13/02/2014

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


MADALENA – PARTE II


Depois de ter saído da igreja, deu-me uma larica que não resisti em passar pela cadeia americana de hambúrgueres cujo dono é um palhaço. Comi um hambúrguer no pão, que noutra ocasião chamar-lhe-ia sandes de carne picada com molhos diversos, e batatas fritas com ketchup que mais parecia sangue coagulado. Ah, e para além disso ganhei um brinde, uma estrunfina em pose de modelo e carregando uma mala cor-de-rosa.
No final da refeição, arrotei e dei por mim a corar, receando que alguém tivesse escutado. Nunca fui uma miúda desinibida e, para ser sincera, para badalhoco já basta o meu pai. Juro que qualquer dia lhe isolo a saída do aparelho digestivo e me instalo no sofá até que ele rebente. É que não há minuto em que o homem não se manifeste, seja por cima, seja por baixo. Por falar nisso, parece ironia do destino ele chamar-se Varatojo. É que rima mesmo com nojo. Eu também me chamo Varatojo, mas no meu caso rima com estojo. Ainda ontem comprei um novo da Ovelha Choné.
Antes de deixar o restaurante, enfiei o punhal que conheceu o Jaime num caixote do lixo, sem que ninguém visse. Quando percorri o passeio, apercebi-me de um paralelo solto e enfiei-o na mala, certa de que me poderia ser útil dali a uns minutinhos.
Rapidamente me desloquei ao único ciber café das redondezas. Ao aproximar-me, escutei vivas, assobios e palmas. Ainda não tinha dobrado a última esquina e já se percebia que o espaço estava num alvoroço.
Assim que cheguei, entrei no café. Estavam uns cinquenta homens e cinco mulheres aos saltos e gritando para o ar. No centro, em cima da mesa, pude ver a Rosalina fazendo um strip tease para uma webcam, enquanto o resto da malta a incentivava.
Quis gritar para captar a atenção dela, mas a música do Barry White entoada nas alturas jamais permitiria que alguém me conseguisse escutar. Por isso dirigi-me ao quadro de electricidade que ficava na entrada. Na verdade não se tratava de um quadro convencional, pois não tinha tampa nem componentes plásticos e os fios encontravam-se à mostra, para além de estar todo enferrujado e de parecer ter resistido a uma guerra mundial. Nada de novo portanto. Com medo de apanhar um choque, fechei os olhos a atrevi-me a mandar a luz abaixo.
E resultou. Todos protestaram. Enquanto se acendiam isqueiros e se ligavam os telemóveis, agarrei na mão da Rosalina seminua e puxei-a para as traseiras.
Sentámo-nos em cima de dois bidons de cerveja de pressão e enfrentei-a.
“Não temos muito tempo, Rosalina. Rapidamente darão pela tua falta quando voltarem a ligar a electricidade.”
“Quem és tu?”
“A Madalena, prazer.”
“Prazer, Madalena. Mas quem és?”
“O teu carrasco.”
“Quem o disse?”
“O padre Cardoso.”
“Ele é padre, jamais faria isso.”
“Um padre marado da cabeça, queres dizer.”
“Ainda assim um padre, miudinha.”
“Madalena.”
“OK, Madalena. E porque queria ele que me matasses?”
“Não sei. Mas não interessa. Ele não é o único.”
“Quem mais deseja a minha morte?”
“Eu.”
“Porquê? O que te fiz eu?”
“Tornaste-me numa criança infeliz.”
“Sério?”
“Não. Mas podias ter transformado.”
“Por que motivo?”
“Porque fizeste com que os meus pais se separassem.”
“Sim? Como se chamava o teu pai?”
“Varatojo.”
“Não conheço.”
“Eu sei. Mas alguém lá em casa ficou viciado em ti. Rapidamente, em vez das telenovelas e dos jogos de futebol, começou a passar na televisão as tuas sessões de strip tease quando, nos teus tempos áureos, foste contratada para aquele canal porno por cabo.”
“Era um canal erótico. Eu não faço porno.”
“Seja. Isso levou a que os meus pais se separassem depois de vários ataques de ciúme.”
“Lamento, miudinha, que tenha esse efeito nos homens.”
“Quem se viciou em ti foi a minha mãe.”
“Sério? Nunca o fiz com uma mulher. Onde é que moras mesmo?”
“Nos teus pesadelos.”
Nesse instante tirei o paralelo do bolso da mala da Sininho, pois estava a incomodar-me de tal forma que já me estava a fazer doer o ombro. Aquele peso era terrível.


3 comentários:

Guiomar Ricardo disse...

Ai a malvada da Madalena...talvez seja preciso chamar um exorcista...kkkkkkkkkkkk............

Cristina Torrão disse...

Que sinistro! A Madalena é malvada, sim, mas com um pai daqueles... Gostei da ideia de o fazer rebentar ;)

Vasco disse...

:)