mas a minha mãe deu-me calmantes e dormi tanto para lá
como para cá.
Assim, esta história
remonta à data em que, corajosamente, voltei a andar de avião.
Nessa manhã encharquei-me de comprimidos, peguei num livro do Paulo
Coelho, enfiei um boné na cabeça e saí de casa em direcção ao
aeroporto. Tinha decidido ir até Madrid, capital da Andaluzia -
penso... Catalunha? Bem, não importa. A Maria e o Bruno estavam à
minha espera, claro. Atravessei 1 metro de passeio, o qual a Maria e
o Bruno colaram com fita-cola depois de a pintarem de vermelho.
Gastaram 7 canetas de feltro para o efeito, mas aquele bocadinho do
passeio parecia a passadeira do festival de Cannes.
Depois de termos feito o
check-in comecei a suar. Tive de ir ao WC de urgência - felizmente a
Maria, à socapa, e o Bruno acompanharam-me - e, nesse campo, ficou
tudo resolvido. Quando fui revistado o alarme não parava de tocar.
Tive de explicar por três ocasiões que possuía um pedaço de metal
na cabeça, devido a uma queda quando era miúdo - foi um acidente,
mas nunca me influenciou a parte psíquica. Em seguida fui relaxando,
quase com sucesso, até enfrentar as portas de embarque ainda
encerradas. Aí, entrei em pânico e corri para outra casa de banho e
engoli o resto dos comprimidos - deduzi que tinha de encontrar uma
farmácia em Madrid para o regresso. Na verdade foi muito divertido
porque quando volvi à área de circulação livre o chão era
cor-de-rosa, as pessoas transparentes, o tecto passara a ser
arredondado, as vozes indecifráveis. Para além disso, havia polvos
gigantes a seguirem-me e latas de atum a correr ao pé-coxinho. Até
cheguei a ter uma conversa com um treinador de futebol de cabelo
branco e boca aberta fracção de segundo sim, fracção de segundo
não, acerca da relação entre os postes identificativos na
autoestrada de Aveiro e as cegonhas que teimavam em fixar-se neles.
Ele, o treinador, fez-me ver que por vezes as coisas não fazem tanto
sentido e eu acabei por aceitar o facto de haver postes
identificativos no raio da autoestrada.
O treinador estava a
ficar um bocado chato. E quando eu pensei que o ia afastar com os
punhos, a Maria e o Bruno salvaram-me, libertando-me daquele que
dizia ser um catedrático da vida.
Fomos para as portas de
embarque e as meninas perguntaram o que eu tinha. Eu respondi num tom
seguro e claro: Are you talkin' to me? Elas mostraram respeito e
deixaram-me passar.
Eu, a Maria e o Bruno
entrámos e eu recordo-me de rir imenso e de eles me mandarem calar.
Logicamente que lhes bati. Nessa altura as meninas começaram a fazer
gestos e a meter máscaras nas caras e coletes nos troncos. Lembro-me
de ter pensado que eram descendentes do alien, aquele feiusco. Como a
Sigourney Weaver não estava presente, tive de ser eu a resolver o
assunto. Por isso gritei e atirei-me ao alien mais próximo de mim -
claro que eu precisava de salvar a humanidade.
Recordo-me de ter
escutado gritos e de ter sentido puxões.
Eu fui tirado do avião
por uns seguranças quaisquer. Mas resisti! Eles pareciam membros de
uma tropa de elite subornado pelos extraterrestres, daí que ainda
tenha enfiado o pé na cara de um e o dedo mindinho no olho de outro.
Dois dias mais tarde
levaram-me a tribunal por causa disso mas acabei ilibado, senão não
teria trabalhado nos correios. No entanto lembro-me ainda hoje de ter
sido nesse dia que impedi a grande ave de sobrevoar os céus. Fui e, na realidade, sempre serei um grande herói.
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