11/09/2013

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS
 
GRAÇA – PARTE IX

(Nota: qualquer semelhança entre o conteúdo deste texto e a realidade continua a ser, obviamente, pura coincidência)

Hoje não me apetece falar de política. Vou antes falar da minha vida pessoal para que seja mais fácil perceberem quem é a verdadeira Graça.
Comecemos pela minha casa nova. É muito recente e foi construída num terreno que, na altura em que o adquiri, desvalorizou 500% devido a um problema ambiental. Felizmente, no dia a seguir à escritura, o seu preço por metro quadrado passou a ser um dos mais elevados no concelho. Sorte, ah? Sorte em politiquez tem outro significado que não vou aqui revelar.
O interior da habitação foi decorado por um designer do Quénia muito famoso. Na verdade, é mais famoso pelo facto de ser procurado por atentado ao pudor na via pública em Nairobi, e também por comprar diamantes no mercado negro. Mas nós, aqui, demos-lhe asilo político. Afinal ele é mesmo bom, uma mais-valia para a nação. Além do mais é muito baratinho - por vezes até faz as coisas de borla.
O jardim é tratado por um argelino. É um bom moço, para surdo-mudo claro. Fui muito generosa com ele, tirei-o da miséria. Ainda assim é um óptimo investimento. Não paga impostos nem recebe ordenado. Mas é feliz, tem um tecto e muito trabalho.
O meu marido é consultor de uma empresa qualquer, uma tal de John & Smith & Martins & Sousa Enterprise de Portugal. Trata-se de uma sociedade entre um dono de uma casa de apostas americana, um canadiano que também detém um empreendimento turístico que envolve a captura de ursos brancos, um dono de um banco com sede em território nacional e um português radicado na Venezuela responsável pela distribuição de uma grande variedade de espécies de carnes. Não sei o que é que ele consulta nessa empresa, mas ganha bem - mais do que eu - e isso é que é importante.
Toda a criançada da família - minha e das minhas irmãs - estudam no colégio de freiras. É quase gratuito - só pagamos o seguro escolar e as idas à praia - porque eu sei uns segredinhos acerca delas, e nem é preciso pedir desconto. Basta um olhar cúmplice para que a madre saiba que eu sei aquilo que elas querem que não se saiba. Não é nada de muito grave, mas os religiosos são uns picuinhas do caraças.
Os carros são topo de gama. Um foi oferecido por um construtor alemão que ganhou um consórcio na Beira Interior - uns porreiraços estes centro-europeus. Outro, um jipe, foi uma prenda de um stand por termos patrocinado uma prova nacional de todo-terreno. A carrinha veio cá parar com o livrete no meu nome e a chave na ignição, juntamente com um grande laço cor-de-rosa - ainda hoje não sei quem foi a alma caridosa que mo ofereceu, embora desconfie do Rúben-mãos-levezinhas. E ainda tenho uma charrete e dois cavalos, mas esses estão na casa de férias registada no nome da minha mãe. Felizmente, sou poupada. Só ando com eles quando os carros do governo estão ao mesmo tempo na oficina e os motoristas se encontram ambos de baixa ou com as licenças de paternidade activas.
As roupas que visto são feitas por encomenda em Paris e em Barcelona. Como alta representante da nação, tenho de andar bem apresentada. São um bocado caras e até podia mandar fazer a indumentária no Paquistão ou no Bangladesh, mas ouvi dizer que lá trabalham crianças de 12 anos durante 14 horas por dia. E eu sou uma defensora dos direitos humanos. Todos sabemos que em França e em Espanha as autoridades que regulam a legislação laboral são muito competentes e sérias.
As férias que tiro anualmente são oferecidas pelo país a quem, anualmente, compramos mais serviços. No ano passado, o meu antecessor foi para umas ilhas espanholas, mas este ano tenciono viajar até a América do Sul - talvez possa assim dar um saltinho à Colômbia.
Quanto a compras, tenho crédito ilimitado numa cadeia de hipermercados. O mesmo sucederia com o gasóleo se andasse com as minhas viaturas, com os livros caso eu lesse, com entradas para espectáculos se metesse os pés em teatros e cinemas. Mas aproveito quando vamos jogar golfe nos resorts espalhados pelo país.
Ah! Esperem lá! Estive sempre a falar de política até agora!
Falemos então da parte da minha vida na qual a política não está associada. 
Pois bem, tenho uma tartaruga. Não é muito grande. É verde e comprei-a numa altura difícil da minha vida. Tinha enxaquecas e não era capaz de aguentar o choro das crianças. E é tudo. Ainda dizem que a política não consome a vida de quem está permanentemente preso a ela. E ainda acham que temos regalias a mais.




0 comentários: