27/02/2014

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS

CRÓNICAS DE UM PORTUGAL DEMASIADO PORTUGUÊS


MADALENA – PARTE IV


Deixei o Moustafa que nem sempre se havia chamado Moustafa em plena praça. A noite caíra rapidamente, pelo que quando cheguei à porta do único clube nocturno da terra só conseguia distinguir a cara pálida do segurança, que se destacava do seu fato preto de cangalheiro assim como do beco escuro e mal iluminado do edifício ao qual queria chegar.
Se ele tivesse uma máscara negra até seria capaz de o confundir com o Batman. Mas não. Tratava-se apenas do Billy the kid, não o cowboy, mas sim o pugilista amador com zero vitórias e dezassete derrotas que adoptara o nome do tal cowboy. Tratavam-no por Billy porque se chamava Zacarias e kid porque era um adulto. Claro que fui eu quem lhe dei o apelido por causa da tal cena que eu possuía e que me fazia inverter as coisas, um desarranjo psiquiátrico, como dizia o doutor.
Mal me viu, o Billy deu-me um high five e eu brindei-o com uma pancada na careca depois de ter subido às suas cavalitas. Disse-lhe que queria entrar, algo que ele negou, argumentando que eu não tinha idade para isso. Face a essa resposta, peguei num pedação do meu próprio cabelo e enfiei-o por cima do lábio, simulando um bigodaço à Eça de Queiroz. Ele focou-me por um par de segundos e esboçou um ar convencido. Abriu a porta e convidou-me para entrar, tratando-me por senhora Madalena.
Quando invadi o espaço havia um cheiro intenso a fumo e a álcool. A música estava nas alturas mas só uma mesa se encontrava ocupada. Afinal, a noite tinha acabado de chegar. No entanto, essa mesa onde estavam os únicos clientes valia tanto como uma casa cheia. Tratava-se de meia dúzia de homens e mulheres que falavam com sotaque brasileiro. Snifavam coca utilizando um espelho de maquilhagem e aquilo que me pareceu ser uma nota de 100 reais.
Antes de me dirigir a eles, fui ao balcão e pedi um sumo de amora, com gelo. Fi-lo com o bigode posto, claro, não fosse o empregado perceber que eu era apenas uma miúda de 12 anos. Ele serviu-me e quando me voltou as costas roubei-lhe o picador de gelo sem que se apercebesse. Era lindo, o picador, bem pontiagudo como a ocasião o exigia. De copo na mão e palhinha na boca, sentei-me junto daquilo a que alguém chamaria de escola de samba.
“Olá, Graça.”
“Oi, meu bem.”
“Ou devo dizer, ex-ministra Graça?”
“Você me reconheceu, garota? Estou tão feliz! Aprendeu muito comigo quando eu era ministra, moça?”
“Ó Graça, deixa-te de tretas com esse sotaque.”
“Está bem. Mas agora até os brasileiros perceberam que não sou brasileira. Bem, com esta droga toda, talvez não se lembrem que acabaste de me desmascarar.”
“Não creio que seja relevante aquilo que eles possam pensar de ti doravante.”
“Porquê?”
“Porque eu sou a Madalena e vou acabar contigo.”
“Espera lá. És a Madalena? A Madaleninha?”
“Sim, sou.”
“És a filha que eu tive com aquele polvo gigante que trabalhava na câmara nos tempos em que eu era vereadora?”
“Não era um polvo gigante. O meu pai apenas andava constantemente inchado devido aos gases e à dificuldade em digerir os alimentos. O homem doente, portanto. Para além disso, não era a cabeça que inchava, mas sim o estômago.”
“És capaz de ter razão. Não me lembro bem. Só o via nu quando estava drogada. Nem podia ser de outra forma.”
“Pois, eu compreendo.”
“Como está ele, o teu paizinho?”
“Não importa.”
“Então queres fazer mal à tua mãezinha?”
“Não. O padre Cardoso é que queria.”
“E tu não?”
“Eu não. Preferiria que regressasses à política e me arranjasses uma cunha quando crescesse. E depois sim, matar-te-ia.”
“Ó! Tão fofa! Sempre a pensar no futuro. Sais mesmo à tua mãezinha, sua riqueza.”
“Sim. Só que não preciso de cocaína para ter alucinações.”
“Não? Isso deve ficar mais barato! Como consegues?”
“É segredo e não tenciono revelá-lo porque também quero participar no Secret Story 31 quando atingir a maioridade.”
“Que pena. E afinal porque segues os desígnios do padre Cardoso?”
“Porque no fundo sou boa pessoa e seria incapaz de rejeitar o último pedido de um homem às portas da morte.”
“Eu também sempre fui incapaz de rejeitar um pedido, uma oferenda, um favor. Céus, somos mesmo mãe e filha.”
De repente calei-me. Não que as palavras me fugissem, mas porque me havia picado na ponta do picador de gelo enquanto o acariciava docemente.


1 comentários:

Guiomar Ricardo disse...

Eu quando for grande também quero participar no"Secret story 31"...kkkkkkkkkkkkkkk..............
Agora estou ansiosa pela próxima Madalena,Parte V.