21/06/2010

A Sombra do Vento - Ruiz Zafón

É impressionante a força que D. Quixote continua a ter na literatura espanhola. Fermin Torres, magro e narigudo como o fidalgo de La Mancha, personifica a alma generosa do herói de Cervantes. Destemido mas algo louco, utópico mas saudavelmente positivo, persegue a verdade e a justiça, lutando contra os moinhos de vento da ditadura franquista, inimigos reais mas por vezes escondidos sob a máscara da mais terrível hipocrisia.
Daniel Sempere persegue um livro. Um livro esquecido, abandonado, de um escritor menor, perdido nos mistérios do tempo, da guerra civil e do ódio. E por trás do livro está um homem: Julian Carax, seu misterioso autor. Procurando Carax, Daniel procura-se. Envolvendo-se numa misteriosa teia de percursos sinuosos, Fermin e Daniel enfrentam uma cidade (Barcelona) feita de medo, sangue e ódio, onde as feridas do corpo e da alma são difíceis de curar. Viviam-se os tempos terríveis da Guerra Civil espanhola (1936-1939) e posterior ditadura criminosa de Franco.
Carax, como Daniel e como qualquer de nós, não é só carne e osso – é alma, fantasma, sombra, um mundo imenso de mistério que Daniel vai desvendando.
Fazendo lembrar Perez-Reverte, Zafón presenteia-nos cm uma escrita empolgante, cheia de mistério, que agarra o leitor até à última página, até um final surpreendente, maravilhoso pela simplicidade.
Toda a vida de Daniel é condicionada pela procura de Carax, pelo desvendar do mistério, de tal maneira que a sua vida se funde maravilhosamente com o enredo do livro. Vidas que se misturam, enredos que se intersectam, criando um mundo complexo de realidade e ficção, com um pano de fundo profundamente dramático: o drama da Guerra e da ditadura são descritos muitas vezes em forma de autêntico “dramalhão” que, em certas passagens, chega a impressionar pelo exagero do sangue que escorre pelas páginas, bem à maneira da alma espanhola.
Pelo meio, uma espécie de sabedoria popular povoada de humor: “Falar é de ignorantes; calar é de cobardes; ouvir é de sábios” – disse Braulio Recolons, gerente de uma casa de toucinhos.
O livro é o tema central do livro. Um livro que decide destinos. Como tantos de nós bem sabem. Um livro une vidas, separa o que Deus uniu, mata e faz viver. Carax escreveu que “há prisões piores que as palavras”. A mim, modesto leitor, depois de ler este livro, apetece-me dizer que não há melhor prisão que a dos livros.

2 comentários:

lusoalmeida disse...

Este livro é fantástico...

Unknown disse...

Li este livro há já algum tempo e é simplesmente genial :)
Paula