13/06/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


MOUSTAFA (e Maria e Bruno) – PARTE VII


Até agora falei-vos de episódios da minha vida antes de atingir a maioridade.
Pois bem, algo do qual me posso orgulhar enquanto adulto aconteceu quando tinha uns 20 anos. Nesse dia eu enfrentei os meus medos.
Sempre receei pássaros. Calma que não sou S-A-C-I-R-D-E-M! Isto tem uma justificação! Primeiro o periquito do meu avô mordeu-me um dedo com aquele bico que é mais pontiagudo, quase letal, do que se possa imaginar antes de se ser vitima da ira do pequeno animal - animal ele, o pássaro, não eu obviamente. Depois fui picado por uma abelha, que não é um pássaro mas voa, logo têm as suas parecenças. Mais tarde um milhafre caçou o meu hamster de estimação, a Tonisha, quando estava acampado nos Açores com os meus pais. Passados dois dias penso que o mesmo milhafre terá roubado as minhas cuecas favoritas do Batman quando estavam a secar em cima da tenda após um desarranjo intestinal inesperado.
Por isso cresci com medo de andar de avião. Que foi? Pensais que uma coisa nada tem a ver com a outra? Mas tem. Tanto os aviões como as aves têm asas, caudas, voam, aterram, descolam e, por vezes, estatelam-se no chão. Andei pela primeira vez de avião nessa altura em que fui acampar nos Açores, mas a minha mãe deu-me calmantes e dormi tanto para lá como para cá.
Assim, esta história remonta à data em que, corajosamente, voltei a andar de avião. Nessa manhã encharquei-me de comprimidos, peguei num livro do Paulo Coelho, enfiei um boné na cabeça e saí de casa em direcção ao aeroporto. Tinha decidido ir até Madrid, capital da Andaluzia - penso... Catalunha? Bem, não importa. A Maria e o Bruno estavam à minha espera, claro. Atravessei 1 metro de passeio, o qual a Maria e o Bruno colaram com fita-cola depois de a pintarem de vermelho. Gastaram 7 canetas de feltro para o efeito, mas aquele bocadinho do passeio parecia a passadeira do festival de Cannes.
Depois de termos feito o check-in comecei a suar. Tive de ir ao WC de urgência - felizmente a Maria, à socapa, e o Bruno acompanharam-me - e, nesse campo, ficou tudo resolvido. Quando fui revistado o alarme não parava de tocar. Tive de explicar por três ocasiões que possuía um pedaço de metal na cabeça, devido a uma queda quando era miúdo - foi um acidente, mas nunca me influenciou a parte psíquica. Em seguida fui relaxando, quase com sucesso, até enfrentar as portas de embarque ainda encerradas. Aí, entrei em pânico e corri para outra casa de banho e engoli o resto dos comprimidos - deduzi que tinha de encontrar uma farmácia em Madrid para o regresso. Na verdade foi muito divertido porque quando volvi à área de circulação livre o chão era cor-de-rosa, as pessoas transparentes, o tecto passara a ser arredondado, as vozes indecifráveis. Para além disso, havia polvos gigantes a seguirem-me e latas de atum a correr ao pé-coxinho. Até cheguei a ter uma conversa com um treinador de futebol de cabelo branco e boca aberta fracção de segundo sim, fracção de segundo não, acerca da relação entre os postes identificativos na autoestrada de Aveiro e as cegonhas que teimavam em fixar-se neles. Ele, o treinador, fez-me ver que por vezes as coisas não fazem tanto sentido e eu acabei por aceitar o facto de haver postes identificativos no raio da autoestrada.
O treinador estava a ficar um bocado chato. E quando eu pensei que o ia afastar com os punhos, a Maria e o Bruno salvaram-me, libertando-me daquele que dizia ser um catedrático da vida.
Fomos para as portas de embarque e as meninas perguntaram o que eu tinha. Eu respondi num tom seguro e claro: Are you talkin' to me? Elas mostraram respeito e deixaram-me passar.
Eu, a Maria e o Bruno entrámos e eu recordo-me de rir imenso e de eles me mandarem calar. Logicamente que lhes bati. Nessa altura as meninas começaram a fazer gestos e a meter máscaras nas caras e coletes nos troncos. Lembro-me de ter pensado que eram descendentes do alien, aquele feiusco. Como a Sigourney Weaver não estava presente, tive de ser eu a resolver o assunto. Por isso gritei e atirei-me ao alien mais próximo de mim - claro que eu precisava de salvar a humanidade.
Recordo-me de ter escutado gritos e de ter sentido puxões.
Eu fui tirado do avião por uns seguranças quaisquer. Mas resisti! Eles pareciam membros de uma tropa de elite subornado pelos extraterrestres, daí que ainda tenha enfiado o pé na cara de um e o dedo mindinho no olho de outro.
Dois dias mais tarde levaram-me a tribunal por causa disso mas acabei ilibado, senão não teria trabalhado nos correios. No entanto lembro-me ainda hoje de ter sido nesse dia que impedi a grande ave de sobrevoar os céus. Fui e, na realidade, sempre serei um grande herói.



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