Nas Sombras da Noite - Lagoas da Silva

Opinião:

Um livro que tem como base uma família típica do Portugal profundo lá para os lados do baixo Mondego, a história de uma amor que seria impossível devido às diferenças de estratos sociais, mas que aconteceu pois existia amor.

Leonor filha do engenheiro, senhor de vastas terras, apaixona-se por Simão filho de um pobre que para tentar sustentar a família apanhava resina com o filho. Simão vai trabalhar para a casa do engenheiro a pedido de Leonor, e como a mesma insistência por parte de Leonor o engenheiro acede a deixar Simão ir para Coimbra estudar, tudo custeado pelo senhor engenheiro.

O engenheiro começa a não gostar dessa devoção de Leonor por Simão, mesmo assim atende a todos os pedidos de Leonor. Constança, mãe de Leonor morre ainda Leonor é uma catraia, e assim desde pequena ela é abusada pelo suposto pai, o engenheiro, suposto pois este quer acreditar que ela não é sua filha mas sim filha de um caso amoroso entre sua esposa com o seu feitor o Damião, estes abusos tornam-se desejos quando Leonor é já uma mulher adulta.

Leonor não consegue evitar que Simão vá para a guerra, para Angola, este conhece Carolina em Angola por quem fica apaixonado mas o seu amor por Leonor é maior que tudo isso e nada se passa entre Simão e Carolina, uma negra de extrema beleza. Regressado de Angola após um ter sido atingido por uma mina, nada de grave, fica-se por Lisboa e não regressa para junto de Leonor, esta quando sabe do seu regresso vai procura-lo a bem da sua sanidade e bem do seu amor por Simão, uma amor enorme.

Leonor e Simão casam o engenheiro morre, e assim Leonor tem de assumir a liderança dos negócios do pai, coisas estranhas começam a acontecer sendo estas ligadas ao espectro do engenheiro. Leonor tenta engravidar mas não consegue a guerra tinha feito outros danos a Simão sem este saber, e assim tentam a fertilização In Vitro, para satisfazer um desejo enorme de Leonor.

Só bem no final conhecemos o nome do dito engenheiro, um preciosismo do autor, do qual gostei.

Um livro onde a chuva as intempéries estão sempre presentes, a falta de sol, sendo aqui sol sinónimo de alegria, colocam o leitor num estado nostálgico, triste e de tanta chuva, trovoada, frio, o leitor fica enfadonho, demasiado cinzento. Alegram-nos as descrições do borralho e do brasido das folhas de eucalipto que nos aquecem a leitura.

O tema do incesto está retratado de uma forma "subtil", a tentativa de quebrar esse tabu está latente neste romance, se ele existe não se deve ter medo de o abordar, aqui o autor consegue isso sem ferir susceptibilidades. Aborda a guerra e o pós-guerra, as sequelas dos ex-combatentes de ultramar, suavemente avançando na leitura estas marcas vão ficando cada vez mais presentes.

Um romance onde ficamos enraizados nesse Portugal triste, duro, antigo e depois temos que sair desse estado para entender e compreender uma gravidez medicamente assistida, duas faces de uma moeda muito diferentes que dão um colorido nestas páginas e páginas de cinza.

Referências, que convidam a uma reflexão, ao padre às suas atitudes, às conversas de taberna, taberna que se transforma em café/taberna, um sinal dos tempos e da mudança de clientela.

Personagens bem estruturadas, cuidadas, reforçam este romance colocando-o nesse patamar: um bom romance.

Um romance que gostei de ler, não sendo um romance extraordinário na verdade fiquei surpreendido com o autor, que desconhecia, que nos remete para uma profunda reflexão, se assim o desejarmos e em assuntos muito diversos, pecando um pouco na tautologia de ideias, uma pequena ressalva para a editora Chiado que sem ser nada de grave deveria ter mais cuidado na revisão do texto.

Avaliação: 6 em 10