Ninguém
 apagará já da História a Revolução de Outubro de 1917. 
Nem os mais 
ferrenhos anti-comunistas, nem sequer os comunistas. E, no entanto, a 
ideia comum que hoje se divulga da Revolução de Outubro pode muito bem 
ser, em muitos casos, uma forma de a apagar, reescrevendo-a.
A
 Guerra e Paz Editores quer celebrar essa data. E vai fazê-lo, com vozes
 não oficias, não oficiosas. São as vozes, as letras e as imagens de 
três livros – antes, durante e depois – para lembrar aos leitores 
portugueses que a Revolução de Outubro faz cem anos. 
O editor da Guerra e Paz, Manuel S. Fonseca, dá a palavra aos factos numa cronologia que tem o único título que poderia ter – Revolução de Outubro
 – e que começa com o enforcamento do irmão de Lenine, condenado pela 
falhada tentativa de assassinar o czar Alexandre III, para acabar, em 
1924, com a entrada do corpo embalsamado de Lenine no mausoléu que ainda
 hoje o guarda. Falam os factos e falam os protagonistas desse período 
heróico em que, de Fevereiro a Outubro, de uma Revolução a outra, a 
Rússia viveu, nas cidades e nos campos, uma intensa e delirante 
democracia, em mil formas de associações. A mesma democracia, livre 
associação e participação que, depois de Outubro, foi silenciada e 
subsumida ou esmagada em organismos ocos e oficiais, de musgosa 
burocracia. Será, então, que Outubro foi mesmo uma Revolução? Plekhanov,
 o pai fundador do marxismo russo, achava que não. As teses bolcheviques
 eram, segundo ele «uma alucinação histórica» e continham o vírus 
totalitário da intolerância. 
Sem
 Lenine, sem a sua obsessão, não teria havido a Revolução de Outubro. 
Maksim Gorki, que foi amigo de Lenine e companheiro dos bolcheviques, 
escreveu, em 1917: «Lenine não é um mágico omnipotente, mas um 
conspirador de sangue frio, que não tem piedade nem pela honra, nem pela
 vida do proletariado. Os trabalhadores não devem deixar que 
aventureiros loucos lancem sobre a cabeça do proletariado crimes 
desgraçados, insensatos e sangrentos, crimes pelos quais pagará o 
proletariado, e não Lenine.»
A Revolução de Outubro
 é um livro que, deixando falar os factos, não pode deixar de se 
interrogar: e se o assalto dos bolcheviques ao poder, se o golpe de 
estado de Outubro de 1917, perpetrado pelos bolcheviques, esse pequeno 
partido extremista que, para a Rússia, não seria maior do que o MRPP era
 em Portugal no 25 de Abril, foi afinal uma contra-revolução?
Com
 capa dura, 160 páginas a vermelho e negro, com 102 fotos e as três 
faces do miolo pintadas manualmente, este é um livro que nos oferece, 
dia a dia, a marcha da revolução. 
Outros
 dois livros oferecem-nos também uma perspectiva incomum da Revolução. 
Em primeiro lugar, um romance que antecedendo a Revolução instilou nos 
espíritos o ideal da luta por um mundo melhor, o ideal do papel 
progressista do revolucionário. A Guerra e Paz vai publicar, pela 
primeira vez em Portugal, o romance O Que Fazer?, de Nikolai 
Tchernichevski. O herói desse livro, Rakhmetov, inspirou Lenine. Esse 
herói era, como o historiador Orlando Figes, o descreveu, «um puritano e
 ascético: numa certa ocasião chega mesmo a dormir numa tábua de pregos 
para oprimir o seu impulso sexual». Lenine encontrou em Rakhmetov, a sua
 referência revolucionária e, em homenagem a ao romance, copiou o 
título, O Que Fazer?, para um dos seus livros de ensaios. Marx 
aprendeu russo para poder ler o romance e, afirma Figes, a história de 
Tchernichevski fez mais pelo ideal e pela causa revolucionárias do que 
todas as obras de Marx e Engles juntas. 
E vamos ao terceiro livro. Revoltada
 é um testemunho de vida escrito de jacto por uma mulher que está à 
espera de ser fuzilada pela Tcheka, a odiosa polícia política de Lenine.
 A autora é a anarquista, Evgénia Iaroslavskaia-Markon. Insubmissa, 
espírito libérrimo, casada com um poeta que foi igualmente fuzilado pela
 Tcheka, esta mulher viveu em estado de rebelião permanente, como se 
quisesse escrever em actos os mais ultrajantes poemas de Rimbaud, ou o 
que de transgressor se pode ler nos Cantos de Maldoror de 
Lautréamont. Há quem escreva, há quem prefira viver, como Evgénia o fez.
 Ou como ela diz: «Ora, aqui têm a minha vida: a vida de uma estudante 
de liceu revolucionária e sonhadora, a companheira de um grande homem e 
poeta – Aleksandr Iaroslavski –, uma eterna peregrina, uma propagandista
 anti‑religiosa itinerante, folhetinista do jornal Rul [O Volante], mulher ardina, ladra reincidente, adivinha, vagabunda!…»
Três
 livros dão-nos o retrato perfeito, vivido, autêntico, polifónico, de um
 tempo histórico, tremendo, decisivo no desenho do que no século XX 
foram a Rússia, a Europa, o Mundo. 
As datas: 
·         Revoltada,
 de Evgénia Iaroslavskaia-Markon, com prefácio de Olivier Rolin, 150 
páginas, traduzido do russo por Nonna Pinto, chega às livrarias a 4 de 
Outubro. 
·         Revolução de Outubro, de Manuel S. Fonseca, capa dura, 160 páginas, chega às livrarias a 25 de Outubro. 
·         O Que Fazer?,
 de Nikolai Tchernichevski, 480 páginas, traduzido do russo por Angelo 
Segrillo, com revisão de Ana Salgado, chega às livrarias a 2 de 
Novembro.



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